Mostrar mensagens com a etiqueta Povos de Angola. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Povos de Angola. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Angola, a UNITA e o MPLA nos "Jogos Africanos" de Jaime Nogueira Pinto (Um livro notável)

 



Embora aborde também a situação militar e política de Moçambique e da Guiné-Bissau nos derradeiros anos do domínio colonial português (que teve os dias contados após a revolução de 25 de Abril de 1974) e no período que imediatamente se lhe seguiu, Jogos Africanos, a excelente obra de Jaime Nogueira Pinto (JNP) publicada em 2008 por A Esfera dos Livros, assenta sobretudo em  dois robustos pilares narrativos:

- a forte ligação do autor a Angola, “jóia da Coroa” do império, que o levaria a participar, após a independência, como conselheiro político da UNITA (de Jonas Savimbi), na guerra civil que opôs este movimento ao MPLA (de Agostinho Neto e do sucessor deste, José Eduardo dos Santos);

- e, ponto de partida para tudo o mais, o seu fascínio por África e pela história colonial portuguesa.


Tropas portuguesas nas guerras de África.


A ligação a África de JNP começou na infância, como aconteceu a tantas crianças portuguesas da sua geração, e inaugurou-se com o acesso às histórias, reais ou imaginárias, de militares intrépidos e de heróicos exploradores dos sertões.

Num sótão convidativo da residência familiar, na cidade do Porto, descobriu o pequeno JNP um mundo até então ignorado mas de que nunca mais se conseguiria libertar. Nas suas próprias palavras:

Foi aí, entre uma série de itinerários africanos de viajantes portugueses do século XIX, que nos apareceram o Capelo e o Ivens sentados numa sanzala, de chapéu colonial, carabina, pistolão e bota alta. (…) Do mesmo armário saiu-nos o Serpa Pinto em forma de foto-desenho, de cabelo e barbas hirsutos, no seu “Como eu atravessei África” (…) E lá vinha outra vez o explorador, agora sob a legenda “Serpa Pinto e os seus moleques de confiança”, sentado, armado e ladeado por dois negros com bom aspecto, também de carabinas.


Líderes angolanos em 1975: Da esq. para a dir. - Holden Roberto (FNLA),
Jonas Savimbi (UNITA) e Agostinho Neto (MPLA)


Contributo poderoso para a construção mental e sentimental dessa África mitificada, em grande parte apenas imaginária ou já extinta, foi a posterior leitura de “As Minas de Salomão”, de Ridder Haggard, na versão de Eça de Queiroz.

Diz JNP:

Vivi a fundo, com o Eça, este mundo das raças negras guerreiras, dos regimentos zulus ou impis, das danças rituais, das batalhas da colina e de Lu, onde as armas de fogo dos europeus faziam a diferença. E vivi também a morte, sempre tão presente nesta e noutras narrativas de África. A morte à espreita no campo aberto da savana com o leão, nos rios, com o crocodilo, na selva, com as cobras. Ou a que vem dos homens, das setas envenenadas, das emboscadas, dos recontros.


Soldados da UNITA em marcha.

 

O início da guerra em Angola, no ano sangrento de 1961, trouxe a JNP uma outra África: a que, irresistivelmente impulsionada pelos “ventos da História”, caminhava em passos por vezes lentos, mas seguros e imparáveis, para a libertação dos jugos coloniais.

Daí até 1974/1975, os anos do fim colonial, foram 13 anos de guerra implacável em três frentes de combate – na Guiné-Bissau, em Moçambique e em Angola. Em nenhuma das três frentes os portugueses foram militarmente derrotados – a sua capitulação definitiva foi política, depois da revolução ocorrida em Portugal no ano de 1974.


Soldados cubanos em Angola. Ao fundo, o retrato de Agostinho Neto.

 

JNP era, e continua a ser, um homem politicamente situado à direita. Mas pertence a uma direita infelizmente hoje muito rara em Portugal: intelectualizada, reflexiva e moderada, com a qual os adversários conseguem dialogar e discutir sem se desembocar em vias de facto.

Em 1974, porém, o fascínio outrora nascido naquele sótão encantado estava longe da extinção em JNP:

Era a minha segunda África (…) Era um mito, um valor e, como todos os mitos e todos os valores, intocável e indiscutível (…) Defender o Império, o Portugal do Minho a Timor, era para nós, à direita, o mesmo, mas ao contrário, do que era o abandono incondicional do Ultramar para os anticolonialistas da esquerda.


