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domingo, 6 de abril de 2025

"Lágrima de Preta" (António Gedeão - Portugal)

 



Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
 
 
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio
 

……………..

Oiça este poema de António Gedeão, cantado

… pelo Adriano Correia de Oliveira, de Portugal...



 e pelo Bonga, de Angola:


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Bertolt Brecht - "Perguntas de um trabalhador que lê"





"Perguntas de um trabalhador que lê"


Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
arrastaram eles os blocos de pedra?

E a Babilónia várias vezes destruída:
quem a reconstruiu tantas vezes?

Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros,
na noite em que a Muralha da China ficou pronta?

A grande Roma está cheia de arcos do triunfo:
quem os ergueu?
Com quem triunfaram os Césares?

A decantada Bizâncio
tinha somente palácios para os seus habitantes?

Mesmo na lendária Atlântida,
os que se afogavam
gritaram por seus escravos
na noite em que o mar a tragou?

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?

César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?

Filipe da Espanha chorou,
quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?

Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória:
quem cozinhava o banquete?

A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias...
Tantas questões...

..........

Saiba mais sobre Bertolt Brechtaqui
..........

"Canto por todos los muertos"
(Carlos Puebla)

sábado, 1 de outubro de 2022

A uma fábrica fechada (Domingos Carvalho da Silva)



 .
Atrás da pele de tuas paredes
os êmbolos dormem
e há nas sirenes um silêncio
de horizonte.

Os dínamos guardam o repouso
dos minerais ocultos,
as alavancas dobram os joelhos na laje.

Nas veias de cobre
o sangue é
apenas
um caminho de luz

Quieta,
és como um esqueleto montado,
vazio de vozes humanas,
planeta morto.

Quieta,
és uma pedra apenas,
e em tua superfície
morre de inanição
a última raiz do musgo.

.
Domingos Carvalho da Silva (1915-2004)
.
.
Domingos Carvalho da Silva nasceu em Portugal (Pedroso, Vila Nova de Gaia), mas, chegando criança ao Brasil, com seus pais, adquiriria em 1937 a cidadania brasileira por naturalização.

Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo.

Foi advogado, funcionário federal e jornalista.
E também poeta, contista e ensaísta.

Leccionou Teoria da Literatura na Universidade de Brasília.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Adriana Calcanhotto, senhora de mil talentos... ("Devolva-me")



Nasceu em Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil) no ano de 1965.

Cantora, compositora, intérprete, instrumentista, produtora musical, arranjadora, escritora e ilustradora.

E, recentemente, professora na Universidade de Coimbra, Portugal.

Oiçam-na numa das suas mais belas canções:

Devolva-me


Rasgue as minhas cartas
E não me procure mais
Assim será melhor, meu bem!
O retrato que eu te dei
Se ainda tens, não sei

Mas se tiver, devolva-me!

Deixe-me sozinho
Porque assim
Eu viverei em paz
Quero que sejas bem feliz

Junto do seu novo rapaz

Rasgue as minhas cartas
E não me procure mais
Assim vai ser melhor, meu bem!
O retrato que eu te dei
Se ainda tens, não sei
Mas se tiver, devolva-me!
Devolva-me!
Devolva-me!

………..

(Para saber mais de Adriana Calcanhotto, clique aqui)

quinta-feira, 28 de julho de 2022

"Poema do Fecho Éclair" (António Gedeão - Portugal)

 

Rei Filipe II de Espanha (1527-1598)


Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.

Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.

Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.

O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.

Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.

Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da Terra
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava
Filipe Segundo.

Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.

Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.

Um homem tão grande
tem tudo o que quer.

O que ele não tinha
era um fecho éclair.


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"Poema do Fecho Éclair"
(cantado por Carlos Mendes):




(António Gedeão - Poeta português)
(1906-1997)


Poeta, professor e historiador da ciência portuguesa.

António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho) concluiu, no Porto, o curso de Ciências Físico-Químicas, exercendo depois a actividade de docente.

Teve um papel importante na divulgação de temas científicos, colaborando em revistas da especialidade e organizando obras no campo da história das ciências e das instituições, como A Actividade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX.

Publicou ainda outros estudos, como História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1959), O Sentido Científico em Bocage (1965) e Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII (1979).

Revelou-se como poeta apenas em 1956, com a obra Movimento Perpétuo.

A esta viriam juntar-se outras obras, como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e ainda Poemas Póstumos (1983) e Novos Poemas Póstumos (1990).

Na sua poesia, reunida também em Poesias Completas (1964), as fontes de inspiração são heterogéneas e equilibradas de modo original pelo homem que, com um rigor científico, nos comunica o sofrimento alheio, ou a constatação da solidão humana, muitas vezes com surpreendente ironia.

Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção política.

Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973).

Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago de Espada.


sexta-feira, 22 de julho de 2022

"Poema de Helena Lanari" (Uma bela homenagem de Sophia de Mello Breyner ao idioma português falado por brasileiros...)





Gosto de ouvir
o português do Brasil

Onde as palavras recuperam
sua substância total

Concretas como frutas
nítidas como pássaros

Gosto de ouvir a palavra
com suas sílabas todas

Sem perder sequer
um quinto de vogal.

Quando Helena Lanari dizia
o "coqueiro"

O coqueiro ficava
muito mais vegetal.


Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal)
(1919-2004)
Veja mais sobre ela - aqui


Jacob do Bandolim ("Assanhado" - Chorinho)




quinta-feira, 19 de maio de 2022

GATOS - Homenagem a uma das mais belas criações dos deuses (Poema "Elegiazinha", de Nelson Ascher - Brasil)

.

.
Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.
.
Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem:
sua fictícia morte não passa
de uma forma mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem:
rumo a um nível mais alto
é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.
.
Gatos não morrem:
- se somem -
mais preciso é dizer
que foram rasgar sofás no paraíso
.
e dormirão lá,
depois do ônus de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.


Nelson Ascher - São Paulo - Brasil (ver aqui)

..........

A Rússia está a cometer crimes de guerra na Ucrânia.

Россия совершает военные преступления в Украине.

Russos: lutem pela democracia no vosso país!

Русские: боритесь за демократию в своей стране!


Russos: derrubem, prendam e julguem Putin!

Русские: свергнуть, арестовать и судить Путина!


Viva a Ucrânia Livre e Independente!

да здравствует украина Свободный и независимый!


sábado, 14 de maio de 2022

"Você, Brasil" (Jorge Barbosa - Cabo Verde)

.
Mindelo - Cabo Verde
.
Eu gosto de Você, Brasil,
porque Você é parecido com a minha terra.
Eu bem sei que você é um mundão
e que a minha terra são
dez ilhas perdidas no Atlântico,
sem nenhuma importância no mapa.

Eu já ouvi falar de suas cidades:
a maravilha do Rio de Janeiro,
São Paulo dinâmico,
Pernambuco,
Bahia de Todos-os-Santos.
Ao passo que as daqui
não passam de três pequenas cidades.

Eu sei tudo isso perfeitamente bem,
mas Você é parecido com a minha terra.

É o seu povo que se parece com o meu,
que todos eles vieram de escravos
com cruzamento depois de lusitanos e estrangeiros.
É o seu falar português
que se parece com o nosso falar,
ambos cheios de um sotaque vagaroso,
de sílabas pisadas na ponta da língua,
de alongamentos timbrados nos lábios
e de expressões terníssimas
e desconcertantes.

É a alma da nossa gente humilde que reflecte
a alma da sua gente humilde,
ambas cristãs e supersticiosas,
sentindo ainda saudades antigas
dos sertões africanos,
compreendendo uma poesia natural,
que ninguém lhes disse,
e sabendo uma filosofia sem erudição,
que ninguém lhes ensinou.

O gosto dos seus sambas, Brasil,
das suas batucadas,
dos seus cateretês,
das suas toadas de negros,
caiu também no gosto da gente de cá,
que os canta
e dança
e sente,
com o mesmo entusiasmo
e com o mesmo desalinho também...
As nossas mornas,
as nossas polcas,
os nossos cantares,
fazem lembrar as suas músicas,
com igual simplicidade
e igual emoção.

Você, Brasil,
é parecido com a minha terra,
as secas do Ceará
são as nossas estiagens,
com a mesma intensidade de dramas e renúncias.
Mas há uma diferença no entanto:
é que os seus retirantes
têm léguas sem conta para fugir dos flagelos,
ao passo que aqui
nem chega a haver os que fogem
porque seria para se afogarem no mar...

Nós também temos a nossa cachaça,
o grog de cana
que é bebida rija.
Temos também os nossos tocadores de violão
e sem eles não haveria bailes de jeito.
Conhecem na perfeição todos os tons
e causam sucesso nas serenatas,
feitas de propósito para despertar as moças
que ficam na cama a dormir
nas noites de lua cheia.
Temos também o nosso café da ilha do Fogo
que é pena ser pouco,
mas — Você não fica zangado? —
é melhor do que o seu.

Eu gosto de Você, Brasil.
Você é parecido com a minha terra.

O que é - é que lá tudo é à grande
e tudo aqui é em ponto mais pequeno...
Eu desejava fazer-lhe uma visita
mas isso é coisa impossível.
Queria ver de perto as coisas espantosas
que todos nos contam de Você,
assistir aos sambas nos morros,
estar nessas cidadezinhas do interior
que Ribeiro Couto descobriu num dia de muita ternura,
queria deixar-me arrastar na onda da Praça Onze
na terça-feira de Carnaval.

Eu gostava de ver de perto o luar do sertão,
de apertar a cintura de uma cabocla — Você deixa? —
e rolar com ela um maxixe requebrado.
Eu gostava enfim de o conhecer de mais perto
e você veria como sou um bom camarada.
Havia então de botar uma fala
ao poeta Manuel Bandeira
de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima
para ver como é que a poesia receitava
este meu fígado tropical bastante cansado.

Havia de falar como Você
Com um no si
— “si faz favor”—
de trocar sempre os pronomes
para antes dos verbos
— “mi dá um cigarro?”.

Mas tudo isso são coisas impossíveis
— Você sabe? -
impossíveis.


Salvador da Bahia - Brasil.

Jorge Vera-Cruz Barbosa nasceu em 1902 na Ilha de Santiago, Cabo Verde, antiga colónia portuguesa, independente a partir de 1975.

Faleceu na Cova da Piedade, Portugal, em 1971.

Foi funcionário público e um dos membros mais importantes do movimento Claridade.

Publicou:
Arquipélago. São Vicente: Cabo Verde, 1936.
Ambiente. Praia: Cabo Verde, 1941.
Caderno de um Ilhéu. Lisboa: 1956.

Grupo: Cordas do Sol (Cabo Verde)
(Comped Joaquim)