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quarta-feira, 21 de maio de 2025

Lili 'Uokalani - A última rainha do Havaí (Hawai'i) independente

Rainha Lili 'Uokalani (1838-1917)
(A imagem representa-a em Londres,
onde assistiu ao jubileu da rainha Vitória).


O Havaí é um dos 50 Estados americanos.

Foi reino formalmente independente até 1893, ano em que um golpe de estado perpetrado por empresários e residentes euro-americanos colocou fim à monarquia.

Em 1898, os Estados Unidos anexaram o arquipélago, que passou a ser um seu território e assim se manteve por cerca de 60 anos.

Em 1959, após um processo de referendo entre a população, o Havaí tornou-se, finalmente, um dos 50 estados dos Estados Unidos da América.


Estátua de Lili 'Uokalani, em Honolulu (Havaí)


A última monarca do reino de Havaí foi Lili 'Uokalani, que sucedera a seu irmão David Kalãkaua em 1891.

Deposta em 1893 pelo referido golpe de estado, foi detida em Janeiro de 1895 e condenada a cinco anos de prisão com trabalhos forçados.
A sentença foi contudo comutada em detenção domiciliária e Lili 'Uokalani acabaria por mudar-se para a residência Washington Place (Honolulu), onde viveria discretamente até à sua morte, em 1917.

Em 1993, exactamente cem anos depois deste episódio brutal, os Estados Unidos assumiram uma reparação pública pelo sucedido.
Numa Resolução aprovada pelo Congresso e assinada pelo presidente Bill Clinton, reconheceu-se que a deposição de Lili fora ilegal e que o golpe ocorrera com a participação activa de cidadãos dos Estados Unidos, sendo por isso apresentado ao povo havaiano um pedido de desculpas formal.

Tratou-se de um acto simbólico, mas moral e historicamente justo para com a memória de Lili 'Uokalani, a última soberana.


A rainha nos seus últimos tempos, na residência de Washington Place, em Honolulu.


Lili 'Uokalani escreveu uma autobiografia poucos anos depois de ter sido deposta (História do Havaí pela Rainha do Havaí).

Distinguiu-se também pela autoria de várias composições musicais de notável inspiração.

A mais famosa de todas tem por título Aloha 'Oe (Adeus a Ti), ainda hoje ouvida com muitíssimo agrado.




Nessa canção maravilhosa evoca-se a triste e comovente despedida de dois apaixonados:

Adeus a ti, adeus a ti,
dá-me um abraço amoroso antes que eu parta,
até nos encontrarmos novamente;
doces memórias voltam para mim
trazendo lembranças frescas do passado;
aqui habitam as aves do amor
e eu saboreio o mel dos teus lábios...

Autora: Rainha Lili 'Uokalani 
(Aloha 'Oe)
(Adeus a Ti)
A magnífica interpretação deve-se ao 


Mapa do Havaí (Hawai'i):

Na ilha de Oahu destaca-se a capital, Honolulu (onde nasceu o presidente norte-americano Barack Obama), e, também, Pearl Harbor, atacada pelos Japoneses em 1941 (um acto que provocaria a entrada imediata dos Estados Unidos na 2.ª Guerra Mundial).

sexta-feira, 21 de março de 2025

Tchaikovsky e a invasão da Rússia por Napoleão Bonaparte ("1812" - Abertura Solene)



Napoleão e os seus soldados


Em Junho de 1812, Napoleão invadiu a Rússia com o seu Grande Exército (mais de meio milhão de soldados).

Seria uma campanha trágica para ele, e ficaria assinalando o início da curva descendente de uma invulgar carreira política e militar.


Napoleão na batalha de Borodino (Rússia)


Após sucessivas retiradas do exército russo, acompanhadas de uma prática de terra queimada diante do avanço dos franceses, os dois exércitos encontraram-se em Borodino, uma pequena aldeia a pouco mais de 100 quilómetros de Moscovo.

As tropas do czar da Rússia, Alexandre I, eram comandadas pelo astuto general Mikhail Kutuzov.


O general russo, Kutuzov, na batalha de Borodino


A batalha ocorreu no dia 7 de Setembro de 1812.

O número de baixas, ainda hoje muito discutido, foi, em qualquer hipótese, elevadíssimo.

Uma estimativa relativamente credível aponta para cerca de 30.000 mortos franceses (em 120.000 homens empenhados nos combates), contra 60.000 baixas russas (em 150.000 combatentes).


