quarta-feira, 31 de março de 2021

Evocação do grande jornalista David Nasser, de "O Cruzeiro" (por José Cândido de Carvalho) - Brasil




O semanário O Cruzeiro foi uma das mais conhecidas e divulgadas revistas brasileiras, também muito popular em Portugal.
Pertencente ao grupo dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand (o Chatô), publicou-se entre 1928 e 1975.

Pela suas páginas desfilaram figuras como Carlos Lacerda, Rachel de Queiroz, Carlos Estêvão, Millôr Fernandes, O Amigo da Onça, Jean Manzon e muitos, muitos mais...

... tal como David Nasser (foto abaixo), fantástico jornalista, repórter, cronista - e, também, compositor musical (Nêga do Cabelo Duro...).

Filho de imigrantes libaneses, nasceu em 1917 e faleceu em 1980.
Distinguiu-se sobretudo pelas suas crónicas polémicas, de uma coragem, contundência e paixão incomuns.

Profissional controverso, usando métodos por vezes pouco ortodoxos, acabou por tornar-se figura incontornável do jornalismo brasileiro.

Continua a ser hoje um prazer passar os olhos pelo seu estilo inconfundível (como no sentido e magnífico texto que dedicou a Trás-os Montes, província nortenha de Portugal - reveja aqui).

Publica-se adiante uma prosa de homenagem que José Cândido de Carvalho (grande escritor, que evocámos aqui) lhe dedicou em 1964. Respeita-se a grafia brasileira.


David Nasser

"Uma tarde, lá pelos tempos de 1937, dava entrada na redação de “A Noite” um moço de andar marinheiro, meio adernado no vestir, de fala mansa e olhar de relâmpago.
O velho Castelar de Carvalho, com suas longas barbas de judeu das Escrituras, disse mais ou menos assim:
- Se eu fôsse dono desta baiúca (a baiúca era o seu querido jornal) botava êsse sujeitinho de 20 anos na balança e pagava o pêso dêle em ouro. Vale por uma redação inteira e equipada.

Olhei para o lado. O sujeitinho que Castelar de Carvalho queria contratar, a poder de barras de ouro do Banco do Brasil, era David Nasser em pessoa, de paletó-saco e jornal na mão.
Agora o velho Castelar é uma saudade e o ano de 1937 apenas uma lembrança de calendário. Mas a frase ficou:
- Vale por uma redação inteira.

É claro que outros anos passaram e outras tardes morreram. A profecia do velho Castelar havia de ganhar corpo e alma. David Nasser firmou nome como um dos grandes mestres do jornalismo nesta e noutras praças nacionais e mundiais, incluindo Europa, Paris e Bahia.
Sua geografia perdeu a noção de fronteiras – o mundo passou a viajar na mala de David, ao lado de suas escôvas e passaportes.

Uma noite estava em Lisboa, na Havaneza de Eça de Queiroz. Outra noite, ao lado de uma fogueira, num naco do Saara, entrevistando um rei do areal qualquer.

O assunto às vezes não prestava. Mas o talentão de David recauchutava tudo, emprestava tonalidades de ouro (e ouro de lei) ao latão mais desmoralizado.

Nessas suas andanças de Marco Pólo há bilhetes e cartas de príncipes com trono e sem trono, de milionários, de mágicos, de ministros, de poetas e bandidos.


David Nasser em 1947

Perguntei a David, num dia de confidências, quais os tipos de sua predileção:
- Os vagabundos.

Sim, ele tem um fraco todo especial, todo davidiano, pelos vagabundos, pelos andarilhos, pelos humildes.
As melhores histórias que gosta de contar são as histórias simples do povo, dos joões da silva, dos joaquins pereiras que falam maravilhosamente pela pena dêsse mestre da crônica e do panfleto.
Nisso, David está com a Bíblia: o reino dos céus não foi feito para os comerciantes de atacado, nem para os açambarcadores de feijão e açúcar. E nem para os burros.

Com o tempo, excelente mestre de estilo e vivência, David perdeu certas asperezas e mandacarus. Sua prosa de hoje tem claridades de cristal lavado. Cintila. É um poderoso escritor a serviço do jornalismo.

