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sábado, 5 de julho de 2025

Oração de um Chefe Africano a Favor do Etnólogo Routlege




"Ó Deus, o homem branco veio a minha casa.
Aceita este sacrifício.
Quando o homem branco adoecer,
faz que nem ele nem a sua mulher
fiquem muito doentes.

O homem branco veio do seu país à nossa terra,
do outro lado da água;
é um homem bom
e trata bem aqueles que trabalham com ele.

Se o homem branco e a sua mulher adoecerem,
faz com que não fiquem muito doentes,
porque eu e o homem branco nos unimos
para te fazermos um sacrifício.

Não os deixes morrer,
pois nós sacrificámos um cordeiro bem gordo.
O homem branco veio de muito longe para nos visitar,
e decidimos fazer-te um sacrifício.

Onde quer que ele for não deixes que ele adoeça,
pois ele é bom e extraordinariamente rico,
e eu também sou bom e rico;
e eu e o homem branco damo-nos tão bem
como se fôssemos filhos da mesma mãe.


Ó Deus, este grande carneiro destinámo-lo a ti;
o homem branco, a sua mulher
e eu e o meu povo
vamos sacrificar por ti sobre o tronco de uma árvore
um carneiro,
um precioso carneiro.


Faz com que ele não fique gravemente doente,
porque eu ensinei-o a rezar-te
como se ele fosse um verdadeiro Mikikuyu. "


(Extraído de A Oração dos Homens - Uma Antologia das Tradições Espirituais, pág. 74 - Editora Assírio & Alvim, 2006)



quarta-feira, 12 de março de 2025

As segundas mães (Tempos de escravatura e servidão: amas-de-leite negras para crianças brancas)


Ama-de-leite é uma mulher que amamenta crianças alheias, ou seja, filhos ou filhas de outras mulheres que, por qualquer razão, não queiram, ou não possam, amamentar a própria prole.

Trata-se de prática que remonta aos primórdios da Humanidade. Consta, por exemplo, de velhos textos da Babilónia com cerca de 4000 anos (Código de Hamurábi). Também na Grécia e na Roma antigas se acha documentado este tipo de procedimento, igualmente designado por amamentação cruzada.

A ama-de-leite foi figura e recurso frequente na Europa dos últimos séculos, sobretudo nas camadas sociais mais favorecidas, em que, por razões de saúde ou por mero comodismo, as mães recentes delegavam noutras mulheres, por regra mais pobres ou delas economicamente dependentes, a alimentação dos seus próprios filhos.



Como é natural, este costume acompanhou por toda a parte as nações europeias expansionistas, como Portugal e Espanha. Com a intensificação da escravatura transatlântica, de origem africana, a amamentação cruzada conheceu patamares antes insuspeitados.

A razão é evidente: passavam a estar disponíveis em abundância, nas parcelas coloniais das nações europeias,  milhares de jovens negras sadias e produtoras de um leite que, segundo se pensava então, era mais rico e fortificante do que o das parturientes brancas.

Este hábito enraizou-se no Brasil e por toda a América escravocrata. Tornou-se comum, nas casas senhoriais, entregar a responsabilidade da aleitação dos bebés brancos às jovens escravas que tivessem sido mães recentemente.

Por vezes era permitido a estas amas-de-leite que alimentassem, simultaneamente, o seu filho. Noutras ocasiões, porventura maioritárias, as coisas não se passavam assim: o aleitamento da criança negra era confiado a outras escravas enquanto a sua mãe se mudava para a casa grande para alimentar o filho ou a filha dos senhores.

Às vezes a solução podia ser mais desumana, quando a criança negra era encaminhada para a Roda dos Expostos, perdendo todo o vínculo com a progenitora. Era este o lado mais triste e trágico desta prática.     




A jovem mãe escrava, agora transformada em ama-de-leite da criança branca, recebia em regra melhor tratamento do que aquele que lhe fora dispensado até então. Integrada no círculo mais próximo dos senhores, alimentava-se melhor, vestia bem, acompanhava a família para toda a parte.

Mantinha sobretudo um contacto quase permanente com a criança branca, da qual cuidava muito para além do acto da amamentação. Juntas brincavam, juntas trocavam histórias e mimos, juntas riam e choravam, juntas partilhavam experiências e emoções - justamente o que se esperaria de uma relação mãe-filho.

Para crianças de tão tenra idade, a viverem os seus primeiros anos, não existiam, evidentemente, nem os preconceitos raciais nem as interdições de convívio que caracterizavam as sociedades escravocratas. Motivo pelo qual,  em inúmeros casos, se desenvolviam e solidificavam entre a criança e a ama, com carácter de reciprocidade, fortíssimas ligações afectivas, que com frequência perdurariam pela vida fora.




O convívio quotidiano entre os dois ultrapassava amiúde o período da aleitação, o que fazia com que as amas-de-leite se tornassem amas-secas dos filhos e filhas dos senhores, acompanhando o seu crescimento e educação durante a primeira infância.

