sábado, 28 de setembro de 2019

" A Volta ao Mundo", de Ferreira de Castro (2) - Encontro com as Gueixas, no Japão





Na sua longa viagem, Ferreira de Castro chegou ao Japão pouco depois do começo da 2.ª Guerra Mundial (1939). Nessa altura, faltavam quase dois anos para o ataque nipónico a Pearl Harbor, o qual traria como consequência a entrada em força dos Estados Unidos na guerra. Mas o Japão não se achava em paz, estando empenhado, desde Julho de 1937, na brutal invasão da China (2.º conflito sino-japonês).

Apesar disso, o escritor pôde percorrer demoradamente várias cidades do país, legando-nos sobre essas visitas dezenas de páginas interessantíssimas. Em Tóquio, como não podia deixar de ser, decorreu o seu


Encontro com as Gueixas


“Os nossos companheiros metem-nos num dos restaurantes. Ao lado de cada um de nós senta-se uma gueixa. Japonês saturado da mulher e do ambiente doméstico, se pensa ir jantar fora de casa com um amigo, pensa, ao mesmo tempo, jantar com o amigo e com duas gueixas.

Pequeno ou grande burguês, industrial, financeiro, almirante, ministro do imperador, nenhum deles concebe banquete ou simples colação num restaurante sem a companhia destas raparigas. Por mor disso, muitas personagens nipónicas têm perdido a vida, porque algumas gueixas, senhoras de segredos de Estado e de conspirações que surpreendem durante os jantares, acabam por cometer funestas inconfidências. Mas tão arreigado está o hábito da companhia grácil, que se, um dia, as gueixas desaparecerem da vida nacional, haverá muitos infelizes entre os homens endinheirados do Japão…



As gueixas não são prostitutas. O seu nome significa, em japonês, “pessoas de arte”. Quase todas elas são vendidas, pelos pais, às donas das geishayas, quando se encontram ainda na infância, e, depois, metidas num dos vários colégios, destinados a educá-las, que existem em Tóquio e noutras cidades.
Ali, até aos quinze anos, aprendem as boas maneiras e a cultura artística que devem tornar grata a sua presença junto dos homens. Ensinam-lhes poesia, música e danças. Ministram-lhes, ao mesmo tempo, conhecimentos sobre a história nipónica e a geografia universal.

Ultimamente, dada a evolução do país, as gueixas aprendem, também, assuntos militares que possam interessar, durante os banquetes, aos ministros, aos almirantes e aos generais, pois estes preferem, hoje, falar de canhões, de navios de guerra e de soldados do que ouvir poemas clássicos…



Após tão variada educação, a nova gueixa está apta a comparecer nos restaurantes. Basta telefonar para a geishaya e ela acorre à chamada, com outras companheiras – tantas quantos são os senhores que pretendem comer em companhia feminina. A sua presença é paga à hora e incluída na conta do jantar, aumentada de uma sobretaxa, porque o Estado considera actualmente as gueixas como artigo de luxo.

O dinheiro vai daqui para a bolsa das matronas que exploram estas raparigas. As gueixas raramente vêem uma nota de banco. Vestidas e alimentadas pelas geishayas, creditam-lhes a quinta parte de quanto fazem, em desconto dos yenes que os pais receberam pela sua venda. Este dinheiro deve estar integralmente coberto antes de a gueixa atingir 25 anos, pois, com essa idade, já a têm por velha.



Há gueixas que, pela sua beleza ou pelo seu espírito, criam fama semelhante à das artistas em voga – e, para as ter à mesa de jantar, é necessário o candidato à sua companhia inscrever-se com dias e até semanas de antecedência… Quando se pede determinada gueixa, as matronas consideram que essa preferência vale dinheiro e cobram o dobro do preço de uma gueixa indeterminada.

(…) Junto dos seus clientes, as gueixas devem mostrar-se como figuras de encanto visual e espiritual e não como cortesãs. Elas podem sorrir maliciosamente e nublarem de voluptuosidade os seus olhos; nada mais, porém, lhes é consentido pelos regulamentos, nem aos que elas fazem companhia é permitido solicitar mais.

Se surgem paixões devem curar-se fora dos restaurantes, porque o contrário seria atentado aos bons costumes. Geralmente, a dona da geishaya, uma velha gueixa reformada, vende, por alto preço, a “primeira noite” da pupila. Depois disso, a nova gueixa é livre de amar quem quiser, desde que o não faça nas horas destinadas ao seu trabalho. E ela ama, quase sempre, um jovem nipónico que não tem dinheiro para ir aos restaurantes e que detesta, como é humano, todos os restaurantes onde a eleita vai exercer a profissão.



Das três gueixas que, esta noite, nos fazem companhia, nenhuma conta mais de vinte anos. Não são muito bonitas, mas são graciosas – bonecas de sorriso doce e delicados gestos. Ajoelhadas sobre as almofadas e corpo repousando nos calcanhares, enchem os nossos copos e dominam o riso perante a careta que nos provoca o “saké”, bebida feita de arroz. Têm sempre à mão uma caixa de fósforos para acender os nossos cigarros e mesmo palitos para servir os clientes…

Entendemos ser injusto e absurdo que, estando nós a jantar, elas não jantem também. Mas as três dizem-nos que não podem fazê-lo, por ser contra o regulamento do seu ofício. Comeram antes de vir para aqui e comerão novamente logo que daqui saiam. Falam inglês com uma suavidade que as próprias inglesas não conseguem ter. Todos os seus gestos foram estudados, mas, agora, elas portam-se com tanta naturalidade como se já tivessem nascido assim.


No restaurante, cheio de balões japoneses, há outros grupos de comensais e de gueixas e sente-se que, perante uma risada, uma harmonia de poema recitado, um trecho de música, estas três raparigas desejariam voltar a cabeça e ver o que se passa. Contudo, não o fazem. Por fim, uma delas recita, também, velhas poesias nipónicas, que, para nós, valem apenas pela sua melodia e pelo encanto que lhes dá a própria recitadora.
Em seguida, a “Ritmo de Fonte”, a mais nova das três, toca o seu “shamisen” e logo as demais dançam. Até há pouco, as danças ocidentais eram cultivadas na vida nocturna de Tóquio e algumas das próprias gueixas as executavam.

Ultimamente, porém, as autoridades proibiram todas as danças da Europa e da América, por as considerarem imorais e anti-nacionalistas. Assim, estas duas gueixas dançam com movimentos puramente nacionais – movimentos tão vagarosos e monótonos que nem os das sagradas virgens do templo de Nara…

Quando elas terminam, o nosso anfitrião decide ir mostrar-nos o famoso jardim de Asakusa.”





Fonte: Ferreira de Castro - A Volta ao Mundo (3.º vol., de um total de 3) - Livraria Editora Guimarães & C.ª - Lisboa - Portugal - Ano de 1952.

Ver a postagem (1) de "A Volta ao Mundo".

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Começo do Outono...

 
… aqui celebrado pelo Outono de As Quatro Estações de Vivaldi.
A solista de violino é Julia Fischer, acompanhada pelos músicos da Orquestra Sinfónica da Rádio Bávara.
 

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Sem tirar nem pôr...

António Costa, 58 anos, Secretário-Geral do Partido Socialista e Primeiro-Ministro de Portugal desde Novembro de 2015.
Apontado, pelas sondagens, como favoritíssimo nas próximas eleições legislativas (marcadas para o dia 6 de Outubro de 2019) "arrisca-se" a novo mandato de quatro anos.
Acaba de gerir, com mestria, firmeza e eficácia, uma greve semi-selvagem de camionistas transportadores de matérias perigosas (combustíveis), a qual ameaçou, até pela voz pública e algo descontrolada dos seus responsáveis, paralisar por completo o País.
A Penélope, do blogue Aspirina B, indignou-se com os ataques que lhe têm sido movidos a este propósito por uma comunicação social de cabeça perdida com as sondagens (convenhamos que com bastante razão por parte da autora).
Transcreve-se parcialmente o texto em causa:
"Tenho dificuldade em prestar atenção ao desmiolado comentariado nacional, pago para se excitar a propósito de tudo e de nada, e, ultimamente, com a mania de, através de editoriais em jornais, e com o PSD na lama, se armar em oposição do Governo. Não há pachorra.
Temos um governo que governa, que se preocupa com que as contas não derrapem, que dá liberdade suficiente ao chamado “mercado” e liberdade total à livre iniciativa, que se apresentou com convicções e dignidade na Europa, passando a ser olhado com respeito e admiração, que restituiu o orgulho nacional, que pôs a economia a crescer, que está atento aos problemas, que é constituído por pessoas competentes e contidas, que também aprendem e se preparam, enfim, dir-se-ia um governo de luxo. E estas alminhas, sem mais que fazer, que fazem? Resolvem preencher os espaços de que dispõem para delirar.  Tudo bem. Não queiram é ser levados a sério, eles próprios e os jornais onde trabalham. (…)
Quando toda a gente está ultra-satisfeita com a gestão governamental da greve dos camionistas e desejando o seu fim, esta e outras alminhas – ou porque simpatizam com a extrema-esquerda ou porque representam a direita – insistem em que o que era bom era ter deixado a greve bloquear o país. Apesar de sabermos para quem isso seria bom, conviria que os jornais e os seus editoriais tivessem algum tino e equidistância."
Veja o comentário completo da Penélope: aqui.

