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quinta-feira, 17 de julho de 2025

A Velha Contrabandista (Stanislaw Ponte Preta - Brasil)





Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás.
O pessoal da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
- É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco.
A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.

Mas o fiscal continuava desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba dentro daquele maldito saco.
No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai!
O fiscal examinou e era mesmo.
Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
- Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?
- O senhor promete que não "espalha"? - quis saber a velhinha.
- Juro - respondeu o fiscal.
- É lambreta - esclareceu a velhinha.


sábado, 29 de março de 2025

D. Pedro III de Portugal, pai de D. João VI - O "Capacidónio"






D. Pedro III foi Rei Consorte de Portugal, por ter casado com a herdeira do trono, a rainha D. Maria I (mãe de D. João VI).

Recorde-se que ela viria a falecer em 1816, no Brasil, com as faculdades mentais gravemente afectadas,  no período em que a Corte lusitana se instalara, para escapar a Napoleão Bonaparte, na cidade do Rio de Janeiro (1808-1821).

D. Pedro era tio de D. Maria I, por ser irmão do pai desta (o rei português D. José I, que tivera o famoso Marquês de Pombal como principal ministro).

Era, também, bastante mais velho do que a esposa e sobrinha (quase dezoito anos de diferença).

A historiografia não foi muito generosa para com esta figura relativamente apagada. Puseram-lhe em realce a beatice e duvidaram-lhe amiúde da inteligência e da capacidade governativa.

Quanto ao primeiro aspecto, Oliveira Martins chegou ao ponto de lhe chamar "sacristão"…


Rainha D. Maria I, de Portugal (1734-1816)
e o tio D. Pedro III, seu esposo e Rei Consorte (1717-1786)


Segundo os testemunhos disponíveis, D. Maria I terá sempre respeitado, e até amado, este seu tio e marido. Desejando pô-lo em destaque, mandou cunhar moedas de ouro com as efígies de ambos (eram as célebres peças de duas caras).

Tratou também de o convocar para reuniões de governo, onde se debatiam negócios públicos e inúmeras pretensões de uma multidão de requerentes.

Mas ele, de facto, não possuía bagagem intelectual para uma colaboração válida. Aflito, socorria-se, então, de um bordão, uma frase feita, que aplicava sempre que lhe solicitavam opiniões sobre uma eventual solução: Eu não vou por aí…

Isto não significava que ele pretendesse de alguma forma opor-se a esta ou àquela medida: queria apenas dizer que não tinha outra resposta. Limitava-se, assim, a pôr um ar grave e lá ia repetindo: Eu não vou por aí…
E dali não passava.




A razão da sua alcunha mais famosa teve origem em algo que ele também repetia com frequência.

Certa ocasião, D. Pedro terá escutado sobre certo indivíduo que este era capaz e idóneo para exercer determinado cargo.

Soando-lhe bem o que ouviu, passou a utilizar a expressão para qualificar quaisquer candidatos que lhe agradassem.

Porém, juntando incorrectamente as palavras que lhe tinham chegado aos ouvidos, dizia que eles eram capacidónios para os lugares pretendidos. Fulano é capacidónio para… Beltrana é capacidónia para…

E assim ficou D. Pedro III para todo o sempre lembrado como o Capacidónio

Fosse como fosse, D. Maria I foi-lhe dedicada até ao fim. Acredita-se, até, que a morte de D. Pedro III (em 1786) e a do primogénito e herdeiro de ambos, D. José (aos 27 anos, no ano de 1788) contribuíram decisivamente para o agravamento da instabilidade mental que havia de a conduzir à loucura.

A morte do primogénito D. José e a demência de D. Maria I acabariam por atirar para a ribalta um outro filho da rainha e de D. Pedro III: D. João, que todos conhecemos, primeiro, como Príncipe Regente, e, depois, como o rei D. João VI de Portugal, Brasil e Algarves...


