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sábado, 23 de agosto de 2025

Crimes no nevoeiro de Londres - Quem foi "Jack, o Estripador"?

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Há pouco mais de 130 anos, nos finais do Verão e durante o Outono de 1888, os habitantes da cidade de Londres viveram cerca de três meses de terror, quando uma figura sinistra, surgida das sombras da noite e do nevoeiro, deixou atrás de si um rasto de mulheres assassinadas, uma a uma, da forma mais cruel.
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Com espantoso sangue frio, o criminoso mutilou a maioria das vítimas e chegou ao ponto de enviar à polícia fragmentos de órgãos humanos acompanhados de mensagens sarcásticas.

Escrevendo com tinta vermelha, gabava-se dos seus feitos, garantia que nunca o apanhariam e, autodenominando-se Jack, o Estripador, inscrevia no remetente: Do Inferno.
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Os crimes ocorreram nas ruas, becos e vielas sujas do bairro de Whitechapel, habitado por uma população pobre e fartamente provido de tabernas, bordéis e antros de ópio.

Muitas jovens, condenadas à miséria, enveredavam por uma vida de prostituição, calcorreando o bairro, noite após noite, década após década, indefesas e precocemente envelhecidas, até que o misterioso "Jack" chegou para lhes trazer o seu inferno.

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A primeira vítima foi Mary Ann "Polly" Nichols, de 42 anos, esfaqueada por uma lâmina de 25 cm no dia 31 de Agosto.

A segunda foi "Dark Annie" Chapman, de 47 anos, minada pela tuberculose e assassinada de forma idêntica, com o mesmo tipo de arma.

Calhou depois a vez a Elizabeth "Long Liz" Stride, de 45 anos, encontrada no chão com um cacho de uvas numa das mãos e alguns doces na outra.

A seguir, na mesma noite de 30 de Setembro, Catherine Eddowes, de 43 anos...

O último dos ataques atribuído a Jack, o Estripador, aconteceu a 10 de Novembro e vitimou Jane "Black Mary" Kelly, a mais jovem das suas presas - 24 anos. 
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O assassino parecia protegido por artes diabólicas. Surgia e desaparecia repentinamente, sem deixar rasto, apesar dos fortes contingentes policiais empenhados no patrulhamento da área. Um dos crimes foi praticado a escassos metros de um agente da autoridade, que não deu por nada...

Comerciantes londrinos, preocupados com os efeitos dos acontecimentos nos seus negócios, instituíram a Comissão de Vigilância de Whitechapel, em que logo se alistaram detectives privados e inúmeros voluntários civis. "Jack" permaneceu, porém, a salvo de todas as diligências.

Não obstante, os peritos conseguiram determinar certos padrões dos crimes.

Concluíram, por exemplo, que o assassino era canhoto e que tinha bastantes conhecimentos de anatomia, pois sabia extrair com precisão órgãos humanos. 

E verificou-se que todos os crimes ocorreram entre as 11 horas da noite e as 4 da madrugada.
Isto não foi contudo suficiente para capturar "Jack".

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Desorientada, pressionada pela imprensa e pela opinião pública, a polícia começou a perseguir gente que, não obstante as suas características e antecedentes, se provaria nada ter a ver com as trágicas ocorrências - criminosos de delito comum, agressores sexuais conhecidos, cirurgiões e talhantes com doenças mentais.
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Espalhavam-se boatos incontroláveis.
Um deles atribuía as mortes a um neto da rainha Vitória, o duque de Clarence, filho mais velho do futuro rei Eduardo VII, que sofria de alguma instabilidade mental. Os defensores desta pista faziam notar que ele fora internado num hospital de doentes mentais depois do último crime de "Jack"  e que nunca mais de lá saiu.

No entanto, investigações recentes demonstraram que o duque se encontrava a caçar na Escócia na altura em que pelo menos dois dos crimes foram cometidos...



Montague John Druitt
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 Poucos dias depois do assassínio de Jane "Black Mary" Kelly (10 de Novembro), a polícia encerrou o caso e a Comissão de Vigilância de Whitechapel recebeu a informação de que o assassino confessara o crime antes de se suicidar, por afogamento, no rio Tamisa.
Contudo, a nota de suicídio, se existiu, nunca foi publicamente exibida. Muita gente suspeitou de que as autoridades tinham engendrado um embuste para proteger alguém - ou o duque de Clarence ou um agente da polícia.
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Quanto à história do homem afogado, fora na verdade retirado do Tamisa o corpo de um suicida depois do derradeiro assassínio de "Jack".