Deste modo, com a passagem do tempo, a escrava convertia-se numa segunda mãe da criança branca. Como escreveu Gilberto Freyre: Muito menino brasileiro do tempo da escravidão foi criado inteiramente pelas mucamas. Raro o que não foi amamentado por negra.

Os laços de afeição entre a ama negra e a sua cria de leite podiam tornar-se tão profundos que a separação de ambos, quando ocorria, era extremamente dolorosa.

Conta-se, como exemplo entre muitos, o caso da ama-de-leite Júlia Monjola, a escrava que amamentou, no Brasil, uma criança branca francesa - Marta Expilly.
O pai de Marta era Charles Expilly, que um dia teve de abandonar o país com toda a família, deixando Júlia para trás.

Mais tarde, numa carta comovida e comovedora para sua filha (escrita em 1863), Charles evocava o terrível instante em que as duas se separaram. E lembrava o pedido que a negra Júlia Monjola fizera ao ouvido da menina branca que fora sua cria de leite:

Ela pediu-te, entre lágrimas, que nunca te esquecesses daquela que todos os dias te embalava nos braços e te fazia adormecer no seu seio. E, se algum dia fosses rica, que a comprasses para ser só tua.

******

"Mãe Negra"
Voz: Paulo de Carvalho (Portugal)
Poema: Alda Lara (Angola)























































































"Mãe Preta"
(Amamenta o bebé branco, enquanto seu filho observa)
(Quadro de Lucílio de Albuquerque)


sábado, 15 de abril de 2023

A Grande Música de África - "O Leão Dorme Esta Noite" ("Wimoweh")


Ouçam em duas versões:
.
1 - Pela grande Miriam Makeba:


.
2 - ... ou pelo velho Pete Seeger:

terça-feira, 19 de julho de 2022

A Lição de Kinshasa (África - República Democrática do Congo)






... uma inesquecível lição ministrada por cento e setenta almas, alegremente - e harmoniosamente - irmanadas pela energia irreprimível do espírito humano, ali, um pouco acima de Angola, à beira do grande rio Congo, na luxuriante Kinshasa, cidade africana de quotidianos agrestes... (aqui)

Sabiam que passou a existir, pela fé, pelo engenho e pela sensibilidade desta gente admirável, uma Orquestra Sinfónica de Kinshasa?

Na qual, como diz a certa altura Joséphine Matubenza, fazer música como eles a fazem é, realmente, rezar uma segunda vez.

"Nós rezamos", diz ela, "e depois da oração cantamos".

Escutem-nos aqui:








sexta-feira, 30 de julho de 2021

JOÃO AFONSO - Lembranças portuguesas de Moçambique...

 


"Morrer em Zanzibar"
(João Afonso)

Português nascido em Lourenço Marques,
actual Maputo,
Moçambique,
em 1965
(ver mais - aqui)


As histórias que contavas lá da aldeia a bola no telhado da vizinha o branco no amarelo da eira e a calça sem bainha

A varanda e a calça sem bainha
a semana na baía
a pesca à linha
a vizinha,
o que querias da montanha

Que pensamento querias da montanha fugiste um dia p'ra Kilimanjaro seria o jeito sábio dum cocoana a falar sob um céu claro a marimba, a falar sob um céu claro a madeira, de pau preto um aparo a montanha vou de boleia em boleia Agora vou de boleia em boleia agora vou voltar a ser menino parar, ouvir silêncios sobre a areia visitar-te em S. Francisco Sobre a areia, visitar-te em S. Francisco lua cheia a subir tudo o que lembro a gavinha, numa noite de Dezembro Deixaste o sol na praia de Inhambane no cais da ponte o dia do vapor amigos que p'ra longe a pátria bane num retrato de esplendor Ventoinha, num retrato de esplendor casuarina, quinino saga e calor a cantina com o sabor e fico com o sabor das leituras percorro a vossa esteira pelo mar com um baú de histórias de aventuras vou morrer em Zanzibar...

terça-feira, 8 de junho de 2021

BABA YETU (Pai Nosso)


cantado/rezado em suaíli, um idioma africano...


(I)

(Compositor e maestro: Christopher Tin)
(Soweto Gospel Choir)


(II)

(Gospel Choir - Dar es Saalam - Tanzânia)

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Arte e Máscaras Africanas



 



As máscaras provêm de diversos países africanos.
A música acima é de Hukwe Zawose (Tanzânia).































































































































terça-feira, 4 de maio de 2021

África Minha! (O povo canta e dança no terreiro da aldeia...)



Para ampliar a imagem, accione o vídeo e
clique no quadrado do canto inferior direito:



sábado, 1 de maio de 2021

Sobre o hediondo e maligno tumor do racismo... (Victoria Santa Cruz)

 


Chamaram-lhe Negra! (Negra! Negra! Negra!) - numa altura em que ela, menina de apenas cinco anos, não alcançava bem o que isso pudesse significar.  Quando entendeu e sentiu os efeitos, foi - para utilizar as suas próprias palavras - mais doloroso do que se tivesse recebido uma punhalada.