sábado, 7 de setembro de 2019

Hernán Cortés e os Astecas - A Conquista do México pelos Espanhóis - 7.ª Parte (Conclusão)


Continuação de:

27-Julho-2019 - 1.ª parte (ver aqui)
03-Agosto-2019 - 2.ª parte (ver aqui)
10-Agosto-2019 - 3.ª parte (ver aqui)
17-Agosto-2019 - 4.ª parte (ver aqui)
24-Agosto-2019 - 5.ª parte (ver aqui)
31-Agosto-2019 - 6.ª parte (ver aqui)
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Por esta altura já não se discutia entre os Espanhóis sobre a necessidade de uma fuga urgente da cidade: interessava-lhes somente escolher o momento e a forma de a concretizar. No conselho de guerra que convocou, Cortés decidiu que a retirada começaria por volta da meia-noite de 30 de Junho, pelo caminho de Tlacopan (calçada de Tacuha). Para ultrapassar os vários cortes que os Astecas tinham feito nos passadiços que atravessavam o lago, ele ordenara a construção de uma ponte portátil de madeira, que um grupo de homens previamente designado transportaria, de corte em corte, à medida que o exército fosse progredindo. O objectivo consistia em alcançar o território aliado de Tlaxcala, para aí recuperar forças e preparar uma contra-ofensiva.

O comandante tratou em seguida do imenso tesouro acumulado ao longo da permanência em Tenochtitlán. O ouro fora transformado em barras, e a sua quantidade era tão grande que não seria possível transportá-lo na totalidade. Cortés reservou a sua parte, bem como o quinto devido à Coroa espanhola, e depois disse aos soldados que se apoderassem do que restasse. Mas recomendou que não exagerassem, para que não fossem estorvados pelo peso durante a marcha. Alguns seguiram o conselho, mas outros não - com destaque para os homens recrutados no exército de Narváez. Muitos deles pagariam cara a sua cobiça.

Dividindo as suas forças em três corpos, Cortés principiou a evasão à hora fixada, já no 1.º de Julho de 1520. A noite estava escura, chovia torrencialmente e a praça fronteira ao quartel achava-se deserta. Por isso, a primeira parte da marcha decorreu sem problemas. Repentinamente, quando a vanguarda dos fugitivos se achava já a meio caminho, soaram brados de alerta. Os Espanhóis, e os aliados Tlaxcaltecas, experimentaram então o inferno, e foi por isso que aquelas horas trágicas ficaram para sempre conhecidas como La Noche Triste (A Noite Triste).

Da obscuridade começou a elevar-se como que um longo sussurro, logo transformado numa gritaria de gelar o sangue. Servindo-se de canoas, milhares de Astecas surgiram então das águas do lago e, depois de descarregarem sobre os Espanhóis um dilúvio de pedras e flechas, treparam ao passadiço para lutarem corpo a corpo. Durante algum tempo, enquanto a ordem se pôde manter nas fileiras, os fugitivos foram aguentando o ataque. Mas cedo começaram os problemas. A ponte móvel, utilizada com sucesso no primeiro corte do passadiço, ficou enterrada no fundo do lago e não houve possibilidade de a fazer avançar para o segundo corte. E logo se instalou o pânico. Acometidos por guerreiros furiosos e sedentos de vingança, espanhóis e tlaxcaltecas já só pensavam em sobreviver. Os corpos de muitos deles juncavam o passadiço, misturados com os dos astecas. Canhões, arcabuzes, caixas de munições, bagagens, tesouros, tudo se foi perdendo na onda irreprimível, e muitos soldados cobiçosos acabaram afogados no lago sob o peso do ouro furtado em Tenochtitlán.

