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quarta-feira, 28 de abril de 2021

Brasil - Tempos de Escravidão

 


Séculos antes do tráfico transatlântico de escravos, já os comerciantes árabes desciam ao sul do continente africano para adquirir e transportar mulheres e homens negros, através do deserto do Saara, até à bacia mediterrânica e à Península Arábica. A lei islâmica proibia a escravização de muçulmanos, mas não a de "infiéis", o que oferecia larga margem de manobra aos traficantes.

As aquisições faziam-se, por norma, em mercados especializados a sul do deserto saariano. Mais tarde seriam também abertas rotas marítimas pelo mar Vermelho e oceano Índico, ao longo das quais fluíam, desde a costa oriental africana, os carregamentos humanos até chegarem às mãos dos clientes finais (que podiam estar na Arábia, na Índia, em Malaca, em Java ou, até, na China).

Assim, com início logo no século VII, foram milhões os seres humanos arrancados ao longo dos anos ao seu meio, às suas famílias e à sua liberdade. Como sucederia depois com a investida dos europeus nas costas africanas (finais do século XV, século XVI e seguintes), os árabes conseguiam a maior parte da mercadoria humana através de relações comerciais mais ou menos pacíficas com muitas das elites africanas, assim tornadas cúmplices do nefando comércio.

A chegada dos europeus - com a sua entrada quase imediata no comércio firmemente implantado no território - não fez mais do que aumentar a sangria humana, elevando-a a patamares anteriormente impensáveis. Ainda não se tinha chegado a meio do século XVI quando os negros começaram a chegar ao Brasil - e a outras paragens colonizadas das Américas - às centenas e aos milhares. Depois, nos anos seguintes, até ao século XIX, os carregamentos subiram às centenas de milhares e aos milhões.

Portugueses, brasileiros, britânicos, franceses, espanhóis, holandeses e americanos, entre outros, fariam depender as suas economias coloniais dos braços fortes dos homens e das mulheres de África, muito mais resistentes e rentáveis do que os dos índios.



No Brasil, os escravos destinavam-se principalmente às plantações, às minas, aos engenhos de açúcar e aos serviços domésticos. Arrebanhados pela força, detidos a contragosto, sujeitos às arbitrariedades dos donos, por vezes revoltavam-se ou fugiam, saltitando de terra em terra ou refugiando-se nos quilombos (ver aqui).

Alguns eram perseguidos, capturados e punidos. Outros, escondidos, conseguiam manter uma liberdade periclitante, sempre ameaçada. Outros mudavam de senhor e de sorte, sendo vendidos, alugados ou emprestados. E, ainda outros, conseguiam não obstante, por sua inteligência e méritos, libertar-se das cadeias da escravidão e elevar-se socialmente, alcançando posições preponderantes.

A escravidão no Brasil durou séculos, prolongando-se mesmo para além da independência nacional (1822). Oficialmente extinguiu-se pela Lei Áurea (13 de Maio de 1888), legislação importante, mas que não extirpou completamente o flagelo.

No fim de tudo, e após o excruciante sofrimento de sucessivas gerações, os homens e as mulheres de África - e os seus descendentes - tinham dado um contributo fundamental para a construção do Brasil. Fizeram-no em todos os domínios e expressões culturais, como a demografia, a música, a economia, a religiosidade, a literatura, a gastronomia, o desporto, o falar colorido e a inconfundível fisionomia nacional. Em suma, em tudo quanto fez no passado, e faz ainda hoje, a multifacetada e admirável riqueza cultural e étnica do grande e bem-amado Brasil.

Saiba mais sobre a escravidão brasileira - aqui.





Capitão do mato, caçador de recompensas,
perseguidor de escravos fugitivos














Mercado de escravos, no Recife


















Zumbi
(Jorge Ben Jor)


Canto das Três Raças
(Clara Nunes)


sexta-feira, 16 de abril de 2021

A Esquerda e a Direita na política portuguesa (segundo Sophia de Mello Breyner)


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Nestes Últimos Tempos
 

Nestes últimos tempos
é certo
a esquerda fez erros
caiu em desmandos
confusões
praticou injustiças


Mas que diremos da longa
tenebrosa
e perita
degradação das coisas que a direita pratica?


Que diremos do lixo do seu luxo
— do seu viscoso gozo da nata da vida —
que diremos da sua feroz ganância
e fria possessão?


Que diremos da sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
e do utilitário uso dos seus ócios?