Batalha de Borodino

Veja seguidamente a reconstituição da carga vitoriosa da cavalaria francesa
(Extraído do filme "Guerra e Paz", de 1956):




O triunfo na batalha tem sido atribuído aos franceses. Mas tratou-se de uma vitória de Pirro, pois as forças de Kutuzov conseguiram retirar-se em boa ordem e o (relativo) êxito de pouco aproveitou aos invasores.

Napoleão entrava pouco depois em Moscovo, encontrando a cidade devorada por incêndios e deserta de população e de governantes.

Em vão esperou o imperador francês pela rendição do czar da Rússia.

Pelo contrário, o inverno forçá-lo-ia a uma retirada dramática, em que o gelo, o frio, a fome e as constantes flagelações dos russos lhe dizimaram praticamente o que restava do Grande Exército.

Em Dezembro de 1812, a Rússia ficou livre do invasor.


Napoleão - Retirada da Rússia


Foi esse triunfo histórico que o compositor Tchaikovsky (1840-1893) quis celebrar com o seu "1812".

Esta famosa Abertura Solene pode ser encarada como uma representação musical da campanha napoleónica na Rússia.

O hino religioso inicial evoca as orações do povo russo nas igrejas, implorando a intervenção divina contra o invasor.

As notas seguintes expressam a iminência dos combates e a preparação para a batalha, numa combinação de desespero e de transbordante entusiasmo, sublinhada pelos acordes distantes da Marselhesa, que evocam o avanço francês (ouvir, abaixo, por exemplo, a partir de 4' 30''  e 12' 10'').

A Marselhesa impõe-se em Borodino, ao passo que, mais adiante, se torna preponderante a música tradicional russa.

No momento da tomada de Moscovo, quando tudo parece perdido, o hino religioso é outra vez escutado, significando a intervenção divina (que traz um inverno rigoroso para o qual os franceses não se achavam preparados).

No final, apoteótico, disparam-se canhões em sinal de triunfo, enquanto repicam os sinos das igrejas de uma Rússia enfim libertada.

Chamo a vossa atenção para a força vibrante e telúrica desses derradeiros acordes (a partir de 13' 42'').

Para ouvir este genial "1812" escolhemos uma magnífica interpretação da Orquestra Sinfónica de Gothenburg (Suécia) dirigida pelo maestro Neeme Järvi:


domingo, 5 de janeiro de 2025

Cantares de Venezuela - "MONTILLA" (ou: A Morte do "Tigre de Guaitó")


General venezuelano José Rafael Montilla (1859-1907)

Ao estado a que chegou Montilla!
Ao estado a que ele chegou...
Um homem tão valoroso
y a Montilla lo han matado!


**********


"Montilla" é uma peça musical, de anónimo compositor, pertencente ao rico folclore venezuelano. Surgiu nos princípios do século XX.

Muita gente a ouve, a canta e a dança sem fazer a mais pequena ideia de que nos seus versos se contempla a vida e o trágico fim do general venezuelano José Rafael Montilla, também conhecido, pela sua bravura, como "El Tigre de Guaitó".

José Rafael Montilla nasceu em San Miguel, estado de Trujillo (Venezuela) no dia 16 de Setembro de 1859, sendo filho de Custodio Montilla e de Juana Natividad Petaquero.

Desde muito novo se distinguiu pela determinação e valentia com que defendia os camponeses oprimidos do seu país, cujas reivindicações apoiava.

Durante as duras batalhas em que participou, do lado dos Liberais, ascendeu a general perante o delírio dos soldados que o acompanhavam.

Recolhido a certa altura na povoação de Guaitó (estado de Lara, no noroeste do país), determinou o que considerava uma justa repartição de terras por aqueles que as trabalhavam. Em breve se tornou uma dor de cabeça - e um alvo - para os Conservadores.


Vários presidentes venezuelanos tentaram a sua prisão, mas o "Tigre de Guaitó" mostrou-se indomável.

Mudando de táctica, Cipriano Castro ofereceu-lhe importantes cargos públicos. O objectivo consistia em afastá-lo das regiões em conflito, mas Montilla cedo se apercebeu da armadilha e recusou.


Venezuela com os seus estados


A partir dessa altura, intensificou-se o assédio com que procuravam capturá-lo ou, mesmo, eliminá-lo fisicamente. Contra ele marcharam forças poderosas, sobretudo a partir do sul, dos estados de Barinas, Cojedes e Portuguesa.

Mas Montilla resistiu e não foi aprisionado. Juan Vicente Gómez ofereceu-lhe garantias para que se entregasse, mas o general, naturalmente desconfiado, tornou a recusar.

