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quarta-feira, 12 de março de 2025

As segundas mães (Tempos de escravatura e servidão: amas-de-leite negras para crianças brancas)


Ama-de-leite é uma mulher que amamenta crianças alheias, ou seja, filhos ou filhas de outras mulheres que, por qualquer razão, não queiram, ou não possam, amamentar a própria prole.

Trata-se de prática que remonta aos primórdios da Humanidade. Consta, por exemplo, de velhos textos da Babilónia com cerca de 4000 anos (Código de Hamurábi). Também na Grécia e na Roma antigas se acha documentado este tipo de procedimento, igualmente designado por amamentação cruzada.

A ama-de-leite foi figura e recurso frequente na Europa dos últimos séculos, sobretudo nas camadas sociais mais favorecidas, em que, por razões de saúde ou por mero comodismo, as mães recentes delegavam noutras mulheres, por regra mais pobres ou delas economicamente dependentes, a alimentação dos seus próprios filhos.



Como é natural, este costume acompanhou por toda a parte as nações europeias expansionistas, como Portugal e Espanha. Com a intensificação da escravatura transatlântica, de origem africana, a amamentação cruzada conheceu patamares antes insuspeitados.

A razão é evidente: passavam a estar disponíveis em abundância, nas parcelas coloniais das nações europeias,  milhares de jovens negras sadias e produtoras de um leite que, segundo se pensava então, era mais rico e fortificante do que o das parturientes brancas.

Este hábito enraizou-se no Brasil e por toda a América escravocrata. Tornou-se comum, nas casas senhoriais, entregar a responsabilidade da aleitação dos bebés brancos às jovens escravas que tivessem sido mães recentemente.

Por vezes era permitido a estas amas-de-leite que alimentassem, simultaneamente, o seu filho. Noutras ocasiões, porventura maioritárias, as coisas não se passavam assim: o aleitamento da criança negra era confiado a outras escravas enquanto a sua mãe se mudava para a casa grande para alimentar o filho ou a filha dos senhores.

Às vezes a solução podia ser mais desumana, quando a criança negra era encaminhada para a Roda dos Expostos, perdendo todo o vínculo com a progenitora. Era este o lado mais triste e trágico desta prática.     




A jovem mãe escrava, agora transformada em ama-de-leite da criança branca, recebia em regra melhor tratamento do que aquele que lhe fora dispensado até então. Integrada no círculo mais próximo dos senhores, alimentava-se melhor, vestia bem, acompanhava a família para toda a parte.

Mantinha sobretudo um contacto quase permanente com a criança branca, da qual cuidava muito para além do acto da amamentação. Juntas brincavam, juntas trocavam histórias e mimos, juntas riam e choravam, juntas partilhavam experiências e emoções - justamente o que se esperaria de uma relação mãe-filho.

Para crianças de tão tenra idade, a viverem os seus primeiros anos, não existiam, evidentemente, nem os preconceitos raciais nem as interdições de convívio que caracterizavam as sociedades escravocratas. Motivo pelo qual,  em inúmeros casos, se desenvolviam e solidificavam entre a criança e a ama, com carácter de reciprocidade, fortíssimas ligações afectivas, que com frequência perdurariam pela vida fora.




O convívio quotidiano entre os dois ultrapassava amiúde o período da aleitação, o que fazia com que as amas-de-leite se tornassem amas-secas dos filhos e filhas dos senhores, acompanhando o seu crescimento e educação durante a primeira infância.

Deste modo, com a passagem do tempo, a escrava convertia-se numa segunda mãe da criança branca. Como escreveu Gilberto Freyre: Muito menino brasileiro do tempo da escravidão foi criado inteiramente pelas mucamas. Raro o que não foi amamentado por negra.

Os laços de afeição entre a ama negra e a sua cria de leite podiam tornar-se tão profundos que a separação de ambos, quando ocorria, era extremamente dolorosa.

Conta-se, como exemplo entre muitos, o caso da ama-de-leite Júlia Monjola, a escrava que amamentou, no Brasil, uma criança branca francesa - Marta Expilly.
O pai de Marta era Charles Expilly, que um dia teve de abandonar o país com toda a família, deixando Júlia para trás.