Tratava-se de um advogado, Montague John Druitt, homem de vida difícil, propenso a perturbações do foro psicológico e conhecido pelo seu  ódio às mulheres.
Para visitar a mãe, internada numa clínica de doenças mentais, tinha de atravessar o bairro de Whitechapel. Isso bastou para o transformar, até aos dias de hoje, no principal suspeito dos crimes de "Jack". Mas o mistério perdurará, provavelmente, para sempre...
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Quem terá sido, de facto, "Jack, o Estripador"?

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1 - Jack de Ripper
(Trailer - 1976)


2 - Jack, The Ripper
(Tema musical):
ema musical):.


sábado, 9 de agosto de 2025

FLORENCE PRICE (Sinfonia n.º 1 - 3.º movimento - "Juba Dance") [Estados Unidos da América]

 


Florence Price (nascida em Little Rock, Arkansas, em 9 de Abril de 1887, e falecida em Chicago, Illinois, a 3 de Junho de 1953) foi uma compositora de música clássica norte-americana.

Filha de um casal inter-racial, Florence foi a primeira mulher de ascendência africana a ser reconhecida como compositora sinfónica e também a primeira a ter a sua obra executada por uma orquestra sinfónica.

A peça abaixo (Juba Dance, pertencente à sua Sinfonia n.º 1) é superiormente tocada pela orquestra de Filadélfia, dirigida por Yannick Nézet-Séguin.

[A dança Juba teve origem nas danças trazidas de África pelos escravos destinados às plantações do sul dos Estados Unidos].

(I)


(II) - Juba Dance é também maravilhosamente interpretada pelo Cleo Parker Robinson Dance (num vídeo da Colorado Symphony):


(III) - A Vida e a Música de Florence Price:


Saiba mais sobre Florence Price - aqui


domingo, 29 de junho de 2025

O Grande e Inesquecível Ray Charles (Estados Unidos)

 


Albany (Georgia) - 1930
Beverly Hills (California) - 2004


(1) - Night & Day (The Right Time)



(2) What'd I Say



(3) In the Heat of the Night

Saiba mais sobre Ray Charles - aqui


domingo, 15 de junho de 2025

Amelia Earhart - Destemida e desditosa pioneira da aviação americana

Amelia Earhart (1897-1937)

Amelia Mary Earhart nasceu em Atchison (Kansas, Estados Unidos da América) no dia 24 de Julho de 1897 e foi dada como desaparecida no oceano Pacífico a poucos dias de completar 40 anos de idade (2 de Julho de 1937).

Foi uma notável pioneira da aviação norte-americana, tendo sido a primeira mulher-piloto a atravessar os Estados Unidos num voo sem escalas, a primeira a voar do Havai à Califórnia e - seu feito mais memorável - a primeira a atravessar o Atlântico num voo solitário (1932).

Amelia já tinha efectuado a viagem transatlântica em 1928, mas fizera-o na companhia de dois outros pilotos. Quando a viagem terminou, ela exprimiu toda a sua insatisfação, dizendo que os companheiros haviam feito todo o trabalho de pilotagem. Eu fui só bagagem, como um saco de batatas, resumiu. Mas logo acrescentou, com o seu espírito de lutadora: Talvez um dia eu tente fazê-lo sozinha.

E foi o que fez, aos 34 anos. Partiu de Harbour Grace (Terra Nova) na manhã de 20 de Maio de 1932. Após um voo muito difícil de 14 horas e 56 minutos, em que enfrentou ventos fortíssimos, gelo e problemas mecânicos, aterrou numa pastagem em Culmore (norte de Derry, Irlanda do Norte). Um fazendeiro, espantado, perguntou-lhe: Você veio de longe? Amelia respondeu-lhe, com toda a simplicidade: Vim da América.
No local existe hoje o museu Amelia Earhart.




Amelia Earhart foi, desde muito jovem, convicta defensora dos direitos das mulheres e da sua capacidade para levarem a cabo qualquer das tarefas usualmente atribuídas aos homens. Numa carta que deixou ao marido, George Putnam, antes de partir para aquela que seria a sua derradeira viagem, escreveu: Fica sabendo que estou consciente dos riscos que vou enfrentar. Mas as mulheres devem tentar as mesmas coisas que os homens já tentaram. Se eles fracassaram, isso deve constituir um desafio para nós.