Finalmente, no dia 21 de Novembro de 1907, chegou ao seu termo a vida aventurosa de José Rafael Montilla, então com 48 anos de idade.

Foi apanhado à traição por um dos seus próprios soldados, quando, à beira de um curso de água, se preparava para matar a sede provocada por uma dura marcha.

O soldado, um tal Jacinto Canelones, desferiu-lhe no pescoço, pelas costas, um terrível golpe de machete (espécie de catana) que o decapitou.

Uma das versões do episódio refere que o "Tigre de Guaitó" teve ainda oportunidade de disparar sobre o seu assassino, matando-o. Mas é impossível confirmar tal facto.


Entrada do povoado de Guaitó (Venezuela)

Nas horas que se seguiram, milhares de pessoas, em esmagadora maioria camponeses, convergiram para o pequeno povoado de Guaitó a fim de homenagearem o falecido no seu velório.

Vieram de Guárico, Trujillo, Portuguesa e outros estados da parte ocidental da Venezuela. Uma enorme procissão de gente humilde acompanhou o féretro do general até ao cemitério.

Muitos entoavam canções que enalteciam as proezas do seu defensor, e diz-se que foi nessa altura que nasceu a peça musical "Montilla", canção que viria a conhecer diversas versões.

As três que se apresentam seguidamente são, talvez, as mais conhecidas, contribuindo para a lenda em que se transformou a turbulenta carreira do "Tigre de Guaitó".

A primeira é a de Lilia Vera, famosa cantora e activista venezuelana.

A segunda pertence a Illapu, conhecida banda chilena de folclore andino.

A terceira é cantada pela mezzo-soprano Luciana Mancini (descendente de chilenos, nascida na Suécia), magistralmente acompanhada pelo grupo L'Arpeggiata (dirigido pela austríaca Christina Pluhar).

No final, apresenta-se a letra mais divulgada nas várias versões de "Montilla" (a ordem das quadras é por vezes trocada em diferentes interpretações).


(I)





(II)


(III)


Letra:
Vengo a trovar este golpe
que un amigo me mandó
pa' que mañana o pasado
hagan lo mismo con yo.

Ahí viene Montilla a dar la pelea
y viene diciendo, morena: la bala chirrea
El armó su gente con la artillería
y prendió los fuegos, morena, al Ave María.

Al estado en que llegó Montilla,
al estado en que ha llegado.
Un hombre tan valeroso
y a Montilla lo han matado.

Dicen que Montilla viene,
dicen que Montilla va,
yo digo que eso es mentira
porque yo vengo de allá.

El que me dijera negro
yo no me enojo por eso
porque negro tengo el cuero
pero blanco tengo el hueso.

Un veintiuno de noviembre
de mil novecientos siete
muere el general Montilla
asesinado a machete.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

ELIZABETH II - Ela não era "uma rainha". Ela era "A Rainha".


She was not "a queen".
She was "The Queen".

Elizabeth II (1926-2022)
R. I. P.




Very Good Job, Ma'am!





Elizabethan Serenade
(Ronald Binge):

 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Dois Séculos de Independência - Parabéns, Brasil!

 



322 anos de história compartilhada com Portugal (1500-1822).

200 anos de independência (1822-2022)

Com um ou outro sobressalto, continuam fortes os laços de fraternidade entre as duas nações.

Como ficou simbolizado pela visita do coração de D. Pedro I, o português que se tornou brasileiro e primeiro imperador do grande e glorioso país da América do Sul.

Parabéns, Brasil!



sábado, 2 de julho de 2022

Um grande mistério de França - O homem da "Máscara de Ferro"





Paris, França, 18 de Setembro de 1698, em pleno reinado de Luís XIV, o famoso Rei-Sol.

Nesse dia chegou à cidade o novo governador da prisão da Bastilha, Bénigne d'Auvergne de Saint-Mars, acompanhado de um misterioso prisioneiro com o rosto oculto por uma máscara.

Segundo se viria a apurar, Saint-Mars era há muito responsável por este homem, mantendo sobre ele, em sucessivos presídios, apertadíssima vigilância.

Na opinião de alguns historiadores, a reclusão do homem da máscara duraria há cerca de três décadas quando os portões da prisão parisiense se fecharam sobre ele.

O registo de entradas na Bastilha foi, a seu respeito, de extrema concisão, não fornecendo pistas ou indícios de relevo: deu entrada no cárcere às 3 horas da tarde de 18 de Setembro de 1698 um prisioneiro mascarado trazido de Pignerol.

O regime em que o mantiveram naquela que viria a ser a sua última prisão foi semelhante ao que tivera nos presídios anteriores. Pormenor fundamental: não podia, por ele próprio, retirar a máscara. Esta não lhe fora imposta como tortura ou castigo: visava, apenas, impedir que pudesse ser reconhecido por alguém.

A propósito, a máscara não era "de ferro", como tem sido difundido. Crê-se que fosse de couro ou de um tecido forte a que teria sido acoplado um dispositivo metálico, com cadeado, que impossibilitava a remoção pelo portador.

O nome do preso nunca era pronunciado por ninguém e era proibido manter com ele, para além do estritamente necessário, quaisquer conversas (talvez com excepção do omnipresente Saint-Mars).

Durante o longo período em que penou nas prisões, os seus carcereiros foram obrigados a jurar, sob pena de morte, que guardariam segredo da sua existência. Nenhuma resposta deviam dar às suas eventuais observações. Não se lhe forneceu tinta nem pena, nem nada que lhe pudesse servir para escrever. Ele devia passar os dias segregado do mundo e dos seus semelhantes como se tivesse sido sepultado em vida.


Prisão da Bastilha, em Paris


Apesar do seu cruel confinamento, diz-se que o homem da máscara estava muito longe de ser maltratado. Pelo contrário, usava-se para com ele de excepcionais deferências e procurava-se, tanto quanto possível, satisfazer-lhe os desejos. Podia, por exemplo, assistir à missa. Facultavam-lhe livros, roupas e, ao que parece, pelo menos um instrumento musical. Os guardas acercavam-se dele com uma vénia respeitosa, curvando a cabeça e dobrando o joelho, num tratamento por norma reservado a pessoas de elevada condição.

A permanência do enigmático prisioneiro na Bastilha durou pouco mais de cinco anos. No dia 19 de Novembro de 1703 ele sentiu-se mal depois da missa. O médico da prisão, chamado de urgência, declarou que nada podia fazer para o salvar.

Quando, pelas 10 da noite, faleceu, uma actividade febril tomou conta da Bastilha. O cadáver foi rapidamente levado para o cemitério de Saint-Paul, onde foi enterrado em local desconhecido. Um registo paroquial atribuiu-lhe na ocasião uma identidade, obviamente forjada: M. de Marchiel.

Entretanto, na sinistra Bastilha, tratava-se de apagar todos os vestígios da sua passagem por ali. As roupas, bem como os parcos objectos de uso pessoal, foram lançados ao fogo.

O mobiliário da cela sofreu o mesmo destino. Nem as paredes escaparam: foram cuidadosamente raspadas e, logo a seguir, pintadas, pois temia-se que o prisioneiro pudesse ter gravado nelas, por processos secretos, alguma mensagem comprometedora.


Luís XIV, rei da França (n. 1638 - f. 1715)


Pela correspondência que sobrou do caso, sabe-se que Luís XIV, rei absoluto da França, conhecia perfeitamente a identidade do prisioneiro, bem como os motivos do seu encarceramento. Aliás, terá sido o próprio soberano a determinar a condenação e o tratamento a adoptar para com ele.

Para além do rei, poucos dos seus homens de confiança estavam a par do assunto. Mas a reserva e os cuidados com que sempre se conduziram fizeram com que todos se fossem despedindo da vida sem que nada transpirasse do segredo.

Este facto originou ao longo do tempo numerosas especulações, calculando-se em cerca de meia centena o número de identidades atribuídas ao preso.

Homens intelectualmente respeitáveis como Voltaire ou Alexandre Dumas debruçaram-se sobre o episódio, produzindo conclusões tão imaginativas como indemonstráveis. Muitos anos depois do reinado de Luís XIV, um dos seus distantes sucessores, Luís XVI, ainda procurava - sem êxito - descobrir a verdade. O mesmo terá sucedido a Napoleão, promotor de diversas e infrutíferas investigações.

A febre especulativa levou às hipóteses mais extravagantes, na maioria rapidamente desmontadas.

O mascarado foi por exemplo identificado como Molière; ou como Nicolas Fouquet, o venal superintendente das Finanças de Luís XIV (efectivamente preso por ordem deste, mas falecido no cárcere em 1680); ou como um filho ilegítimo de Carlos II de Inglaterra; ou como um amante da rainha Maria Teresa, esposa do rei...




Uma outra hipótese foi a que identificou o preso como Ercole Antonio Mattioli, ministro na corte do duque de Mântua. Mattioli terá ludibriado o monarca francês num negócio que envolvia a compra, pela França, da fortaleza fronteiriça de Casale Monferrato.