Tropas sul-africanas em Angola.
 

Isto explica, em grande parte, o que foi a insólita e anacrónica "carreira" de JNP no Exército português. Tendo-se oferecido como voluntário para Angola, quando nada o obrigaria a isso, acabou embarcado para a colónia em Julho de 1974 - isto é, depois da revolução, quando o movimento das gentes lusas era já, pelo menos em potencial, de refluxo, de abandono, de liquidação definitiva do império.

A ideia de JNP, naquela altura como sempre, era a de defender o que fosse possível defender para que a ex-“jóia da Coroa” não acabasse em mãos erradas…

Daí as manobras conspiratórias, as alianças fugazes de última hora, os enganos e desenganos – até ao desenlace lógico, o único possível, daquela aventura: a fuga rocambolesca de Angola, pelo sul desértico, acompanhado pela sua esposa (Maria José Nogueira Pinto), acabando tudo em periclitantes refúgios nos territórios sob controlo dos sul-africanos.


Visita à cidade da Jamba. Da esquerda para a direita: Maria José Nogueira Pinto
(esposa do autor), sua irmã Maria João Avillez, Jonas Savimbi, Ana Isabel Savimbi
e Jaime Nogueira Pinto (foto incluída no livro).

 

O livro prossegue, ora em tom dramático, ora em pinceladas de irresistível humor, pelo exílio do autor e da sua família – ele, como tantos outros, já não era bem-vindo no Portugal democrático...

Depois foi a reaproximação a Angola através de uma longa ligação à UNITA, como conselheiro político, numa guerra civil que se estenderia por 26 anos (o dobro da duração da “guerra portuguesa” em África!) e que só findaria com a morte em combate de Jonas Savimbi (22 de Fevereiro de 2002).

Pelo meio fica o relato das andanças de JNP por vários países e da sua intervenção activa no processo político em curso, designadamente os seus contactos com alguns dos principais intervenientes no conflito, incluindo o próprio Savimbi, na mítica (ou mitificada) cidade da Jamba, capital da resistência da UNITA no sudeste angolano.


Tropas da UNITA na Jamba. Ao fundo, a imagem de Jonas Savimbi.

 

O livro de JNP é de muito proveitosa leitura e fornece um contributo indispensável para a compreensão da guerra civil em Angola e das intervenções armadas externas - e directas - no conflito: Cuba do lado do MPLA e África do Sul em apoio da UNITA. E explica de forma clara a evolução político-militar, a nível mundial e no contexto angolano, que levaria à saída dessas forças “exógenas” do campo de luta angolano.

Complementado, por exemplo, pela obra de Margaret Anstee, representante do Secretário-Geral da ONU em Angola (Órfão da Guerra Fria), Jogos Africanos possibilita uma visão tanto quanto possível equilibrada do que foram as eleições de 1992 (relativamente às quais Savimbi sustentou até ao fim ter existido fraude) e do quase imediato massacre em Luanda, pelas forças do MPLA, de importantes dirigentes e de milhares de simpatizantes da UNITA.


Um dos encontros entre José Eduardo dos Santos (MPLA) e Jonas Savimbi (UNITA). Apesar da aparente afabilidade e dos sucessivos "acordos", a paz tinha-se tornado impossível entre estas duas personagens.


Dessas ocorrências trágicas em Luanda resultaram mais dez anos de guerra civil. Ficou claro, depois delas - não obstante os esforços de vários homens e mulheres de boa vontade e da celebração de múltiplos “acordos” MPLA/UNITA –, que o problema de Angola só seria resolúvel por uma de duas formas: 

- ou através da secessão do território, com entrega de cada uma das parcelas divididas aos partidos em conflito;

- ou com o aniquilamento de uma das forças combatentes e a morte do seu chefe – como viria a suceder em 22 de Fevereiro de 2002.

Jogos Africanos, de Jaime Nogueira Pinto, torna isto tão cristalino como a água pura...

A ler e a reler.

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Quando eu morrer (Ernesto Lara Filho - Angola) - (Reposição)

 
..
Quando eu morrer
eu quero que o N'Gola Ritmos
vá tocar no meu enterro.
Como Sidney Bechet
como Armstrong
eu gostarei de saber
que vocês tocaram no meu enterro.

