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domingo, 6 de abril de 2025

"Lágrima de Preta" (António Gedeão - Portugal)

 



Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
 
 
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio
 

……………..

Oiça este poema de António Gedeão, cantado

… pelo Adriano Correia de Oliveira, de Portugal...



 e pelo Bonga, de Angola:


sábado, 1 de outubro de 2022

A uma fábrica fechada (Domingos Carvalho da Silva)



 .
Atrás da pele de tuas paredes
os êmbolos dormem
e há nas sirenes um silêncio
de horizonte.

Os dínamos guardam o repouso
dos minerais ocultos,
as alavancas dobram os joelhos na laje.

Nas veias de cobre
o sangue é
apenas
um caminho de luz

Quieta,
és como um esqueleto montado,
vazio de vozes humanas,
planeta morto.

Quieta,
és uma pedra apenas,
e em tua superfície
morre de inanição
a última raiz do musgo.

.
Domingos Carvalho da Silva (1915-2004)
.
.
Domingos Carvalho da Silva nasceu em Portugal (Pedroso, Vila Nova de Gaia), mas, chegando criança ao Brasil, com seus pais, adquiriria em 1937 a cidadania brasileira por naturalização.

Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Paulo.

Foi advogado, funcionário federal e jornalista.
E também poeta, contista e ensaísta.

Leccionou Teoria da Literatura na Universidade de Brasília.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

"Poema do Fecho Éclair" (António Gedeão - Portugal)

 

Rei Filipe II de Espanha (1527-1598)


Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.

Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.

Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.

O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.

Andava nas salas
forradas de Arrás,
com panos por cima,
pela frente e por trás.

Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos.

Dormia na cama
de prata maciça
com dossel de lhama
de franja roliça.

Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.

Foi dono da Terra
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava
Filipe Segundo.

Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.

Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.

Um homem tão grande
tem tudo o que quer.

O que ele não tinha
era um fecho éclair.


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"Poema do Fecho Éclair"
(cantado por Carlos Mendes):




(António Gedeão - Poeta português)
(1906-1997)


Poeta, professor e historiador da ciência portuguesa.

António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho) concluiu, no Porto, o curso de Ciências Físico-Químicas, exercendo depois a actividade de docente.

Teve um papel importante na divulgação de temas científicos, colaborando em revistas da especialidade e organizando obras no campo da história das ciências e das instituições, como A Actividade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX.

Publicou ainda outros estudos, como História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1959), O Sentido Científico em Bocage (1965) e Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII (1979).

Revelou-se como poeta apenas em 1956, com a obra Movimento Perpétuo.

A esta viriam juntar-se outras obras, como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e ainda Poemas Póstumos (1983) e Novos Poemas Póstumos (1990).

Na sua poesia, reunida também em Poesias Completas (1964), as fontes de inspiração são heterogéneas e equilibradas de modo original pelo homem que, com um rigor científico, nos comunica o sofrimento alheio, ou a constatação da solidão humana, muitas vezes com surpreendente ironia.

Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção política.

Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973).

Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago de Espada.


sexta-feira, 22 de julho de 2022

"Poema de Helena Lanari" (Uma bela homenagem de Sophia de Mello Breyner ao idioma português falado por brasileiros...)





Gosto de ouvir
o português do Brasil

Onde as palavras recuperam
sua substância total

Concretas como frutas
nítidas como pássaros

Gosto de ouvir a palavra
com suas sílabas todas

Sem perder sequer
um quinto de vogal.

Quando Helena Lanari dizia
o "coqueiro"

O coqueiro ficava
muito mais vegetal.


Sophia de Mello Breyner Andresen (Portugal)
(1919-2004)
Veja mais sobre ela - aqui


Jacob do Bandolim ("Assanhado" - Chorinho)




sexta-feira, 22 de abril de 2022

Mãe-Negra [черная мать]


Belos versos de Alda Lara, uma das maiores poetisas de Angola,

cantados por Paulo de Carvalho, uma das melhores vozes de Portugal.


Прекрасные стихи Алда Лара,
одного из величайших поэтов Анголы,
в исполнении Паулу де Карвалью,
одного из лучших голосов Португалии.


(Vídeo de Clara Moura)


Pela estrada desce a noite

Mãe-Negra desce com ela...

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.

 

Só duas lágrimas grossas,

em duas faces cansadas.

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
ai, nas folhas do cajueiro…


Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...

Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...


Mãe-Negra!

Não sabe nada...



Alda Lara (Angola)
1930-1962

Алда Лара (Ангола)
1930-1962 гг.

Saiba mais sobre ela:

узнать о ней больше aqui


A Rússia está a cometer crimes de guerra na Ucrânia.

Россия совершает военные преступления в Украине.

Russos: lutem pela democracia no vosso país!

Русские: боритесь за демократию в своей стране!


Russos: derrubem, prendam e julguem Putin!

Русские: свергнуть, арестовать и судить Путина!


Viva a Ucrânia Livre e Independente!

да здравствует украина Свободный и независимый!


terça-feira, 14 de dezembro de 2021

"Poema da Malta das Naus" (António Gedeão)






Lancei ao mar um madeiro
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

 

Dormi  no dorso das vagas
pasmei na orla das praias
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pelo hirsuto
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.


 

Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vilas,
rompi as arcas e os odres.



Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

António Gedeão - Portugal (Lisboa, 1906-1997)

Poema cantado por
Manuel Freire: