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D. Pedro III foi Rei Consorte de Portugal, por ter casado com a herdeira do trono, a rainha D. Maria I (mãe de D. João VI).
Recorde-se que ela viria a falecer em 1816, no Brasil, com as faculdades mentais gravemente afectadas, no período em que a Corte lusitana se instalara, para escapar a Napoleão Bonaparte, na cidade do Rio de Janeiro (1808-1821).
D. Pedro era tio de D. Maria I, por ser irmão do pai desta (o rei português D. José I, que tivera o famoso Marquês de Pombal como principal ministro).
Era, também, bastante mais velho do que a esposa e sobrinha (quase dezoito anos de diferença).
A historiografia não foi muito generosa para com esta figura relativamente apagada. Puseram-lhe em realce a beatice e duvidaram-lhe amiúde da inteligência e da capacidade governativa.
Quanto ao primeiro aspecto, Oliveira Martins chegou ao ponto de lhe chamar "sacristão"…
Rainha D. Maria I, de Portugal (1734-1816) e o tio D. Pedro III, seu esposo e Rei Consorte (1717-1786)
Segundo os testemunhos disponíveis, D. Maria I terá sempre respeitado, e até amado, este seu tio e marido. Desejando pô-lo em destaque, mandou cunhar moedas de ouro com as efígies de ambos (eram as célebres peças de duas caras).
Tratou também de o convocar para reuniões de governo, onde se debatiam negócios públicos e inúmeras pretensões de uma multidão de requerentes.
Mas ele, de facto, não possuía bagagem intelectual para uma colaboração válida. Aflito, socorria-se, então, de um bordão, uma frase feita, que aplicava sempre que lhe solicitavam opiniões sobre uma eventual solução: Eu não vou por aí…
Isto não significava que ele pretendesse de alguma forma opor-se a esta ou àquela medida: queria apenas dizer que não tinha outra resposta. Limitava-se, assim, a pôr um ar grave e lá ia repetindo: Eu não vou por aí…
E dali não passava.
A razão da sua alcunha mais famosa teve origem em algo que ele também repetia com frequência.
Certa ocasião, D. Pedro terá escutado sobre certo indivíduo que este era capaz e idóneo para exercer determinado cargo.
Soando-lhe bem o que ouviu, passou a utilizar a expressão para qualificar quaisquer candidatos que lhe agradassem.
Porém, juntando incorrectamente as palavras que lhe tinham chegado aos ouvidos, dizia que eles eram capacidónios para os lugares pretendidos. Fulano é capacidónio para… Beltrana é capacidónia para…
E assim ficou D. Pedro III para todo o sempre lembrado como o Capacidónio…
Fosse como fosse, D. Maria I foi-lhe dedicada até ao fim. Acredita-se, até, que a morte de D. Pedro III (em 1786) e a do primogénito e herdeiro de ambos, D. José (aos 27 anos, no ano de 1788) contribuíram decisivamente para o agravamento da instabilidade mental que havia de a conduzir à loucura.
A morte do primogénito D. José e a demência de D. Maria I acabariam por atirar para a ribalta um outro filho da rainha e de D. Pedro III: D. João, que todos conhecemos, primeiro, como Príncipe Regente, e, depois, como o rei D. João VI de Portugal, Brasil e Algarves...
Moeda de ouro
com as efígies de D. Maria I e D. Pedro III
Oiça, seguidamente, uma peça musical de Carlos Seixas,
compositor português da primeira metade do século XVIII:
Ama-de-leite é uma mulher que amamenta crianças alheias, ou seja, filhos ou filhas de outras mulheres que, por qualquer razão, não queiram, ou não possam, amamentar a própria prole.
Trata-se de prática que remonta aos primórdios da Humanidade. Consta, por exemplo, de velhos textos da Babilónia com cerca de 4000 anos (Código de Hamurábi). Também na Grécia e na Roma antigas se acha documentado este tipo de procedimento, igualmente designado por amamentação cruzada.
A ama-de-leite foi figura e recurso frequente na Europa dos últimos séculos, sobretudo nas camadas sociais mais favorecidas, em que, por razões de saúde ou por mero comodismo, as mães recentes delegavam noutras mulheres, por regra mais pobres ou delas economicamente dependentes, a alimentação dos seus próprios filhos.
Como é natural, este costume acompanhou por toda a parte as nações europeias expansionistas, como Portugal e Espanha. Com a intensificação da escravatura transatlântica, de origem africana, a amamentação cruzada conheceu patamares antes insuspeitados.
A razão é evidente: passavam a estar disponíveis em abundância, nas parcelas coloniais das nações europeias, milhares de jovens negras sadias e produtoras de um leite que, segundo se pensava então, era mais rico e fortificante do que o das parturientes brancas.
Este hábito enraizou-se no Brasil e por toda a América escravocrata. Tornou-se comum, nas casas senhoriais, entregar a responsabilidade da aleitação dos bebés brancos às jovens escravas que tivessem sido mães recentemente.
Por vezes era permitido a estas amas-de-leite que alimentassem, simultaneamente, o seu filho. Noutras ocasiões, porventura maioritárias, as coisas não se passavam assim: o aleitamento da criança negra era confiado a outras escravas enquanto a sua mãe se mudava para a casa grande para alimentar o filho ou a filha dos senhores.
Às vezes a solução podia ser mais desumana, quando a criança negra era encaminhada para a Roda dos Expostos, perdendo todo o vínculo com a progenitora. Era este o lado mais triste e trágico desta prática.
A jovem mãe escrava, agora transformada em ama-de-leite da criança branca, recebia em regra melhor tratamento do que aquele que lhe fora dispensado até então. Integrada no círculo mais próximo dos senhores, alimentava-se melhor, vestia bem, acompanhava a família para toda a parte.
Mantinha sobretudo um contacto quase permanente com a criança branca, da qual cuidava muito para além do acto da amamentação. Juntas brincavam, juntas trocavam histórias e mimos, juntas riam e choravam, juntas partilhavam experiências e emoções - justamente o que se esperaria de uma relação mãe-filho.
Para crianças de tão tenra idade, a viverem os seus primeiros anos, não existiam, evidentemente, nem os preconceitos raciais nem as interdições de convívio que caracterizavam as sociedades escravocratas. Motivo pelo qual, em inúmeros casos, se desenvolviam e solidificavam entre a criança e a ama, com carácter de reciprocidade, fortíssimas ligações afectivas, que com frequência perdurariam pela vida fora.
O convívio quotidiano entre os dois ultrapassava amiúde o período da aleitação, o que fazia com que as amas-de-leite se tornassem amas-secas dos filhos e filhas dos senhores, acompanhando o seu crescimento e educação durante a primeira infância.
Deste modo, com a passagem do tempo, a escrava convertia-se numa segunda mãe da criança branca. Como escreveu Gilberto Freyre: Muito menino brasileiro do tempo da escravidão foi criado inteiramente pelas mucamas. Raro o que não foi amamentado por negra.
Os laços de afeição entre a ama negra e a sua cria de leite podiam tornar-se tão profundos que a separação de ambos, quando ocorria, era extremamente dolorosa.
Conta-se, como exemplo entre muitos, o caso da ama-de-leite Júlia Monjola, a escrava que amamentou, no Brasil, uma criança branca francesa - Marta Expilly.
O pai de Marta era Charles Expilly, que um dia teve de abandonar o país com toda a família, deixando Júlia para trás.
Mais tarde, numa carta comovida e comovedora para sua filha (escrita em 1863), Charles evocava o terrível instante em que as duas se separaram. E lembrava o pedido que a negra Júlia Monjola fizera ao ouvido da menina branca que fora sua cria de leite:
Ela pediu-te, entre lágrimas, que nunca te esquecesses daquela que todos os dias te embalava nos braços e te fazia adormecer no seu seio. E, se algum dia fosses rica, que a comprasses para ser só tua.
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"Mãe Negra" Voz: Paulo de Carvalho (Portugal) Poema: Alda Lara (Angola)
"Mãe Preta" (Amamenta o bebé branco, enquanto seu filho observa) (Quadro de Lucílio de Albuquerque)
Neste inspirado e feliz casamento de instrumentos musicais, Luísa Amaro toca guitarra portuguesa e Gonçalo Lopes acompanha-a no clarinete-baixo:
Viagens marítimas dos portugueses
(séculos XV e XVI):
Nota: Fernão de Magalhães era português. Achava-se ao serviço dos reis de Espanha quando efectuou a sua viagem de circum-navegação do Mundo, durante a qual morreu (Filipinas, 1521).
O comando passou então para Sebastião Elcano, que finalizou a viagem.
Como testemunhámos aqui, é uma guitarra fresca e universal, de espantosa versatilidade - ao mesmo tempo alegre, chorosa, trocista, sentimental e, por vezes, enigmaticamente fugidia. Nas mãos de um grande mestre, como António Chainho, é até muito capaz de variadíssimas "travessuras"... (as quais começam, no vídeo abaixo, por volta de 4'-22"). Excelente!
Um dos melhores grupos musicais portugueses, com enorme projecção mundial. Composições inspiradíssimas, opções instrumentais cheias de originalidade, executantes virtuosos, sonoridades inconfundíveis ...e uma voz de outras galáxias - a de Teresa Salgueiro.
Poeta, professor e historiador da ciência portuguesa.
António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho) concluiu, no Porto, o curso de Ciências Físico-Químicas, exercendo depois a actividade de docente.
Teve um papel importante na divulgação de temas científicos, colaborando em revistas da especialidade e organizando obras no campo da história das ciências e das instituições, como A Actividade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX.
Publicou ainda outros estudos, como História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1959), O Sentido Científico em Bocage (1965) e Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII (1979).
Revelou-se como poeta apenas em 1956, com a obra Movimento Perpétuo.
A esta viriam juntar-se outras obras, como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e ainda Poemas Póstumos (1983) e Novos Poemas Póstumos (1990).
Na sua poesia, reunida também em Poesias Completas (1964), as fontes de inspiração são heterogéneas e equilibradas de modo original pelo homem que, com um rigor científico, nos comunica o sofrimento alheio, ou a constatação da solidão humana, muitas vezes com surpreendente ironia.
Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção política.
Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973).
Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago de Espada.