Mais tarde, numa carta comovida e comovedora para sua filha (escrita em 1863), Charles evocava o terrível instante em que as duas se separaram. E lembrava o pedido que a negra Júlia Monjola fizera ao ouvido da menina branca que fora sua cria de leite:

Ela pediu-te, entre lágrimas, que nunca te esquecesses daquela que todos os dias te embalava nos braços e te fazia adormecer no seu seio. E, se algum dia fosses rica, que a comprasses para ser só tua.

******

"Mãe Negra"
Voz: Paulo de Carvalho (Portugal)
Poema: Alda Lara (Angola)























































































"Mãe Preta"
(Amamenta o bebé branco, enquanto seu filho observa)
(Quadro de Lucílio de Albuquerque)


domingo, 7 de maio de 2023

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Mãe-Negra [черная мать]


Belos versos de Alda Lara, uma das maiores poetisas de Angola,

cantados por Paulo de Carvalho, uma das melhores vozes de Portugal.


Прекрасные стихи Алда Лара,
одного из величайших поэтов Анголы,
в исполнении Паулу де Карвалью,
одного из лучших голосов Португалии.


(Vídeo de Clara Moura)


Pela estrada desce a noite

Mãe-Negra desce com ela...

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.

 

Só duas lágrimas grossas,

em duas faces cansadas.

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
ai, nas folhas do cajueiro…


Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...

 

Mãe-Negra!

Não sabe nada…


Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...

Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...


Mãe-Negra!

Não sabe nada...



Alda Lara (Angola)
1930-1962

Алда Лара (Ангола)
1930-1962 гг.

Saiba mais sobre ela:

узнать о ней больше aqui


A Rússia está a cometer crimes de guerra na Ucrânia.

Россия совершает военные преступления в Украине.

Russos: lutem pela democracia no vosso país!

Русские: боритесь за демократию в своей стране!


Russos: derrubem, prendam e julguem Putin!

Русские: свергнуть, арестовать и судить Путина!


Viva a Ucrânia Livre e Independente!

да здравствует украина Свободный и независимый!


segunda-feira, 19 de julho de 2021

Infância (Carlos Drummond de Andrade)



 .
.

Meu pai montava a cavalo,
ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada
cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho,
menino entre mangueiras
lia história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.


No meio-dia branco de luz
uma voz que aprendeu a ninar nos longes da sanzala
- e nunca se esqueceu -
chamava para o café,
café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.


Minha mãe ficava sentada
cosendo
olhando para mim
- Psiu... não acorde o menino,
para o berço onde pousou um mosquito
e dava um suspiro... que fundo!


Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


(Carlos Drummond de Andrade - Brasil)

domingo, 2 de maio de 2021

sexta-feira, 5 de junho de 2020

"Mãezinha" (António Gedeão)






A terra de meu pai era pequena
e os transportes difíceis.
Não havia comboios, nem automóveis,
nem aviões, nem mísseis.

Corria branda a noite e a vida era serena.

Segundo informação, concreta e exacta,
dos boletins oficiais,
viviam lá na terra, a essa data,
3023 mulheres, das quais
45 por cento eram de tenra idade,
(chamando tenra idade
à que vai do berço até à puberdade).
28 por cento das restantes eram senhoras,
 daquelas senhoras que só havia dantes.

Umas, viúvas, que nunca mais (oh! nunca mais!)
tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;

outras, senhoras casadas, mães de filhos
(De resto, as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)

Das outras, 10 por cento,
eram meninas casadoiras,
seriíssimas, discretas,
mas que, por temperamento,
ou por outras razões mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.

Além destas meninas
havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a bordar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas, havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
um aqui, outro além, mas que todos ficavam
no troço habitual que o meu pai percorria,
tranquilamente,
no maior sossego,
às horas em que entrava e saía do emprego.

Dessas 9 excelentes raparigas
uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram novas, de bexigas;

outra, que veio a ser grande senhora,
teve as suas fraquezas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;

outra suicidou-se
não se sabe porquê.

A que sobeja
chamava-se Rosinha.
Foi essa que o meu pai levou à igreja.
Foi a minha mãezinha.

…………..

António Gedeão (Portugal)
(1906-1997)

domingo, 3 de maio de 2020