Que diremos de suas máscaras
álibis
e pretextos
De suas fintas
labirintos
e contextos?


Nestes últimos tempos
é certo
a esquerda muita vez
desfigurou as linhas do seu rosto


Mas que diremos da meticulosa
eficaz
expedita
degradação da vida que a direita pratica?


(Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas)



Inti Illimani
(Venceremos)




sexta-feira, 5 de março de 2021

Monangambé (O Contratado) - (Ruy Mingas - Angola)

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O poema é de António Jacinto.
Quem o canta é Ruy Mingas - a melhor voz de Angola.


Monangambé (O Contratado)

Naquela roça grande
não tem chuva
é o suor do meu rosto
que rega as plantações;

Naquela roça grande
tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado,
torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina
e em paga recebe desdém
fuba podre,
peixe podre,
panos ruins,
cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas,
carros,
senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande
- ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos
subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer
diluído nas minhas bebedeiras

- "Monangambéé...'"



quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O que ficará das figuras importantes que têm andado por este mundo?

..

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Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,

ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.

Compreende-se.

E até mesmo que já ninguém se lembre
que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)

com muitos faraós, 
todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,

e o Estrabão, o Artaxerxes,
e o Xenofonte, e o Heráclito,
e o desfiladeiro das Termópilas,
e a mulher do Péricles,
e a retirada dos dez mil,


e os reis de barbas encaracoladas
que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Epiro,
e conquistavam o Epiro e perdiam o Lácio,

e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,

e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio
e os poemas de António Gedeão.
 
Compreende-se.

Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.

Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.


E o nosso sofrimento para que serviu afinal? 
  (*)

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(*) - Poema do Alegre Desespero, António Gedeão, Portugal.

Oiça aqui:

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

"O Analfabeto Político" (Bertolt Brecht)

 

O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve,
não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.


Ele não sabe
que o custo de vida,
o preço do feijão,
do peixe,
da farinha,
do aluguer,
do sapato
e do remédio
dependem das decisões políticas.


O analfabeto político
é tão ignorante
que se orgulha
e estufa o peito
dizendo que odeia a política.

Não sabe o desgraçado
que da sua ignorância política
nasce a prostituta,
o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista,
o malandro,
o corrupto
o lacaio dos exploradores do povo.


(Bertolt Brecht)




Saiba mais sobre A Internacionalaqui

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Solidariedades capitalistas...

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"Há que ter em conta que a distância entre os que têm e os que não têm apenas tem paralelismo com a distância entre os que sabem e os que não sabem.
E os que não têm são os que não sabem: são condenados desde que nascem."
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(José Saramago: ‘La Navidad es una burbuja consumista que nos aísla del Apocalipsis”, Agencia EFE, Madrid, 25 de Dezembro de 2006)

terça-feira, 3 de março de 2020

"Se os Tubarões Fossem Homens" (Bertolt Brecht)


"Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentis com os peixes pequenos.
Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar para os peixes pequenos, com todos os tipos de alimentos, tanto vegetais, como animais.

Eles cuidariam de que as caixas tivessem água sempre renovada e adoptariam todas as providências sanitárias se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana: imediatamente colocariam uma ligadura a fim de que ele não morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam de vez em quando uma festa aquática, pois os peixes alegres sabem melhor do que os tristonhos.




Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas.
Nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões.
Eles aprenderiam, por exemplo, a usar a geografia para encontrarem os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí.

A aula principal seria naturalmente a da formação moral dos peixinhos.
Eles seriam ensinados de que o acto mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando estes dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos.

Meter-se-ia na cabeça dos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo o mais, os peixinhos deveriam guardar-se de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E cada peixinho denunciaria imediatamente aos tubarões aquele de entre eles que manifestasse essas inclinações.





Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros. As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos.
Eles ensinariam aos peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões, existem diferenças gigantescas.

Eles explicariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que se entendam uns com os outros.

Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua muda seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.



Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas goelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente.

Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as goelas dos tubarões.
A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes, e com a orquestra à frente, entrariam em massa para as goelas dos tubarões possuídos dos mais agradáveis pensamentos.
Também haveria uma religião ali. Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião.


E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida.
Além disso, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos. Alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros.
Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusivamente comer os menores, e isso seria muito agradável aos tubarões, pois estes obteriam assim, constantemente, maiores bocados para devorar.