O seu feminismo manifestava-se de diversas formas - por exemplo, na sua recusa de usar o apelido do marido. Quando alguma imprensa insistiu em tratá-la como Sra. Putnam, ela troçou e fez logo saber que o marido devia passar a ser referido como Sr. Earhart.

No dia do seu casamento (1931), fez chegar às mãos do noivo uma carta em que estabelecia minuciosamente a perfeita equivalência de direitos e de responsabilidades do casal que estavam prestes a formar...




Durante a primeira parte do ano de 1937, Amelia preparou-se para aquilo que esperava viesse a ser a grande façanha da sua vida: voar 46 000 quilómetros à volta do mundo.

No dia 1 de Junho, acompanhada pelo navegador Fred Noonan, ela descolou no seu avião Lockheed Electra para cumprir a primeira etapa da viagem: seguiram de Miami até Porto Rico. Depois, em sucessivas etapas, desceram pela costa nordeste da América do Sul e, inflectindo para leste, voaram para atravessar a África pelo ponto de maior largura.

Contornando o Golfo Pérsico, Amelia e Noonan tomaram o rumo de Carachi e de Calcutá, passando depois por Rangun, Banguecoque, Singapura, Java, Port Darwin (norte da Austrália) e, finalmente, Papuásia-Nova Guiné. 

Nessa altura tinham já percorrido mais de 35 000 quilómetros, ou seja, cerca de 80% do total previsto. Amelia Earhart sabia que a próxima etapa, voando para leste da Nova Guiné, seria a de maior dificuldade.

Mesmo desfazendo-se de tudo o que não era essencial a bordo - a fim de libertar espaço para mais combustível -, a margem de segurança era mínima. Mas ela resolveu prosseguir, escolhendo como próximo local de reabastecimento um minúsculo atol coralífero, com cerca de 2 quilómetros quadrados, perdido na imensidão do Pacífico central: Howland Island (Ilha Howland), mais ou menos a meio caminho entre o Havai e a Austrália.

Tomada a decisão, o Lockheed Electra levantou voo para percorrer os cerca de 4 000 quilómetros da etapa. Como pontos de referência ao longo desta parte da sua rota, Amelia Earhart contava naquelas águas com a presença do Itasca, navio da Marinha norte-americana, que navegava na companhia de mais três embarcações.




Às 7h42m da manhã de 2 de Julho, o Itasca recebeu uma curta e inquietante mensagem proveniente do Lockheed Electra de Amelia Earhart:

KHAQQ chama Itasca. Devemos estar perto de vocês mas não conseguimos ver-vos, o nível de combustível está a ficar muito baixo. Temos para meia hora e não se avista terra.

Cerca de um quarto de hora após esta comunicação, Amelia transmitiu que não conseguia captar as mensagens do Itasca. Às 8h43m emitiu outra mensagem, fornecendo apenas a posição do avião. Depois disso, não voltou a comunicar.

Consciente da gravidade da situação, o comandante do Itasca ordenou que fosse alterada a mistura de combustível do navio, por forma a que as chaminés expelissem uma fumaça escura que talvez pudesse guiar o Lockheed Electra. Mas os céus continuaram vazios, sem qualquer sinal do avião, e, à medida que as horas se foram escoando sem novidade, todos se convenceram de que os aviadores se tinham perdido.

O presidente norte-americano, Franklin Roosevelt, mandou que fossem imediatamente despachados para a zona nove navios de guerra e 66 aviões. A sua missão consistia em procurar a aeronave perdida numa superfície de 250 000 milhas quadradas de oceano. Mas todas as buscas foram baldadas: nem sinais do avião nem dos seus tripulantes.

Apesar das teorias que foram surgindo ao longo dos anos sobre o desaparecimento do Lockheed Electra (algumas delirantemente fantasiosas), é hoje incontestável que  Amelia Earhart simplesmente se perdeu durante o voo e que, sem pontos de referência à vista e com o combustível esgotado, se despenhou no mar.

Foi ali, nas águas alterosas do imenso Pacífico, que ela ficou sepultada com o seu último e grande sonho - o sonho que por muito pouco não chegou a concretizar.