Zangado, Luís XIV mandou raptar o italiano e fez com que o encerrassem na prisão de Pignerol. Os que não acreditam na hipótese dizem que Saint-Mars jamais fez segredo sobre este caso, aludindo abertamente a Mattioli nas suas cartas (ao contrário do que fazia relativamente à figura misteriosa, sempre mencionada como o "Mascarado" ou o "Prisioneiro").

De qualquer modo, em nenhuma das versões anteriores se vislumbram razões para tamanhas cautelas (rosto sempre tapado, ocultação de identidade) e, em simultâneo, para tantas manifestações de respeito diante do prisioneiro.

Com efeito, se tudo não tivesse passado de um acto de vingança do rei (ou pelo desfalque das suas finanças por um ministro desonesto; ou pela vigarice de um italiano astucioso; ou por ter sido desrespeitado na sua relação conjugal), mal se compreende que Luís XIV, monarca absoluto e poderoso, não tenha decidido tratar do caso de forma mais rápida, simples e radical - por exemplo, mandando eliminar fisicamente o abusador.

Alguma coisa terá levado a que o rei optasse por solução diferente, fazendo com que o mistério se fosse arrastando através das décadas.

O caminho que ele escolheu parece indiciar, claramente, três coisas: primeiro, o temor de que o preso pudesse ser reconhecido por alguém; segundo, que a condição do mesmo justificava um tratamento cortês e reverencioso; por último, face à hipótese da execução do preso, uma espécie de má consciência ou, noutra perspectiva, algum escrúpulo.

O escrúpulo que até um monarca tão poderoso como Luís XIV não deixaria certamente de sentir perante um eventual fratricídio. 


Ana de Áustria, esposa de Luís XIII e mãe de Luís XIV (n. 1601 - f. 1666)


Isto conduz-nos, finalmente, à mais fantástica das hipóteses - a de que o prisioneiro mais não seria do que um irmão gémeo de Luís XIV.

O cardeal Richelieu, primeiro-ministro de Luís XIII (pai de Luís XIV), revelou nas suas memórias que Ana de Áustria (mãe do rei) tinha dado à luz dois filhos gémeos no dia 5 de Setembro de 1638.

A primeira criança, nascida por volta do meio-dia, foi imediatamente declarada herdeira do trono. Mas, inesperadamente, pelas 8.30 horas da noite, a rainha entrou outra vez em trabalho de parto e uma segunda criança nasceu.

De acordo com o entendimento de então, o gémeo que nascia em segundo lugar era considerado o "mais velho" (porque se acreditava que fora concebido antes do outro).

Por consequência, como a primeira criança fora já nomeada herdeira de Luís XIII, e para evitar complicações e disputas futuras, achou-se mais prudente ocultar o segundo nascimento. 

À rainha disseram que a criança tinha morrido.

O gémeo rejeitado foi confiado aos cuidados de uma parteira que o criou longe da corte - a corte onde Luís XIV, o outro gémeo, ia sendo preparado para suceder ao pai.

Com o decurso dos anos, verificou-se que a semelhança física do "proscrito" com o irmão se tornara tão notória, que seriam de prever, em breve, problemas graves. Mandaram-no então para fora do país, mais concretamente para Inglaterra, onde, não se sabe por que meios, terá acabado por conhecer a sua verdadeira identidade.

Diz-se que, nessa altura, o gémeo rejeitado terá pensado em fazer valer os seus direitos - como "mais velho" que era. Mas quando reentrou em França, sob o falso nome de Eustache Dauger, os serviços secretos de Luís XIV deitaram-lhe a mão. Isso terá sucedido em Dunquerque no dia 19 de Julho de 1769.

Nesse mesmo dia, o ministro da Guerra da França, Louvois, escreveu a Saint-Mars informando-o de que iria ser enviado um prisioneiro importante para Pignerol. O preso seria mantido sob vigilância permanente, devendo ser-lhe aplicada uma máscara impeditiva de que alguém o pudesse reconhecer.

Assim terá começado o calvário de 34 anos de reclusão do infeliz Homem da Máscara de Ferro.

No entanto, por mais esforços que historiadores e estudiosos em geral tenham levado a cabo ao longo de mais de três séculos, ninguém pode garantir, de ciência certa, que algum deles tenha resolvido definitivamente o enigma...


Décadas e décadas de clausura. Qual teria sido o seu crime?


Fragmentos da trilha sonora do filme The Man in the Iron Mask:

(1)




(2)



(3)




MOMENTOS DO FILME:

(A) - Trailer oficial




(B) - Retirada da máscara de ferro