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sexta-feira, 22 de abril de 2022

Mãe-Negra [черная мать]


Belos versos de Alda Lara, uma das maiores poetisas de Angola,

cantados por Paulo de Carvalho, uma das melhores vozes de Portugal.


Прекрасные стихи Алда Лара,
одного из величайших поэтов Анголы,
в исполнении Паулу де Карвалью,
одного из лучших голосов Португалии.


(Vídeo de Clara Moura)


Pela estrada desce a noite

Mãe-Negra desce com ela...

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.

 

Só duas lágrimas grossas,

em duas faces cansadas.

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
ai, nas folhas do cajueiro…


Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...

Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...


Mãe-Negra!

Não sabe nada...



Alda Lara (Angola)
1930-1962

Алда Лара (Ангола)
1930-1962 гг.

Saiba mais sobre ela:

узнать о ней больше aqui


A Rússia está a cometer crimes de guerra na Ucrânia.

Россия совершает военные преступления в Украине.

Russos: lutem pela democracia no vosso país!

Русские: боритесь за демократию в своей стране!


Russos: derrubem, prendam e julguem Putin!

Русские: свергнуть, арестовать и судить Путина!


Viva a Ucrânia Livre e Independente!

да здравствует украина Свободный и независимый!


quarta-feira, 9 de junho de 2021

Quando eu morrer (Ernesto Lara Filho - Angola) - (Reposição)

 
..
Quando eu morrer
eu quero que o N'Gola Ritmos
vá tocar no meu enterro.
Como Sidney Bechet
como Armstrong
eu gostarei de saber
que vocês tocaram no meu enterro.

Lá no céu
também há angelitos negros
e eu gostarei de saber
que vocês
me tocaram no enterro.

Se não puder ser
deixem lá
tocarão noutro lado qualquer
com lágrimas nos olhos,
como naquela noite
em casa do Araújo,
lembrarão o companheiro
das noites de Luanda,
das noites de boémia,
das tardes de moamba.

Ah! Quando eu morrer
já sabem
quero que o meu caixão
vá no maxibombo da linha do Cemitério
quero que toquem
a Cidralha
ou convidem a marcha dos Invejados.

É assim que eu quero ir
acompanhado da vossa alegria
bebedeiras seguindo o enterro
as velhas carpideiras de panos escuros
quero um kombaritókué dos antigos
que vai ser muito falado.

Não convidem mulatas
que sempre estragam tudo.
Se vierem
não lhes vou rejeitar.
Cantem apenas
alguns dos meus poemas
até enrouquecer.

Ah! quando eu morrer
eu quero o N´Gola Ritmos
tocando no meu enterro.

.
Ernesto Lara Filho (1932 -1977) (aqui)

(para o Aniceto Vieira Dias e o "Liceu" do "N'Gola Ritmos")



sexta-feira, 5 de março de 2021

Monangambé (O Contratado) - (Ruy Mingas - Angola)

.

O poema é de António Jacinto.
Quem o canta é Ruy Mingas - a melhor voz de Angola.


Monangambé (O Contratado)

Naquela roça grande
não tem chuva
é o suor do meu rosto
que rega as plantações;

Naquela roça grande
tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado,
torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina
e em paga recebe desdém
fuba podre,
peixe podre,
panos ruins,
cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas,
carros,
senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande
- ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos
subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer
diluído nas minhas bebedeiras

- "Monangambéé...'"



terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Namoro Angolano



A história de um amor difícil e sofrido,
criada pelo poeta angolano Viriato da Cruz
e abaixo contada pelo magnífico Fausto
(que também se alimentou dos encantamentos de Angola):


"Mandei-lhe uma carta
em papel perfumado
e com letra bonita
eu disse que ela tinha
um sorrir luminoso
tão quente e gaiato
como o sol de Novembro

brincando de artista
nas acácias floridas
espalhando diamantes
na fímbria do mar
e dando calor
ao sumo das mangas.