Sua crônica semanal é lida, e guardada, por milhões de brasileiros. No seu elenco há figuras de drama e de circo-de-cavalinho. A injustiça funciona nêle como mordida de cobra. Seja a injustiça no varejo ou no atacado, feita a um pequeno funcionário do montepio mais municipal ou ao político caído em desuso.

Os moinhos de vento de Dom Quixote estão sempre às ordens de David Nasser. Sancho Pança não faz parte de sua família espiritual. Nunca comeu de seu pão nem bebeu de seu vinho.





Certo político caixa-baixa, esperto como um esquilo, queria por fôrça ser destratado, em prosa ou em verso, por David Nasser. Procurei saber os motivos. O homenzinho, piscando o olhinho miúdo, foi taxativo:
- Levo uma sova, meu caro, mas todo mundo vai tomar conhecimento da minha existência. Viro vedete nacional.

Engano do pobre político municipal. David não bate em gente de meio metro. Suas paradas, as mais ruidosas do Brasil, são na base dos jotas: JK, Jânio ou João Goulart. Não faz por menos. Sua pólvora não é para passarinho de vôo curto. Ou águia, ou tiro ao alvo.

Cá entre nós: gosto de ver David Nasser nessas batalhas campais. Há nelas cintilar de espadas, brilho de aço em noites de lua cheia. David é um mestre perfeito no ataque-arte que êle domina como ninguém neste país. Desmonta o adversário como um velho relojoeiro desmonta um relógio.

O tal político municipal, um esquilo de esperteza, tinha razão. Levava meia dúzia de brilhantes sarrafadas, mas comprava lugar na glória. Mesmo a poder de arnica e esparadrapo.

David Nasser (1917-1980)

Pois vos digo que são essas as minhas pequenas memórias de David Nasser. Todos nós, jornalistas de pequena cabotagem ou das largas navegações, temos um pouco de D’Artagnan, de personagem de capa e espada.

Alguns, no rolar dos anos, deixam o chapéu de plumas e o florete. Vão ser funcionários do Fomento Rural ou do Instituto da Piaçava. David não. Nasceu herói de Alexandre Dumas e vai até ao fim dos tempos, assim, cada vez mais mosqueteiro, cada vez mais D’Artagnan.

Um dia, que espero em Deus esteja longe, baterá David às portas de São Pedro. O velho chaveiro, já um tanto gasto em anos e em santidade, não tirará as trancas do reino eterno com a presteza que merece uma figura e a sensibilidade de David Nasser. E já estou vendo o mosqueteiro sacar da espada e gritar bem alto: - Pedro, acautelai-vos!
É assim, glorioso e armado, que David entrará no céu." (*)


(*) - Autor: José Cândido de Carvalho (Publicado em O Cruzeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 18 de Julho de 1964).
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"Nega do Cabelo Duro
(qual é o pente que te penteia?)"
(composição de Rubens Soares/David Nasser)

1 - interpretada por Astrud GIlberto)...



2 - ... pelos "Anjos do Inferno"...


3 - ... e por Elis Regina

terça-feira, 30 de março de 2021

Angola e suas Gentes (Na pintura de Neves e Sousa) - 1












































































































































































































































































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Neves e Sousa

Albano Silvino Gama de Carvalho das Neves e Sousa nasceu no ano de 1921, em Matosinhos, Portugal.

Fez o curso do liceu em Luanda, Angola.

Faleceu em Salvador, Brasil, em 11 de Maio de 1995.

Além de pintor, era também poeta. Soube retratar como ninguém as belezas do povo e da terra de Angola, a sua grande paixão.

O grande escritor brasileiro Jorge Amado, em texto destinado ao catálogo de uma das exposições do pintor, definiu-o como um artista completo, apaixonado e exigente.

Segundo Amado, Neves e Sousa, já no Brasil, incorporou-se na vida baiana de corpo e alma.

Era um homem solidário, um criador de arte nascida da sua intimidade com o povo de Angola.

segunda-feira, 29 de março de 2021

CONCERTO PARA GEORGE - Uma celebração da vida e da música de George Harrison ("My Sweet Lord")

 


Foi no Royal Albert Hall, de Londres, a 29 de Novembro de 2002 - quando se perfez o primeiro aniversário da sua morte -, que se realizou a grande homenagem a George Harrison, um dos famosos Beatles.