À custa de esforços sobre-humanos, e já com um número pavoroso de baixas, a vanguarda e o centro do exército invasor conseguiram alcançar as margens do lago. A retaguarda teve de retroceder para a cidade e aí pereceram todos, muitos deles sacrificados no templo.
Dona Marina (Malinche), a mulher e tradutora de Cortés, achava-se entre os sobreviventes. O comandante confiara a sua segurança a um destacamento de guerreiros tlaxcaltecas, que conseguiram milagrosamente fazê-la atravessar incólume por entre a confusão e a matança.
Diz-se que Cortés, já fora da cidade, com Malinche a seu lado, buscou descanso junto do tronco de uma árvore. Aí, ao ver passar os destroços do que fora um orgulhoso exército, deixou que as lágrimas lhe corressem pelo rosto. Não era para menos. Estatísticas credíveis, devidas ao seu capelão, traduzem com crueza a catástrofe daquela Noche Triste: tinham morrido cerca de 450 espanhóis e 4000 aliados tlaxcaltecas.

Para sorte dos Espanhóis, os Astecas, possivelmente retardados com o saque dos despojos, o enterro dos mortos e o sacrifício ritual dos prisioneiros, não os perseguiram de imediato. Todavia, ao sétimo dia de marcha para a segurança de Tlaxcala, depararam, nas planícies de Otumba, com milhares de índios decididos a finalizar o massacre iniciado em Tenochtitlán.
Cortés organizou como pôde as minguadas forças que lhe restavam, compostas por espanhóis e tlaxcaltecas, e dispôs-se a enfrentar aquele derradeiro obstáculo. A cavalaria, que ficara reduzida a cerca de vinte unidades depois das terríveis perdas na capital, conseguiu não obstante realizar prodígios, abrindo clareiras profundas nas filas compactas do inimigo. Mas Cortés foi de novo ferido, desta vez na cabeça.

Ao fim de umas horas ainda se combatia, e era a superioridade táctica dos Espanhóis, associada à sua disciplina, que lhes permitia prolongar o combate. No entanto, o exército inimigo era de tal forma numeroso, que seria quase impossível superá-lo. Cortés teve então uma inspiração. Avistando ao longe o cacique ou general inimigo - chamava-se Cihuaca e foi identificado pelo toucado de plumas, pela liteira em que se fazia transportar e pela bandeira dourada que simbolizava o seu comando -, resolveu transformá-lo no alvo principal. Chamando os seus melhores oficiais, como Alvarado, Olid, Sandoval e Ávila, todos a cavalo, pediu-lhes que o seguissem na investida. Cihuaca não teve nenhuma hipótese de evitar o ataque brutal. Cortés ultrapassou os que o guardavam e trespassou-o com a lança. Um jovem fidalgo, Juan Salamanca, desmontou rapidamente, acabou de liquidar o infeliz Cihuaca e arrebatou a bandeira de comando, que logo entregou a Cortés.

A notícia da morte do chefe índio, bem como a da perda da bandeira, logo se espalhou como um rastilho. Perdido o ânimo de combate, tomados de pavor, os índios puseram-se em fuga. Cortés ordenou a perseguição, e todos, Espanhóis e Tlaxcaltecas, se uniram numa matança impiedosa, que constituiu a primeira parte da vingança do que haviam padecido em Tenochtitlán.
Consumada a carnificina, os invasores dispersaram-se pelo campo de batalha coberto de cadáveres. Procuravam sobretudo os corpos dos chefes, por uma simples razão: como era habitual naquelas ocasiões, eles enfeitavam-se com as melhores jóias. Foi assim que os vencedores puderam recolher um espólio considerável.

Esta foi a célebre batalha de Otumba (ou de Otompan), travada em 7 de Julho de 1520. Após o triunfo, Cortés reuniu as suas destroçadas forças sob os estandartes vitoriosos e deu graças ao Senhor dos Exércitos. Depois puseram-se todos em marcha para Tlaxcala.


