quarta-feira, 9 de junho de 2021

Quando eu morrer (Ernesto Lara Filho - Angola) - (Reposição)

 
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Quando eu morrer
eu quero que o N'Gola Ritmos
vá tocar no meu enterro.
Como Sidney Bechet
como Armstrong
eu gostarei de saber
que vocês tocaram no meu enterro.

Lá no céu
também há angelitos negros
e eu gostarei de saber
que vocês
me tocaram no enterro.

Se não puder ser
deixem lá
tocarão noutro lado qualquer
com lágrimas nos olhos,
como naquela noite
em casa do Araújo,
lembrarão o companheiro
das noites de Luanda,
das noites de boémia,
das tardes de moamba.

Ah! Quando eu morrer
já sabem
quero que o meu caixão
vá no maxibombo da linha do Cemitério
quero que toquem
a Cidralha
ou convidem a marcha dos Invejados.

É assim que eu quero ir
acompanhado da vossa alegria
bebedeiras seguindo o enterro
as velhas carpideiras de panos escuros
quero um kombaritókué dos antigos
que vai ser muito falado.

Não convidem mulatas
que sempre estragam tudo.
Se vierem
não lhes vou rejeitar.
Cantem apenas
alguns dos meus poemas
até enrouquecer.

Ah! quando eu morrer
eu quero o N´Gola Ritmos
tocando no meu enterro.

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Ernesto Lara Filho (1932 -1977) (aqui)

(para o Aniceto Vieira Dias e o "Liceu" do "N'Gola Ritmos")



1 comentário:

Unknown disse...

É maravilhosa a forma como Ernesto Lara Filho usa de simbolismos para intrincheirar o que ele presava na mente de seu público, o amor à negritude, a sua terra livre de inxertações que de "nada valiam a pena"!