Nos tempos que se seguiram, por mero instinto de defesa, Victoria optou por contemporizar e recuar - recuar, recuar, recuar. Até que se deteve e resolveu ir em frente, trocando o constrangimento e as injustificadas cedências pela inadiável atitude de afirmar a sua dignidade assumindo ser, pura e simplesmente, quem era. Quem é. Como é.

Negra? Claro que sim, Negra... (Negra, notem bem, Negra - e não pessoa de cor, essa hipocrisia linguística dos confusos, dos habilidosos e dos fingidores).

Fica o impressionante testemunho da peruana Victoria Santa Cruz no seu belo - mas pungente - poema Me Gritaron Negra! (Chamaram-me Negra!)

(1) Victoria Santa Cruz
(Me Gritaron Negra!)


(2) Victoria Santa Cruz
(Entrevista)


(3) - O poema de Victoria Santa Cruz
dito por crianças brasileiras do
Colégio Liceu Nilo Peçanha (Niterói)


quarta-feira, 28 de abril de 2021

Brasil - Tempos de Escravidão

 


Séculos antes do tráfico transatlântico de escravos, já os comerciantes árabes desciam ao sul do continente africano para adquirir e transportar mulheres e homens negros, através do deserto do Saara, até à bacia mediterrânica e à Península Arábica. A lei islâmica proibia a escravização de muçulmanos, mas não a de "infiéis", o que oferecia larga margem de manobra aos traficantes.

As aquisições faziam-se, por norma, em mercados especializados a sul do deserto saariano. Mais tarde seriam também abertas rotas marítimas pelo mar Vermelho e oceano Índico, ao longo das quais fluíam, desde a costa oriental africana, os carregamentos humanos até chegarem às mãos dos clientes finais (que podiam estar na Arábia, na Índia, em Malaca, em Java ou, até, na China).

Assim, com início logo no século VII, foram milhões os seres humanos arrancados ao longo dos anos ao seu meio, às suas famílias e à sua liberdade. Como sucederia depois com a investida dos europeus nas costas africanas (finais do século XV, século XVI e seguintes), os árabes conseguiam a maior parte da mercadoria humana através de relações comerciais mais ou menos pacíficas com muitas das elites africanas, assim tornadas cúmplices do nefando comércio.

A chegada dos europeus - com a sua entrada quase imediata no comércio firmemente implantado no território - não fez mais do que aumentar a sangria humana, elevando-a a patamares anteriormente impensáveis. Ainda não se tinha chegado a meio do século XVI quando os negros começaram a chegar ao Brasil - e a outras paragens colonizadas das Américas - às centenas e aos milhares. Depois, nos anos seguintes, até ao século XIX, os carregamentos subiram às centenas de milhares e aos milhões.

Portugueses, brasileiros, britânicos, franceses, espanhóis, holandeses e americanos, entre outros, fariam depender as suas economias coloniais dos braços fortes dos homens e das mulheres de África, muito mais resistentes e rentáveis do que os dos índios.



No Brasil, os escravos destinavam-se principalmente às plantações, às minas, aos engenhos de açúcar e aos serviços domésticos. Arrebanhados pela força, detidos a contragosto, sujeitos às arbitrariedades dos donos, por vezes revoltavam-se ou fugiam, saltitando de terra em terra ou refugiando-se nos quilombos (ver aqui).

Alguns eram perseguidos, capturados e punidos. Outros, escondidos, conseguiam manter uma liberdade periclitante, sempre ameaçada. Outros mudavam de senhor e de sorte, sendo vendidos, alugados ou emprestados. E, ainda outros, conseguiam não obstante, por sua inteligência e méritos, libertar-se das cadeias da escravidão e elevar-se socialmente, alcançando posições preponderantes.

A escravidão no Brasil durou séculos, prolongando-se mesmo para além da independência nacional (1822). Oficialmente extinguiu-se pela Lei Áurea (13 de Maio de 1888), legislação importante, mas que não extirpou completamente o flagelo.

No fim de tudo, e após o excruciante sofrimento de sucessivas gerações, os homens e as mulheres de África - e os seus descendentes - tinham dado um contributo fundamental para a construção do Brasil. Fizeram-no em todos os domínios e expressões culturais, como a demografia, a música, a economia, a religiosidade, a literatura, a gastronomia, o desporto, o falar colorido e a inconfundível fisionomia nacional. Em suma, em tudo quanto fez no passado, e faz ainda hoje, a multifacetada e admirável riqueza cultural e étnica do grande e bem-amado Brasil.

Saiba mais sobre a escravidão brasileira - aqui.





Capitão do mato, caçador de recompensas,
perseguidor de escravos fugitivos














Mercado de escravos, no Recife


















Zumbi
(Jorge Ben Jor)


Canto das Três Raças
(Clara Nunes)