No ambiente hospitaleiro de Tlaxcala, Cortés e os seus comandados, agora reduzidos a um quinto do exército inicial, foram recuperando forças. Muitos pensavam que o comandante, face ao desastre sofrido em Tenochtitlán, desistiria do seu projecto. Mas não o conheciam bem. Obstinado, mais decidido do que nunca, ele empenhou-se em novos recrutamentos e na reorganização do exército.
Da colónia de Veracruz, que ele fundara e cujo controlo mantinha, começaram a chegar reforços. Alguns tinham sido enviados pelo governador de Cuba a Narváez, para que este concluísse a tarefa de meter Cortés na ordem. O governador, como é óbvio, ignorava o desaire sofrido pelo seu enviado. Os recém-chegados, inteirados da situação e seduzidos pelos relatos sobre as riquezas do território, não demoraram a passar-se para o lado do comandante.

Também atraídos pelo ouro a que poderiam deitar mão, chegaram aventureiros de proveniência diversa - e todos, ou quase todos, se deixaram entusiasmar pela contra-ofensiva que Cortés tinha em mente. Nos navios que aportavam a Veracruz vinham armas, cavalos e abastecimentos, e tudo isso foi convergindo para Tlaxcala.
O comandante providenciou o fabrico dos elementos necessários à construção de embarcações. Tencionava fazê-los transportar por carregadores até ao seu objectivo, e, aí chegado, ordenaria a sua montagem para poder manobrar contra as canoas do inimigo no lago onde se erguia a capital asteca.

Cortés deu finalmente ordem de marcha. O seu renovado exército contava agora com 600 soldados e 40 cavalos. Seguiam-no também mil guerreiros tlaxcaltecas, a quem ele mandara dar instrução militar segundo os padrões espanhóis. A 30 de Dezembro de 1520, os invasores tinham outra vez Tenochtitlán à vista. Mas Cortés aprendera a lição e não se precipitou. Durante os primeiros meses de 1521, procedeu ao reconhecimento do vale circundante, submeteu as povoações em torno do lago e cortou as vias de abastecimento à cidade.

As embarcações foram lançadas à água, e, a 26 de Maio, começou o cerco propriamente dito. Nesta altura, o chefe asteca era já outro - Cuauhtémoc (também conhecido por Cuauhtemotzin, ou Guatimozin), um jovem sobrinho do falecido Moctezuma. O soberano anterior, Cuitlahuac, perecera vítima da varíola trazida pelos europeus.
Os guerreiros de Cuauhtémoc assediavam quase diariamente os Espanhóis nos passadiços do lago e provocavam-lhes baixas consideráveis. Durante dois meses e meio resistiram, com as energias do desespero, ao maior poderio dos inimigos. Por diversas vezes, os Espanhóis conseguiram progredir quase até ao centro da cidade, mas tiveram sempre de retroceder face à fúria e à capacidade combativa dos Astecas. 
No entanto, parte da eficácia dos guerreiros de Cuauhtémoc saía diminuída pelo seu afã em capturar inimigos com vida, fossem espanhóis ou tlaxcaltecas: eles tinham a ideia fixa de os arrastar até à pedra dos sacrifícios, no templo, para lhes arrancarem os corações em oferenda aos seus deuses protectores.


Cortés recebera entretanto importantes reforços, provenientes de mais alguns desembarques em Veracruz: cerca de duas centenas de soldados, bem apetrechados de armas e munições, e setenta ou oitenta cavalos. Redobrando de esforços, intensificou os ataques, mas a progressão continuava lenta e muito arriscada. O próprio comandante escorregou num dos passadiços e, enquanto se debatia na água, foi atacado por um grande número de índios tripulando canoas. Estes podiam tê-lo liquidado facilmente, não fosse o desejo obsessivo de o capturarem com vida para o sacrificar. Isso deu oportunidade a que os seus homens o pudessem resgatar das mãos dos seis atléticos guerreiros que já o levavam para uma canoa. Cortés foi salvo, mas à custa de baixas pesadas. Morreram na acção centenas de tlaxtaltecas e 25 espanhóis, enquanto 66 se viram aprisionados pelos defensores da cidade - sendo logo encaminhados para um terrível destino.
Nesse mesmo dia, os invasores puderam assistir - sem que nada pudessem fazer - ao horroroso fim dos camaradas de armas, assim descrito por um dos seus cronistas:

Nessa noite, um coro lúgubre de tambores, conchas e chifres soou através do lago. Tudo junto fazia um ruído arrepiante, e, ao erguermos os olhos para o templo de onde o som nos chegava, vimos os nossos companheiros, que foram feitos prisioneiros ao tentarem defender Cortés, a serem obrigados a subir a escadaria do templo para serem imolados.
Tendo conseguido levá-los até ao espaço aberto em frente dos seus ídolos malditos, vimos que colocavam plumas na cabeça de muitos dos prisioneiros e que, com uma espécie de forquilha, os obrigavam a dançar perante o seu deus da guerra.
Quando os prisioneiros acabaram de dançar, os Astecas dobraram-nos para trás, apoiando-lhes as costas sobre umas pedras estreitas que usavam nos sacrifícios, e com facas de pedra abriram-lhes o peito, arrancaram-lhes os corações ainda a pulsar e ofereceram-nos aos ídolos. Em seguida, com pontapés, atiraram os cadáveres pelas escadas abaixo.

Este acto de vingança pode ter elevado momentaneamente o moral dos defensores astecas, pois eles desencadearam logo de seguida um assalto maciço às posições espanholas. Mas estas reagiram com intenso fogo de artilharia e de mosquetes que ocasionou brechas enormes nas vagas atacantes e as forçou a recuar.

Cortés chegou à conclusão de que a única forma de conquistar Tenochtitlán seria romper com os seus homens até à praça principal, protegendo os acessos à retaguarda, e, logo depois, lutar rua a rua pela cidade. E logo pôs em campo essa ideia. Para o sucesso da mesma contribuíram sobretudo duas coisas: o implacável desejo de vingança dos seus soldados, suscitado pelo macabro espectáculo que tinham presenciado no templo; e o progressivo enfraquecimento dos inimigos, cada vez mais debilitados pela fome.
O corte de abastecimentos à cidade começava enfim a dar frutos. Homens, mulheres e crianças arrastavam-se penosamente em busca de alimentos. Comiam o que podiam - raízes, cascas de árvores, insectos, musgo, vermes apanhados nas margens do lago. As ruas em breve ficaram pejadas de cadáveres - quer resultantes dos combates, quer, sobretudo, produzidos pela fome. A putrefacção dos corpos não tardou a provocar doenças, que mais dizimaram as fileiras dos defensores.

Cuauhtémoc, o soberano asteca, não dava apesar de tudo sinais de querer pôr termo à resistência. A sua capital estava cada vez mais reduzida a escombros, o seu exército desaparecia a olhos vistos, mas ele não cedia, nem mesmo quando Cortés suspendeu por algum tempo  os ataques e lhe ofereceu uma rendição honrosa. Este convite foi repetido em diferentes ocasiões, nalgumas delas apoiado por vários nobres astecas desejosos de paz. Mas Cuauhtémoc nunca apareceu para conferenciar com Cortés.

O comandante espanhol perdeu, finalmente, a paciência, e, no dia 13 de Agosto de 1521, ordenou o assalto derradeiro. Ordenara aos seus soldados que concedessem a vida a quem se rendesse, mas houve uma parte das forças que não lhe obedeceram - exactamente os aliados tlaxcaltecas, sequiosos do sangue dos seus inimigos de sempre. Nunca vi gente mais desapiedada nem homens tão cruéis como estes, diria Cortés acerca deles.

Cuauhtémoc foi por fim aprisionado, quando seguia, com a mulher e alguns fiéis, numa grande canoa. Pediu apenas duas coisas: que não fizessem mal à sua esposa (filha de Moctezuma) e, já na presença de Cortés, que este lhe pusesse termo à vida com o punhal que trazia à cintura. O comandante não lhe fez a vontade. Não precisava. Com a queda do último e corajoso imperador asteca, o México estava irremediavelmente nas mãos dos Espanhóis.

Cuauhtémoc sobreviveria mais de três anos àquele dia negro. Útil, ao princípio, no processo de subjugação dos povos mexicanos, foi-se tornando gradualmente num estorvo. Pela sua personalidade e pelo seu histórico de resistência, constituía um perigo potencial para os invasores. Por isso, Cortés não o perdia de vista, nem mesmo quando se deslocou com uma expedição às Honduras. Em circunstâncias duvidosas, Cuauhtémoc viu-se denunciado como cérebro de uma conspiração contra o comandante espanhol, acabando por ser executado em Fevereiro de 1525.

Cuauhtémoc, o último dos resistentes astecas (Cidade do México)

(FIM da 7.ª e última parte)