Amelia Earhart aos 35 anos

Com o tempo, Amelia acabou por transformar-se num ícone, presente em livros, filmes, bandas desenhadas e documentários especulativos sobre o seu trágico fim. Inúmeras canções foram compostas em sua homenagem. Algumas delas abordam precisamente aquele dia fatídico de Julho, como a que se apresenta a seguir (O Último Voo de Amelia Earhart): 




Na entrevista abaixo,
Amelia explica o seu voo transatlântico:


O filme seguinte mostra as derradeiras imagens captadas com Amelia Earhart e o navegador Fred Noonan (embarque no Lockheed Electra e descolagem para o voo fatal):



Se quiser saber mais pormenores sobre a vida fascinante de Amelia Earhart, clique aqui.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Lay Down Sally (Eric Clapton)



Eric Clapton nasceu na Inglaterra em 30 de Março de 1945.
Veja mais sobre ele - aqui.


quarta-feira, 14 de agosto de 2024

MARTA PEREIRA DA COSTA (Guitarra Portuguesa) - "Fado Lopes"






Guitarra Portuguesa - Marta Pereira da Costa

Violino - Ricardo Mendes

Viola de Fado - Pedro Pinhal

Contrabaixo - Jorge Carreiro

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

O RISO DE MÁRIO SOARES (1924-2017

 



 
"Uma vez, era ele Presidente e eu jornalista, encontrámo-nos entre cabinas de um avião, num voo presidencial sobrevoando a Ásia. Como sabia que ele gostava de anedotas, perguntei-lhe se sabia a anedota sobre a sua própria morte.
Respondeu-me que não e eu contei-lha:
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Mário Soares morre e vai ter com São Pedro para pedir para entrar no Paraíso. Depois de consultar o seu computador, São Pedro responde-lhe que nem pensar: "Tu foste um pecador horrível, vais é para o Inferno!"

Mas Soares insiste, justifica os seus pecados, pede clemência. E São Pedro reconsidera: "OK, vou pôr-te à prova: durante dez anos, dia por dia, do acordar ao adormecer, tu vais estar sempre ligado à madre Teresa de Calcutá e sem nenhuma relação com mais quem quer que seja. E, daqui a dez anos, se te portares bem, logo se vê."

Sem nenhuma escapatória, Soares aceita. Mas, assim que arranca, de mão dada com a madre Teresa, vê Cavaco Silva de mão dada com Madonna. E, aí, Soares passa-se, volta atrás e diz a São Pedro: "Está bem que eu fui um grande pecador. Mas o Cavaco foi algum santinho para ter como penitência a Madonna?"
Ao que São Pedro lhe responde: "Calma, Mário, essa é a penitência da Madonna!"
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Nessa noite, nesse avião, algures no céu da Ásia, Mário Soares ia-se engasgando a rir com a anedota que eu lhe contei sobre a sua morte. 
Estávamos os dois vivos, a Ásia estava lá em baixo e a morte era apenas uma anedota.
Mas não tenho a certeza se agora, voando lá em cima sobre o mundo, ele não estará a desafiar as regras estabelecidas da eternidade."
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Narrado por Miguel Sousa Tavares na "E", Revista do jornal Expresso - Edição 2307, de 14 de Janeiro de 2017, pág. 16 - Número Especial inteiramente dedicado à figura de Mário Soares.
Título do artigo: "O Seu Nome, Liberdade".

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

MADY MESPLÉ - "Eu Quero Viver" (Da ópera "Romeu e Julieta", de Charles Gounod)

 

Mady Mesplé (1931-2020)
Saiba mais sobre ela - 
aqui ...


... e maravilhe-se com a sua voz extraordinária no vídeo abaixo:


MADY MESPLÉ
"Eu quero viver"
(De: Romeu e Julieta)
Compositor: Gounod


quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

"Green Book" - O excelente e muito recomendável filme que é uma lição de vida...



Green Book, filme norte-americano realizado em 2018 por Peter Farrelly, baseia-se na história verídica de um improvável convívio - o de um famoso pianista clássico, o negro Donald Walbridge Shirley (interpretado por Mahershala Ali), com o seu motorista e segurança Frank Anthony Vallelonga, um branco de ascendência italiana (Viggo Mortensen).

Os dois actores alcançam desempenhos fabulosos nas quase duas horas de película, conferindo credibilidade absoluta às suas personagens. Sem surpresa, saíram ambos premiadíssimos, tal como o filme, desta aventura cinematográfica. Mortensen, em particular, terá atingido aqui o pico da sua já longa carreira: não obstante a aparência vagamente "nórdica" que herdou do pai, um dinamarquês, ele é irrepreensivelmente convincente no papel do italo-americano a que lhe coube dar vida.