Sua pele macia - era sumaúma…
Sua pele macia, da cor do jambo,
cheirando a rosas,
sua pele macia
guardava as doçuras
do corpo rijo
tão rijo e tão doce -
como o maboque…

Seus seios, laranjas -
laranjas do Loje,
seus dentes… -
marfim…


Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
Por ti sofre o meu coração
Num canto - SIM,
noutro canto - NÃO

E ela o canto do NÃO dobrou.


Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo,
pela Santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro…

E ela disse que não.


Levei à Avó Chica,
quimbanda de fama,
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço
forte e seguro
que nela nascesse
um amor como o meu…

E o feitiço falhou.


Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar
e um anel
e um broche,
paguei-lhe doces
na calçada da Missão,
ficámos num banco
do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos…
falei-lhe de amor…

e ela disse que não.


Andei barbudo,
sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim

“-Não viu… (ai, não viu…?)
não viu Benjamim?”
E perdido me deram
no morro da Samba.


Para me distrair
levaram-me ao baile
do Sô Januário
mas ela lá estava
num canto
a rir
contando o meu caso
às moças mais lindas
do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba -
dancei com ela
e num passo maluco
voámos na sala
qual uma estrela
riscando o céu!
E a malta gritou: “Aí Benjamim!

Olhei-a nos olhos -
sorriu para mim
pedi-lhe um beijo -
e ela disse que sim."

"Namoro" - de Viriato da Cruz. Nasceu no ano de 1928 em Kikuvo (Porto Amboim - Angola).
Faleceu na China (Pequim) em 1973.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Testamento (Alda Lara - Angola)


À prostituta mais nova
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos,
lavrados em cristal,
límpido e puro...

E àquela virgem esquecida,
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo,
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
das contas de outro sofrer,
são para os homens humildes
que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,
vás por essa noite fora,
com passos feitos de lua,

oferecê-los às crianças

que encontrares em cada rua…



Alda Lara

Nasceu em Benguela, Angola, no ano de 1930.
Faleceu em Cambambe, Angola, em 1962.
Saiba mais sobre ela - aqui.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Angola, Angola... ("Meus Olhos Ficaram Mar")

Raul (à esquerda) e Emílio (à direita).
Ao fundo, Luanda, capital de Angola.

Deixei a minha terra
Adeus mãe, adeus meu lar!
Deixei na Praia Morena
O meu amor a chorar...

Deixei a minha terra
Fui para o mundo cantar
No peito uma grande pena
Tinha os olhos a brilhar...

Ai, meus olhos ficaram mar,
meus olhos ficaram mar,
meus olhos ficaram mar...




Em 1959, os angolanos Raul Aires Peres Cruz (depois conhecido como Raul Indipwo) e Emílio MacMahon de Victoria Pereira formaram o Duo Ouro Negro, cujo reportório se centrava no folclore da sua terra natal.

O grupo fez enorme sucesso nas décadas de 1960 e 1970, quer em Angola quer em Portugal. Nas primeiras gravações contaram com a colaboração do brasileiro Sivuca.
Muxima, Kurikutela e Tala on n'Bundo foram os seus primeiros grandes êxitos.

Emílio, nascido em 1938, faleceu em 1985.
Raul mudou então o seu nome artístico para Raul Ouro Negro e prosseguiu uma carreira a solo. É dele a interpretação da canção acima (Meus Olhos Ficaram Mar).
Nascido em 1933, faleceu no ano de 2006.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Recordando Uma Velha Amizade...

.


.
Infância Perdida

Nesse tempo, Edelfride,
com quatro macutas
a gente comprava
dois pacotes de ginguba
na loja do Guimarães.


Nesse tempo, Edelfride,
com meio angolar
a gente comprava
cinco mangas madurinhas
no Mercado de Benguela.


