sábado, 24 de agosto de 2019

Hernán Cortés e os Astecas - A conquista do México pelos Espanhóis - 5.ª Parte

Continuação de:
27-Julho-2019 - 1.ª parte (ver aqui)
03-Agosto-2019 - 2.ª parte (ver aqui)
10-Agosto-2019 - 3.ª parte (ver aqui)
17-Agosto-2019 - 4.ª parte (ver aqui)
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As notícias sobre o avanço implacável de Cortés abateram-se sobre a cidade de Tenochtitlán (México) como avisos de desgraça. Segundo relatos espanhóis, o imperador Moctezuma ter-se-á debatido até ao último instante com uma dúvida terrível acerca da verdadeira identidade do estranho visitante. Seria este um homem comum, a quem os seus exércitos talvez pudessem fazer frente? Ou tratar-se-ia, antes, de um enviado do deus Quetzalcoatl - que, nessa condição, não deveria ser hostilizado?
A angústia de Moctezuma, chefe político e religioso dos Astecas, era perfeitamente justificada. Ele sabia como tinham vindo a acumular-se, nos últimos tempos, os mais funestos presságios para o império. Por exemplo: uma enorme e resplandecente língua de fogo iluminara os céus havia dez anos; o pináculo de um templo do deus Huitzilopochtli pegara fogo sem razão aparente; caíra um raio sobre o templo do deus Xiuhtecutli  sem que as condições meteorológicas o justificassem; tinha-se revolvido em ondas enormes o lago da cidade e nos ares ecoara o lamento de uma mulher que anunciava a queda do império; surgiam repentinamente do nada figuras monstruosas que se desvaneciam diante de Moctezuma.

Os Astecas achavam-se realmente confusos e a sua divisão era evidente. Para uns, os invasores eram deuses, sendo inevitável que dirigentes e povo se lhes submetessem. Outros, porventura em minoria, acreditavam que se tratava de homens como quaisquer outros e que urgia combatê-los para os expulsar dali. No meio disto, Moctezuma, o valente guerreiro de outrora, esmagado pelos factos e pelas convicções religiosas, mostrava-se hesitante, pusilânime e incapaz de decidir.

Na dúvida, e visando esconjurar o perigo iminente, a cidade mergulhou numa vaga de preces e de sacrifícios rituais. Mas tudo foi inútil. No dia 8 de Novembro de 1519, transpostas as imponentes montanhas vulcânicas de Popocatepetl e de Ixtlaziuatl, os Espanhóis, acompanhados pelos seus aliados tlaxcaltecas, tiveram enfim diante dos olhos a fascinante - e inesperada - visão de Tenochtitlán, capital do império dos Astecas. O espectáculo foi de tal modo surpreendente e arrebatador que eles se convenceram de que estavam diante de uma civilização não só muito adiantada - mas, sobretudo, detentora de grandes riquezas.

Cortés imobilizou o exército a meio de um dos passadiços que, atravessando o lago, davam acesso à cidade, e foi aí que ficou à espera de Moctezuma. Na urbe, entretanto, parecia ter sido finalmente tomada uma decisão. Milhares de astecas apinhavam-se no caminho, enquanto outros se movimentavam em canoas pelo lago para virem ver de perto os visitantes. Surgiu pouco depois um extenso cortejo de nobres magnificamente ataviados - exibiam vistosos mantos de plumas, argolas de ouro no nariz e colares e pulseiras de turquesa. Quando chegaram perto dos Espanhóis pousaram no chão um sumptuoso palanquim com franjas de prata. Depois cobriram o solo com ricas tapeçarias bordadas e foi por elas que Moctezuma caminhou e se aproximou do comandante espanhol.



Os recém-chegados tinham finalmente diante de si o esquivo e poderoso imperador dos Astecas. Nas suas crónicas, descreveram-no assim: O grande Moctezuma contava cerca de quarenta anos, tinha boa estatura, era bem proporcionado, magro, da cor e do tom natural nos Índios. Não usava cabelo comprido, mas apenas tapando as orelhas. A barba, negra e pouco abundante, apresentava-se bem cuidada. O rosto era um tanto comprido mas alegre, e revelava, na sua aparência e comportamento, afabilidade e, quando necessário, gravidade.

Cortés, seguindo o costume espanhol, avançou para abraçar o soberano, mas foi barrado por dois cortesãos: Moctezuma era demasiado sagrado para poder ser tocado. O soberano deu as boas-vindas aos Espanhóis, num discurso que Dona Marina traduziu. Trocaram-se presentes. Cortés ofereceu a Moctezuma um colar de pérolas e de contas de vidro, recebendo em troca dois colares de conchas de caracol com oito camarões de ouro cada um. Os camarões de ouro eram símbolos sagrados do deus Quetzalcoatl. Os recém-chegados foram depois alojados no luxuoso palácio que fora do pai do imperador (já falecido), sendo-lhes servida uma copiosa refeição. Moctezuma regressou ao seu palácio de mármore e alabastro, e, como era costume, jantou sozinho.

Nos dias seguintes os Espanhóis puderam visitar Tenochtitlán, uma vasta metrópole cercada de água e que um labirinto de canais atravessava em todas as direcções. Ficaram maravilhados com as casas caiadas, os jardins em socalcos, os templos imponentes, os edifícios públicos monumentais, as vastos mercados repletos de gente.
Cortés foi por fim conduzido, juntamente com os seus companheiros, ao templo principal, uma enorme estrutura em forma de pirâmide. No cimo da íngreme escadaria, o comandante tinha à sua espera o próprio Moctezuma, o qual lhe tomou a mão e o convidou a admirar a grande cidade e as numerosas povoações edificadas em torno do lago.

Cortés apreciou a vista fabulosa. Mas ficou muito mal impressionado com os "ídolos malditos" que se viam no local e com as cerimónias religiosas que tinham lugar no topo do templo. Numa sala, viam-se braseiros com incenso de copal onde ardiam os corações de três índios imolados naquele mesmo dia. As paredes e o chão da sala estavam enegrecidos por sangue seco e todo o local exalava um cheiro nauseabundo. Cortés, o mais amavelmente que pôde, disse ao imperador que não compreendia como um homem sensato como ele podia acreditar naquelas coisas maléficas. Os sacerdotes astecas que acompanhavam a visita deram sinais de hostilidade. Moctezuma, diplomaticamente, disse a Cortés que, se soubesse que ele iria insultar os seus deuses, não lhos teria mostrado. O comandante, reprimindo os seus sentimentos, respondeu com alguma secura: Se realmente assim é, perdoai-me. E desceu a escadaria.


Os Espanhóis não poderiam ter desejado entrada mais facilitada na capital asteca nem acolhimento mais amistoso por parte do imperador. Mas este acolhimento, que se foi prolongando no tempo, começou a colocar Cortés numa situação difícil. Com efeito, ele tinha-se apresentado como um visitante pacífico, sem demonstrar o menor sinal de ambições de qualquer tipo, se se descontar o desejo de converter os anfitriões à sua religião (uma obsessão de que os invasores jamais se conseguiriam libertar). A sua atitude, obviamente, estava longe de ser sincera - o comandante era um conquistador, não um turista… -, mas ele necessitava de se comportar assim para poder fixar-se no coração do império asteca sem resistência militar.

Nesta altura, Moctezuma já devia ter perdido as ilusões de que se encontrava diante de deuses ou de quaisquer enviados destes. Mas entendeu rapidamente que poucas hipóteses teria de os enfrentar num eventual cenário de guerra. Não fora por acaso que Cortés mandara saudar, com disparos de artilharia, a boa recepção que tivera: tratou-se, acima de tudo, de uma assustadora demonstração de poder. Moctezuma captou a mensagem e, visando apenas a sobrevivência, resolveu entrar naquele jogo de ficção. Procurou, assim, neutralizar os recém-chegados com uma chuva de amabilidades e de presentes: eles eram atendidos e tratados diariamente como se fossem reis e todos os desejos lhes eram satisfeitos.