Quanto a Mahershala, sóbrio, seguro e competente, consegue uma incrível "ressurreição" do célebre Don Shirley, num trabalho de excelência que lhe valeu o Óscar de Melhor Actor (Green Book foi contemplado com o de Melhor Filme).

  


O título do filme inspira-se num livrinho à época indispensável a qualquer negro que se deslocasse pelo Sul dos Estados Unidos - aquele Sul profundo da intolerância e da segregação racial onde o poder federal tinha por vezes que intervir, com tropas e de armas na mão, para que alunos de pele mais escura pudessem frequentar certos estabelecimentos de ensino.

O livro (The Negro Motorist Green-Book, de que se vê acima a capa da edição de 1940) foi lançado em 1936 por Victor Hugo Green, um funcionário público. Continha a lista de lugares e serviços a que um afro-americano poderia ter acesso sem receio de ser discriminado ou hostilizado (hotéis, restaurantes, lojas, oficinas mecânicas, garagens, postos de abastecimento de combustível, barbeiros, etc.).

Foi amplamente distribuído e utilizado, pela população a que se destinava, no período compreendido entre 1936 e 1966.




A acção de Green Book decorre em 1962, nos Estados Unidos (estava John Kennedy na Casa Branca). Tudo começa quando Don Shirley se prepara para uma digressão artística que o levará, exactamente, àquele Sul de que falámos. Contrata, então, Frank Vallelonga - momentaneamente desempregado - como seu motorista e, atendendo aos riscos de uma viagem como aquela, também como seu segurança. É claro que Frank Vallelonga recebe, logo à saída de New York, o guia Green Book, que o orientará acerca dos lugares em que poderá entrar com o seu novo patrão.

O filme desdobra-se em vários planos narrativos que se vão sobrepondo e interligando de forma coerente e apelativa. Torna-se desde o início patente a enorme distância que separa Shirley de Vallelonga quanto a estilo e cultura.

O músico, homem de educação refinada e intelectualmente sofisticado, usa linguagem polida e tem modos distintos. Pinta, fala oito idiomas e, para além dos estudos musicais, possui um doutoramento em Psicologia (frequentou a Universidade Católica da América, em Washington, e a Universidade de Chicago).

Por isso, todos o tratam por Dr. Shirley. Quanto à sua valia artística, a crítica é unânime. O compositor russo Igor Stravinsky, rendido ao seu talento, comentou: o seu virtuosismo é digno dos deuses. 

Frank Vallelonga é o típico fura-vidas do Bronx, palavroso (chamam-lhe "Tony Lip"), descuidado nas conversas, praticante de calão e mestre em persuadir interlocutores renitentes, para o que recorre com frequência a expedientes nem sempre recomendáveis. Culturalmente, a diferença é abissal, o que conduz por vezes a situações hilariantes (um dia põe-se a discorrer sobre um tal Joe Pan, depois de ter ouvido ao patrão uma referência a Chopin)...




Uma das linhas mestras do filme é a subtil captação da mudança no relacionamento entre as duas personagens. Ao princípio não passa de uma ligação distanciada, algo tensa e nem sempre muito confiante, de patrão-empregado. Mas vai evoluindo gradualmente até um patamar de mútua e progressiva compreensão, que o tempo se encarregará de transformar em genuína amizade.

Frank Vallelonga oferece a Don Shirley a protecção física de que este precisa (como no dia em que o músico entra inadvertidamente num bar para brancos e é hostilizado; ou noutra ocasião, quando saem de um bar para negros e são alvo de uma tentativa de assalto por parte de dois frequentadores do mesmo).

Mas Frank não se fica pelo papel de guarda-costas. Em momentos de fugaz distensão, ele ensina o patrão a desfrutar dos pequenos e descomprometidos prazeres da vida, como na altura em que, em plena viagem, o convence a comer frango frito (que ele julgava detestar), com as mãos (hábito até então tido por Don como impróprio de gente civilizada).

Em contrapartida, Shirley dá a Frank lições de dicção e de bons modos e culmina auxiliando-o a escrever as cartas que ele vai enviando à esposa, Dolores. Esta passa a receber, para seu enlevo - e efusivo entusiasmo das amigas a quem as dá a conhecer -, missivas elaboradas e ternamente românticas, sem erros de ortografia e com incursões afectivas até então desconhecidas (a correspondência anterior quase se reduzia a uma espécie de relatórios sobre as refeições - pantagruélicas - de Frank, as suas lavagens de roupa nos albergues e a sucinta manifestação das saudades que ele ia tendo dela e das crianças).