Nesse tempo, Edelfride,
montados em bicicletas
a gente fugia da cidade
e ia prás pescarias
ver as traineiras chegar
ou então
à horta do Lima Gordo
no Cavaco
comer amoras fresquinhas.


Nesse tempo, Miau,
(alcunha que mantiveste no futebol)
nós fazíamos gazeta
da escola coribeca
e íamos os quatro
jogar sueca
debaixo da mandioqueira.


Era no tempo
em que o Saraiva Cambuta
batia na mulher
e a gente gostava de ver a negra levar porrada.


Era no tempo
dos dongos da ponte
dos barcos de bimba
dos carrinhos de papelão.


Como tudo era bonito nesse tempo, Miau!


Era no tempo do visgo
que a gente punha na figueira brava
para apanhar bicos-de-lacre
e seripipis
os passarinhos que bicavam as papaias
do Ferreira Pires
que tinha aquele quintalão grande
e gostava dos meninos.


Era no tempo dos doces de ginguba com açúcar.
Mais tarde
vieram os passeios noturnos
à Massangarala
e ao Bairro Benfica.
E o Bairro Benfica ao luar
O poeta Aires a cantar
(meu amor da rua onze e seu colar de missangas...)


Tudo era bonito nesse tempo
até o Salão Azul dos Cubanos
e o Lanterna Vermelha - o dancing do Quioche.
.

.
Foi então que a vida me levou para longe de ti:
parti para estudar na Europa
mas nunca mais lhe esqueci, Edelfride,
meu companheiro dos bancos de escola
porque tu me ensinaste a fazer bola de meia
cheia de chipipa da mafumeira.


Tu me ensinaste a compreender e a amar
os negros velhos do bairro Benfica
e as negras prostitutas da Massangarala
(lembras-te da Esperança? Oh, como era bonita
essa mulata...)


Tu me ensinaste onde havia
a melhor quissângua de Benguela:
era no Bairro por detrás do Caminho de Ferro
quando a gente vai na Escola da Liga.


Tu me ensinaste tudo quanto relembro agora
infância perdida
sonhos dos tempos de menino.


Tudo isso te devo
companheiro dos bancos de escola
isso
e o aprender a subir
aos tamarineiros
a caçar bituítes com fisga
aprender a cantar num kombaritòkué
o varrer das cinzas
do velho Camalundo.
Tudo isso perpassa
me enche de sofrimento.

Diz a tua Mãe
que o menino branco
um dia há-de voltar
cheio de pobreza e de saudade
cheio de sofrimento
quase destruído pela Europa.


Ele há-de voltar
para se sentar à tua mesa
e voltar a comer contigo e com teus irmãos
e meus irmãos
aquela moambada de domingo
com quiabos e gengibre
aquela moambada que nunca mais esqueci
nos longos domingos tristes e invernais da Europa
ou então
aquele calulu
de dona Ema.
.
Diz a tua Mãe, Edelfride,
que ela ainda me há-de beijar como fazia
quando eu era menino
branco
bem tratado
quando fugia da casa de meus Pais
para ir repartir a minha riqueza
com a vossa pobreza.


Diz tudo isso a toda a gente
que ainda se lembra de mim.
Diz-lhes. Diz-lhes
grita-lhes aos ouvidos
ao vento que passa
e sopra nas casuarinas da Praia Morena.


Diz aos mulatos e brancos e negros
que foram nossos companheiros de escola
que te escrevo este poema
chorando de saudade
as veias latejando
o coração batendo
de Esperança, de Esperança
porque ela
a Esperança
(como dizia aquele nosso poeta
que anda perdido nos longes da Europa)
está na Esperança, Amigo.


Edelfride, você não chore
saudades do Castimbala
nem lhe escreva cartas como essa
que são de partir
meu pobre coração.


Nesse tempo, Edelfride,
infância perdida
era no tempo dos tamarineiros em flor...
.
.
Ernesto Lara Filho - Angola
(1922 - 1977)
.