Estiveram presentes, e actuaram, músicos de renome, como Billy Preston (ao piano, no vídeo abaixo) e dois sobreviventes do famoso quarteto de Liverpool (Paul McCartney e Ringo Starr).

Colaboraram ainda, entre muitos outros, Eric Clapton, Jeff Lynne, Tom Petty e os Heartbreakers, Jools Holland, Albert Lee, Sam Brown, Gary Brooker, Joe Brown, Ray Cooper, Andy Fairweather-Low, Marc Mann e Dave Bronze.

Esteve também, como não podia deixar de ser, o filho do homenageado, Dhani Harrison, que podemos ver na foto seguinte. As semelhanças físicas com o pai são impressionantes.


Durante o concerto: Eric Clapton (à esquerda) e Dhani Harrison


Um dos expoentes do concerto foi a interpretação de um dos maiores êxitos da música popular moderna (My Sweet Lord), que fica a dever-se à genial criatividade de George Harrison.


Podem recordar esse momento aqui...



... ou relembrar a inesquecível interpretação do mesmo tema pelo seu criador:


George Harrison (1943-2001)

Saiba mais sobre ele - aqui

sábado, 27 de março de 2021

Recordando tempos de D. João VI, rei de Portugal e do Brasil (1) - Um caminho cheio de dificuldades


Alegoria das virtudes de D. João VI (pintura de Domingos Sequeira)


D. João VI (1767-1826) foi filho de D. Maria I e de D. Pedro III (aqui 1). Decidindo fugir com a corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em Novembro de 1807, viria a ficar estreitamente ligado ao processo da independência brasileira que seu filho Pedro encabeçou.

D. João revelou-se desde cedo um ser retraído, mesmo tímido, mas de bom fundo. Eram-lhe conhecidas as hesitações e evasivas quando chegava a hora de decidir, mas há que compreender as especiais circunstâncias que o levavam a isso. Com efeito, o destino não o poupou a condições e momentos difíceis - ou, até, aflitivos.

Foi príncipe-regente (e depois rei) quando nunca esperara sê-lo: a morte prematura do irmão mais velho e a loucura de D. Maria I, sua mãe, não lhe deixaram alternativa nem escapatória. Não tinha sido preparado para o cargo, daí as naturais dificuldades que sentiu. Assim, teve que ir aprendendo o ofício com o tempo, no meio de brutais e inesperadas turbulências...



(D. João VI e D. Carlota Joaquina, ainda muito jovens)


D. João teve ainda como esposa uma espanholita azougada e praticamente impossível de controlar (Carlota Joaquina, filha de Carlos IV e neta de Carlos III - reis de Espanha -, que o casamento fez vir para Portugal com dez anos de idade).

Parece que só a rainha, D. Maria I, enquanto conservou o juízo, conseguia ter mão na garota. Quando esta se portava bem, a rainha autorizava-a a dar longos passeios de burrico pelas cercanias verdejantes de Queluz. A soberana estimava sinceramente a pequena nora, e nisso deve ter sido uma das poucas excepções. Quando ocorreu a demência de D. Maria, ninguém mais conseguiu segurar a indomável Carlota: nem aias, nem damas de companhia, nem professores, nem confessores - e muito menos o marido bondoso e bonacheirão...

Mas, enfim, foi ela que deu nove filhos ao príncipe-regente e à nação, quase todos nascidos no palácio de Queluz, nas proximidades de Lisboa. Entre eles Pedro, que seria o primeiro imperador do Brasil independente.

Fugindo a confrontos com a esposa difícil, D. João passava grande parte do tempo no convento de Mafra, distante cerca de trinta quilómetros de Queluz (onde ela preferia viver).

Rodeado de frades e dos sons do cantochão, o príncipe-regente sentia-se apaziguado e confortável. Mas foi, como se sabe, sol de pouca dura, porque, enquanto governante (pelo menos em Portugal), D. João teve escassos momentos realmente tranquilos e felizes. Mais tarde, no Brasil (pelo qual se apaixonaria a sério), as coisas seriam bem diferentes e bem mais risonhas para ele...


Napoleão Bonaparte


O outro pesadelo de D. João foi Napoleão Bonaparte, o terrível corso que o queria obrigar, sob promessas de guerra,  a hostilizar a Inglaterra (secular aliada de Portugal).