Cortés sentiu que aquela situação de paz podre não favorecia os seus interesses. Agora que se instalara em Tenochtitlán, só pensava em arranjar um pretexto para romper com os anfitriões e alcançar enfim o seu inconfessado objectivo: substituir a organização e as autoridades astecas pelas espanholas, ou, por outras palavras, liquidar o império asteca para o converter numa simples província do império espanhol. Principiou assim um hábil jogo de enganos entre o conquistador e a sua futura vítima, ou, se se quiser, uma espécie de jogo do gato e do rato.
Cortés procurava incessantemente o seu pretexto; Moctezuma fazia tudo para não lho oferecer. Convencera-se definitivamente de que, se a situação desembocasse num confronto bélico, a independência asteca estaria perdida sem remédio. Para além da superioridade militar dos estrangeiros, ele sabia que o império assentava em grande parte na opressão dos povos tributários, que não hesitariam em aliar-se aos invasores para combater os senhores de Tenochtitlán. Deste modo, o imperador intensificou as gentilezas para com os visitantes: continuava a cobri-los de presentes, levava-os a visitar os seus maravilhosos jardins suspensos e exibia-lhes as suas magníficas colecções de animais selvagens e aves exóticas. 



À medida que o tempo passava, crescia a apreensão dos Espanhóis: a seus olhos, Tenochtitlán estava a transformar-se numa prisão, ainda que dourada. Eles temiam que as cortesias dessem repentinamente lugar à hostilidade e que os Astecas resolvessem esmagá-los com a força do seu número. Cortés arquitectou então um golpe audacioso, baseando-se num episódio ocorrido, há algum tempo, no litoral onde edificara Veracruz. O comandante soubera do sucedido em Cholula, ainda antes de entrar em Tenochtitlán, mas guardara consigo a informação até a poder utilizar em altura mais oportuna. Após madura reflexão, concluiu que a ocasião havia chegado.
Acontecera que os Cempoaltecas, seguindo o conselho dos invasores, se tinham recusado a pagar os impostos exigidos pelos cobradores astecas. Quando estes, chefiados por Cuauhpopoca, um governador de província, quiseram recorrer à força para impor a lei imperial, o comandante que Cortés deixara à frente de Veracruz, Juan Escalante (ver 4.ª Parte), saiu com a guarnição da colónia em socorro dos seus aliados. Na luta que se travou, os Espanhóis acabaram por ficar donos do campo, mas perderam sete ou oito homens. O próprio Juan Escalante, ferido no combate, morreria dias depois.

Cortés, finalmente decidido a precipitar os acontecimentos e a reforçar a sua posição em Tenochtitlán, deslocou-se então, acompanhado pelos intérpretes, por cinco dos seus oficiais e por alguns soldados, até ao palácio de Moctezuma. Nas avenidas contíguas ao palácio imperial, destacamentos espanhóis garantiam a segurança da operação.
O imperador recebeu os estrangeiros com a amabilidade habitual. Persistindo no seu jogo de sedução, mandou distribuir por eles uma generosa oferta de ouro e jóias. Dispôs-se mesmo a presentear Cortés com uma das suas filhas - honra que o comandante recusou, com refinada hipocrisia, alegando que já era casado em Cuba e que a sua religião lhe proibia ter várias mulheres.

A conversa prosseguiu com amenidade, até que Cortés deixou cair a máscara e falou a Moctezuma das ocorrências de Veracruz, responsabilizando-o por elas. O imperador negou a acusação. Cortés respondeu que, assim sendo, o mal só poderia ser reparado com o castigo do governador Cuauhpopoca e dos seus cúmplices. Moctezuma concordou em chamá-los a Tenochtitlán para se apurarem as culpas, mas Cortés comunicou-lhe que, enquanto o assunto não estivesse encerrado, o imperador deveria transferir-se para o quartel dos Espanhóis. Moctezuma, pálido como um cadáver, começou por rejeitar o "convite". Cortés insistiu. Ao fim de duas horas de conversa, e quando os oficiais espanhóis já davam sinais de impaciência, ele concordou em acompanhar os invasores. Nas avenidas, enquanto se encaminhava para a nova residência, o imperador deu a entender aos súbditos que se deslocava de livre vontade.
Embora ninguém o dissesse em voz alta, todos se achavam compenetrados de que Moctezuma, o grande imperador dos Astecas, não passava já de um prisioneiro - e de um refém - nas mãos dos Espanhóis.

Continua em 31-Agosto-2019 (6.ª Parte - ver aqui)

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