É no fecho de uma dessas cartas ditadas por Shirley que ocorre outro momento divertido. Frank pergunta ao músico se pode acrescentar um pós-escrito. Shirley, que se esmerou na feitura daquela epístola amorosa, responde, de cara fechada: Um pós-escrito? Seria como tocar um badalo no fim da 7.ª Sinfonia de Shostakovich… Frank, que não apreendeu a ironia do comentário, conclui: Ah, então quer dizer que fica bem! E adiciona laboriosamente o seu pós-escrito para Dolores...





O pano de fundo da história é o Sul - o Sul profundo -, onde Don Shirley é recebido, em casas senhoriais ou nas salas de espectáculos, por plateias exclusivamente brancas que não lhe regateiam aplausos nem palavras de admiração. É uma das faces do Sul, amena e estimável.

A outra face revela, nos mesmos locais e com as mesmas pessoas, o esgar hediondo de um racismo antiquíssimo, doentiamente entranhado, cheio de contradições na sua visceral e absurda desumanidade. Como naquela mansão magnífica de um homem abastado do Mississippi, em que Shirley é festivamente acolhido como o génio que, de facto, é, mas onde lhe negam o acesso à casa de banho dos anfitriões.

Ou, ainda, no Concerto de Natal do hotel de uma cidadezinha do Alabama, em que centenas de pessoas pagaram para o ver e ouvir e o receberam como a grande "estrela" da noite, mas onde se vê impedido de jantar com os seus admiradores porque a sala do restaurante era reservada a brancos...


Frank Vallelonga testemunha estes incidentes e indigna-se com eles, reagindo-lhes com a violência e a linguagem castiça que lhe é peculiar. Começa a entender o drama do seu patrão - que, em diversas escalas, se reproduz em milhões de seres humanos. Envergonha-se com o procedimento da gente da sua cor, e a sua solidariedade para com Don evolui para um sólido princípio de amizade. Sobretudo quando lhe é dado saber, por experiência própria, que as fronteiras do preconceito possuem linhas muito ténues e que o mesmo pode estender-se a alvos inesperados...



Ainda no Mississippi, a horas tardias de uma noite chuvosa, são parados na estrada por dois agentes da polícia, que não compreendem como pode um branco servir de motorista a um negro. Frank explica, com lógica e simplicidade: Ele é o meu boss, ou seja, é o homem que lhe paga para que ele possa pôr pão na mesa da família.

Intrigado com o seu apelido - Vallelonga -, o guarda pergunta-lhe que nome é aquele. Frank responde que é de ascendência italiana. O semblante do guarda ilumina-se, porque, finalmente, julga ter compreendido: Ah, pois, você também é meio-negro.


Provavelmente, o polícia teria dito o mesmo a um grego, a um português ou a um espanhol. Ali, não pôde dizer mais nada, porque Frank o derrubou impulsivamente com um murro. A cena terminou com os dois, patrão e empregado, presos na esquadra da cidade - Frank pela agressão ao polícia, Shirley por ter violado a lei do recolher obrigatório: naquelas paragens, era proibido aos negros andarem na via pública depois do pôr-do-sol.

Só a intervenção de Robert Kennedy, Procurador-Geral dos Estados Unidos e irmão do Presidente (conhecido de Don Shirley), conseguiu que eles fossem libertados nessa mesma noite.

Quando retornaram a New York, na noite de Natal, Frank Vallelonga era um homem diferente - e, provavelmente, Don Shirley também o era, envolvendo-se na luta pelos direitos civis dos negros e aproximando-se de Martin Luther King.

Apesar de já não serem patrão e empregado, os dois mantiveram a ligação e ficaram amigos para o resto das suas vidas. Morreram, em datas próximas, no ano de 2013: Frank em 4 de Janeiro, com 82 anos; e Shirley em 6 de Abril, com 86.





Oiça 3 peças da banda sonora de Green Book:


1 - Go to the Mardi Gras
(Execução: Professor Longhair)





2 - The Lonesome Road
(Execução: Don Shirley)





3 - Rich Woman
(Execução: Li'l Millet and His Creoles)