E os peixinhos maiores que detivessem os cargos zelariam pela ordem entre os peixinhos, para que estes pudessem vir a ser professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante.
Curto e grosso, só então haveria civilização no mar - se os tubarões fossem homens."

…………..

(Bertolt Brecht)

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Parábola das Tristes Décadas

 .

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(Escrito no ano de 2010 pelo jornalista Baptista-Bastos, 1933-2017)


Há trinta e cinco anos que vocês nos manipulam,
nos dominam, nos mentem, nos omitem, nos desprezam.

Há trinta e cinco anos que nos roubam,
não só os bens imediatos de que carecemos,
como a esperança que alimenta as almas
e favorece os sonhos.

Há trinta e cinco anos que cometem o pior dos pecados,
aquele que consiste na imolação da nossa vida
em favor da vossa gordura.

Há trinta e cinco anos que traem a Deus e aos homens,
sem que a vossa boca se encha da lama da mentira.

Há trinta e cinco anos que criam
legiões e legiões de desempregados,
de desesperados,
de açoitados pelo azorrague da vossa indignidade.

Há trinta e cinco anos que tripudiam
sobre o que de mais sagrado existe em nós.

Há trinta e cinco anos que embalam as dores
de duas gerações de jovens,
e atiram-nos para as drogas, para o álcool,
para uma existência sem rumo, sem direcção e sem sentido.

Há trinta e cinco anos que caminham,
altaneiros e desprezíveis,
pelo lado oposto ao das coisas justas.
.
 
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Há trinta e cinco anos que são desonrados,
torpes, vergonhosos e impróprios.

Há trinta e cinco anos que, nas vossas luras e covis,
se acoitam os mais indecentes dos canalhas.

Há trinta e cinco anos que se alternam no mando,
e o mando é a distribuição de benesses,
prebendas, privilégios
entre vocês.

Há trinta e cinco anos que fazem subir as escarpas
da miséria e da fome
milhões de pessoas que em vocês melancolicamente
continuam a acreditar.

Há trinta e cinco anos que se protegem uns aos outros,
que se não incriminam, que se resguardam,
que se enriquecem,
que não permitem que uns e outros sejam presos
por crimes inomináveis.

Há trinta e cinco anos que vocês são sempre os mesmos,
embora com rostos diferentes.

Há trinta e cinco anos que os mesmos jornais,
sendo outros,
e os mesmos jornalistas de outra configuração,
sendo a mesma,
disfarçam as vossas infâmias,
ocultam as vossas ignomínias,
dissimulam a dimensão imensa dos vossos crimes.

Há trinta e cinco anos
sem vergonha,
sem pudor,
sem escrúpulo
e sem remorso.


.
Há trinta e cinco anos que não estão dispostos
a defender coisa alguma
que concilie o respeito mútuo com a dimensão colectiva.

Há trinta e cinco anos que praticam o desacato moral
contra a grandeza da justiça e a elevação do humano.

Há trinta e cinco anos que, com minúcia e zelo,
construíram um país só para vocês.

Há trinta e cinco anos que moldaram a exclusão social,
que esculpiram as várias faces da miséria e, agora,
sem recato e sem pejo,
um de vocês faz o discurso da indignação.

Há trinta e cinco anos começaram a edificar o medo,
e o medo está em todo o lado:
nas oficinas, nos escritórios,
nos entreolhares, nas frases murmuradas,
na cidade, na rua.
O medo está vigilante.
E está aqui mesmo, ao nosso lado.

Há trinta e cinco anos encenaram e negociaram,
conforme a situação,
o modo de criar novas submissões
e impor o registo das variantes que vos interessavam.

Há trinta e cinco anos engendraram,
sobre as nossas esperanças confusas,
uma outra história natural da pulhice.

Há trinta e cinco anos que traíram os testamentos legados,
que traíram os vossos mortos,
que traíram os vossos mártires.

Há trinta e cinco anos que asfixiam
o pensamento construtivo;
que liquidaram as referências norteadoras;
que escarneceram da nossa pessoal identidade;
que a vossa ascensão não corresponde ao vosso mérito;
que ignoram a conciliação entre semelhança e diferença;
que condenam a norma imperativa do equilíbrio social.

Riam-se, riam-se.
Vocês são uma gente que não presta para nada;
que não vale nada.

Malditos sejam!
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Baptista-Bastos

(Jornal de Negócios - Lisboa - Portugal - 23-Dez-2010)