Lá no céu
também há angelitos negros
e eu gostarei de saber
que vocês
me tocaram no enterro.

Se não puder ser
deixem lá
tocarão noutro lado qualquer
com lágrimas nos olhos,
como naquela noite
em casa do Araújo,
lembrarão o companheiro
das noites de Luanda,
das noites de boémia,
das tardes de moamba.

Ah! Quando eu morrer
já sabem
quero que o meu caixão
vá no maxibombo da linha do Cemitério
quero que toquem
a Cidralha
ou convidem a marcha dos Invejados.

É assim que eu quero ir
acompanhado da vossa alegria
bebedeiras seguindo o enterro
as velhas carpideiras de panos escuros
quero um kombaritókué dos antigos
que vai ser muito falado.

Não convidem mulatas
que sempre estragam tudo.
Se vierem
não lhes vou rejeitar.
Cantem apenas
alguns dos meus poemas
até enrouquecer.

Ah! quando eu morrer
eu quero o N´Gola Ritmos
tocando no meu enterro.

.
Ernesto Lara Filho (1932 -1977) (aqui)

(para o Aniceto Vieira Dias e o "Liceu" do "N'Gola Ritmos")



terça-feira, 30 de março de 2021

Angola e suas Gentes (Na pintura de Neves e Sousa) - 1












































































































































































































































































...............



Neves e Sousa

Albano Silvino Gama de Carvalho das Neves e Sousa nasceu no ano de 1921, em Matosinhos, Portugal.

Fez o curso do liceu em Luanda, Angola.

Faleceu em Salvador, Brasil, em 11 de Maio de 1995.

Além de pintor, era também poeta. Soube retratar como ninguém as belezas do povo e da terra de Angola, a sua grande paixão.

O grande escritor brasileiro Jorge Amado, em texto destinado ao catálogo de uma das exposições do pintor, definiu-o como um artista completo, apaixonado e exigente.

Segundo Amado, Neves e Sousa, já no Brasil, incorporou-se na vida baiana de corpo e alma.

Era um homem solidário, um criador de arte nascida da sua intimidade com o povo de Angola.

sexta-feira, 5 de março de 2021

Monangambé (O Contratado) - (Ruy Mingas - Angola)

.

O poema é de António Jacinto.
Quem o canta é Ruy Mingas - a melhor voz de Angola.


Monangambé (O Contratado)

Naquela roça grande
não tem chuva
é o suor do meu rosto
que rega as plantações;

Naquela roça grande
tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado,
torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina
e em paga recebe desdém
fuba podre,
peixe podre,
panos ruins,
cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas,
carros,
senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande
- ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos
subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer
diluído nas minhas bebedeiras

- "Monangambéé...'"



quarta-feira, 3 de junho de 2020

Sul de Angola - Os povos Nhaneca-Humbe em meados do século XIX



No mapa abaixo apresentam-se as zonas de fixação dos principais grupos étnicos de Angola, que foi colónia de Portugal até ao ano de 1975.

A localização dos povos Nhaneca-Humbe (que já conhecemos daqui e daqui) acha-se representada em azul claro, a sul do país, figurando uma espécie de funil com o bico virado para baixo...



… ou seja, e como se pode confirmar no mapa seguinte, ocupam maioritariamente a actual província da Huíla, com uma estreita penetração na província do Cunene até à fronteira com a Namíbia:





A. F. Nogueira, velho sertanejo português que passou parte da existência, a meio do século XIX, entre os povos do Sul de Angola - que ele apreciava e que igualmente o apreciavam a ele -, viu-se confrontado, na Europa, com opiniões que frequentemente apoucavam e rebaixavam o modo de vida e os costumes daquela gente.

Não raras vezes, esses homens e mulheres "do mato"  eram enquadrados como bárbaros e selvagens, cruéis e ferozes, e desconheciam todas as regras e deveres em que se fundavam as sociedades regularmente organizadas, ignorando todos os direitos...

Nogueira sabia, por um saber de experiência feito, que não era assim. E, indignado, resolveu então escrever num jornal português um extenso artigo em defesa desses povos, os Nhanecas-Humbes, que ele conhecia como ninguém.

É desse  artigo, publicado em 1871, que se transcrevem, com ligeiras adaptações, as principais observações do velho sertanejo.