Costuma dizer-se que o príncipe-regente nunca foi tão medroso e hesitante como neste lamentável e trágico episódio.

Mas o que se poderia esperar que fizesse?

De um lado tinha ele o corso intratável, cada vez mais impaciente e ameaçador na sua arrogância de vencedor, pelas armas, de vários e poderosos exércitos europeus. Napoleão exigia-lhe que fechasse os portos portugueses à Inglaterra e que mandasse prender os cidadãos britânicos que aqui viviam, confiscando-lhes, simultaneamente, negócios e patrimónios.

D. João fingia concordar, mandando recados ambíguos para Paris a fim de ganhar tempo. Pelo menos numa ocasião procurou amansar Napoleão com a oferta de um punhado de diamantes brasileiros. Mas nada foi suficiente para aplacar o francês: ou Portugal cedia ou Bonaparte despachava os exércitos até Lisboa. E com isso se acabaria o trono e a dinastia de Bragança, que D. João encimava como regente.


Jorge III, o rei inglês.

Do outro lado, D. João era apertado pelos ingleses de Jorge III, que lhe prometiam protecção e uma escolta de navios para o conduzirem ao Brasil. O que ele não poderia, de forma alguma, segundo eles, era ceder a Napoleão Bonaparte...

Como é evidente, os britânicos não se moviam apenas - nem sobretudo - pelo apego à velha aliança: eles queriam, em troca dos seus serviços, que os portos brasileiros se abrissem ao comércio inglês, alcançando desse modo preponderância e proveitos vultosos na maior e mais rica das colónias portuguesas.

E se o príncipe-regente não cedesse aos ingleses? Nesse caso, Portugal arriscava-se a um castigo semelhante ao que estes tinham infligido aos dinamarqueses uns meses antes. Quando a Dinamarca não se portou como eles pretendiam perante as imposições de Napoleão, a marinha britânica postou-se de canhões assestados diante de Copenhaga e bombardeou impiedosamente a cidade.

D. João, uma vez mais na sua vida, não teve alternativas.

E foi assim que, em 29 de Novembro de 1807, após ter mantido o imperador francês iludido até quase à última hora, largou de barco para o Brasil com toda a sua corte (rever o relato de Oliveira Martins - aqui 2).

... Alguns anos mais tarde, Napoleão Bonaparte, já vencido e desiludido, recordava velhos e movimentados tempos. E desabafava, inútil e melancolicamente, acerca daquele escorregadio D. João: foi o único que me conseguiu enganar...

sexta-feira, 26 de março de 2021

Trem de Ferro (Manuel Bandeira e Tom Jobim - Brasil)







Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria
que foi isso
maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim

Voa,
fumaça
corre,
cerca

Ai seu foguista
bota fogo
na fornalha
que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada

Passa galho
de ingazeira
debruçada
no riacho
Que vontade
de cantar!

Oô...
Quando me prendero
no canaviá
cada pé de cana
era um oficiá
Oô...

Menina bonita
do vestido verde
me dá tua boca
pra matá minha sede
Oô...

Vou mimbora
vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...


Poema de Manuel Bandeira (1886-1968)
Musicado e cantado por Tom Jobim (1927-1994)

quarta-feira, 24 de março de 2021

O MAR (Segundo Charles Trenet e outros...)

 

... La Mer - The Sea -  El Mar - Das Meer - IL Mare - More - Moreto - Morje - Morze - Al-Bahr - Havet - De Zee - Deniz - Laut - Mauré - A Tenger - Samudra - Agean - Meri - Ang Dagat - Thalassa - Darya - Marea...





1 - La Mer (O Mar)
(Charles Trenet - França)

























































































































































































































































2 - La Mer (O Mar)
(Orquestra de Ray Conniff)




3 - La Mer (O Mar)
(Avalon Jazz Band)




4 - O Mar (La Mer)
(Sacha Distel)




5 - O Mar (La Mer)
(Collège et Lycée Wissembourg)



6 - La Mer (Beyond the Sea)
(Robbie Williams)



7 - La Mer (O Mar)
(Orquestra Mantovani)




 8 - La Mer (O Mar)
pelo seu criador, Charles Trenet,
muitos, muitos anos depois
de a ter interpretado pela primeira vez:

 

(1913-2001)