A. F. Nogueira começou por esclarecer que vivera entre os Nhanecas-Humbes durante doze anos, entre 1851 e 1862.
Dessa experiência recolhera conclusões como esta: os costumes que por cá temos (isto é, em Portugal), os erros, os preconceitos e os abusos que imperam na chamada civilização europeia, em muito excedem, quanto a malvadez e perversidade, tudo quanto pude verificar, a esse respeito, entre aqueles povos.

E passou a descrever, com algum pormenor, o modo de ser e de agir dos seus amigos africanos. Não pintando um quadro paradisíaco, nem apontando a sociedade africana em causa como modelo a seguir pelos seus concidadãos, fazia algumas comparações que achava dignas de reflexão.




"Naqueles povoados nunca se praticou, enquanto ali estive, assassinato algum, não obstante todos os homens andarem armados e não haver polícia nem qualquer força pública encarregada de manter a ordem.

Perguntei-lhes se ali, alguma vez, um filho tinha atentado contra a vida de seu pai ou de sua mãe. Nem sequer me compreenderam. E, depois, só manifestaram espanto: naqueles espíritos inferiores, pura e simplesmente não se admitia a possibilidade de crimes tão espantosos. Não há ali nenhum exemplo, próximo ou remoto, de se ter perpetrado semelhante crime.

Entre nós, e apesar dos meios de força que se empregam para prevenir esses actos, não só os simples assassínios mas até os parricídios e outros crimes desta ordem são vulgares.

Há gente mais ou menos favorecida dos bens de fortuna, ou até relativamente pobre, mas a miséria, como se apresenta entre os povos civilizados, repugnante e degradada, é ali desconhecida.

Ali, o necessitado pede francamente, naturalmente, sem humilhação nem baixeza, o que precisa - e que não consegue obter de outro modo; aqui, na sociedade dita civilizada, engendra-se a miséria repugnante e feroz que inventa as úlceras e chega a cegar os olhos às crianças para excitar o sentimento de caridade.




A fome entre eles só é conhecida por ocasião das grandes secas, que, com as guerras, constituem as suas maiores calamidades. Entre nós morre-se de fome mesmo em tempos normais.

A mulher honra-se em ser mãe; entre nós o sentimento materno nem sempre impede que muitas mães abandonem ou matem os seus filhos.

Ali há a liberdade de costumes, que é mais inocência ou ignorância do mal do que verdadeiro vício, mas não há a prostituição asquerosa e imunda como se acha estabelecida e "organizada" entre nós.

A escória social - a que entre nós se dá o nome de canalha - também ali não existe.

Não têm hospitais nem asilos, mas também não têm prisões nem delas carecem.

São raros os roubos e os assaltos nos caminhos, não obstante estes atravessarem extensas matas solitárias; e os que se praticam são quase sempre devidos a lutas e represálias entre povos inimigos.

Entre nós, o roubo violento à mão armada pratica-se aí em qualquer estrada, dentro do país armado e policiado, e às vezes mesmo dentro de povoações importantes.
Aqui estão alguns contrastes entre a nossa civilização e aquela selvageria.




Os mais ricos e poderosos, quanto mais alto colocados, mais benévolos e atenciosos se mostram para com os menos favorecidos pela sorte.

Não têm uma religião definida, com símbolos ou quaisquer formas externas, mas acreditam na existência de Deus, ou pelo menos de um Deus, e chegaram já a um estado de consciência moral muito elevado.

A  escravidão é uma instituição legal entre eles, mas os escravos são tratados como pessoas de família. Não há ninguém que, possuindo escravos, lhes dê publicamente esse nome - mas sim o de filhos, ou sobrinhos. E, na falta de herdeiro legítimo, é adoptado como tal o escravo mais antigo.

Neste estado de civilização dito tão inferior - sem escolas, sem academias, sem sociedades literárias ou científicas, sem sistemas filosóficos, sem religião ou acreditando simplesmente em Deus, sabendo de algumas coisas apenas o que não podem ignorar, e entregues à maior liberdade - aqueles povos vivem felizes e satisfeitos, sem os requintes da civilização, é verdade, mas também sem os vícios hediondos e a profunda desmoralização que são o triste apanágio das sociedades ditas mais adiantadas." (*)

Música de Angola
(Duo Ouro Negro)


(*) - Fonte (com adaptações) - Carlos Estermann - Etnografia de Angola (Sudoeste e Centro) - Volume 1 - Edição do Instituto de Investigação Científica Tropical - Lisboa - 1983.