Moeda de ouro
com as efígies de D. Maria I e D. Pedro III


Oiça, seguidamente, uma peça musical de Carlos Seixas,
compositor português da primeira metade do século XVIII:



segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

O RISO DE MÁRIO SOARES (1924-2017

 



 
"Uma vez, era ele Presidente e eu jornalista, encontrámo-nos entre cabinas de um avião, num voo presidencial sobrevoando a Ásia. Como sabia que ele gostava de anedotas, perguntei-lhe se sabia a anedota sobre a sua própria morte.
Respondeu-me que não e eu contei-lha:
.
Mário Soares morre e vai ter com São Pedro para pedir para entrar no Paraíso. Depois de consultar o seu computador, São Pedro responde-lhe que nem pensar: "Tu foste um pecador horrível, vais é para o Inferno!"

Mas Soares insiste, justifica os seus pecados, pede clemência. E São Pedro reconsidera: "OK, vou pôr-te à prova: durante dez anos, dia por dia, do acordar ao adormecer, tu vais estar sempre ligado à madre Teresa de Calcutá e sem nenhuma relação com mais quem quer que seja. E, daqui a dez anos, se te portares bem, logo se vê."

Sem nenhuma escapatória, Soares aceita. Mas, assim que arranca, de mão dada com a madre Teresa, vê Cavaco Silva de mão dada com Madonna. E, aí, Soares passa-se, volta atrás e diz a São Pedro: "Está bem que eu fui um grande pecador. Mas o Cavaco foi algum santinho para ter como penitência a Madonna?"
Ao que São Pedro lhe responde: "Calma, Mário, essa é a penitência da Madonna!"
.
Nessa noite, nesse avião, algures no céu da Ásia, Mário Soares ia-se engasgando a rir com a anedota que eu lhe contei sobre a sua morte. 
Estávamos os dois vivos, a Ásia estava lá em baixo e a morte era apenas uma anedota.
Mas não tenho a certeza se agora, voando lá em cima sobre o mundo, ele não estará a desafiar as regras estabelecidas da eternidade."
.
Narrado por Miguel Sousa Tavares na "E", Revista do jornal Expresso - Edição 2307, de 14 de Janeiro de 2017, pág. 16 - Número Especial inteiramente dedicado à figura de Mário Soares.
Título do artigo: "O Seu Nome, Liberdade".

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Jô Soares - Partiu o homem-espectáculo brasileiro

 

Jô Soares
Nasceu no Rio de Janeiro em 16 de Janeiro de 1938
Faleceu hoje, 5 de Agosto de 2022, em São Paulo (Brasil
)

Grande perda para o Brasil e, também, para Portugal - onde era tão admirado como estimado.

Jô Soares, como quase todos os brasileiros, não era um estrangeiro na pátria de Camões.

Saiba mais sobre ele aqui e relembre-o, em plena actividade, na entrevista abaixo, com Suzana Pires (onde também se fala de Portugal e dos portugueses)...




... e numa conversa com o humorista João Cláudio Moreno, cidadão do inesquecível Piauí:



terça-feira, 2 de agosto de 2022

Tempos de Infância (Henry Hintermeister - 1897/1970) - Estados Unidos da América

 








Parada dos Soldadinhos de Chumbo
(Leon Jessel)



























































































































































































































Saiba mais sobre Henry Hintermeister (ou Hy Hintermeister) - aqui


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Historinhas com Moral - "O Rei dos Animais"






"Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas.

Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar.

Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal.

Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses.





Assim, o Leão encontrou o Macaco e perguntou: Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?

O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: Claro que é você, Leão, claro que é você!






Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?

E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: Currupaco… Não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?.





Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?

Sim, és tu, disse a coruja.
Mas disse de sábia, não de crente.

E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça.







Encontrou o tigre.

Tigre - disse em voz de estentor -, eu sou o rei da floresta. Certo?

O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: Sim.

E rugiu ainda mais mal-humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.





Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante.

Perguntou: Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?

O elefante pegou-o com a tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro.

O Leão caiu no chão, tonto e ensanguentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado.

Moral:
Cada um tira dos acontecimentos a conclusão que bem entende. (*)



Millôr Fernandes

(*) Texto da autoria de Millôr Fernandes (Brasil, 1923-2012). Consta do seu livro "Fábulas Fabulosas".

Fonte: PROJETO RELEITURAS, de Arnaldo Nogueira Jr.

Música Africana
(Hukwe Zawose):


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Na Juventude de Eça de Queiroz (2)





(Continuação de 8-Janeiro-2022 - aqui)


“Muitas coisas preocupavam o Eça de Queiroz quando trabalhava.

Durante tempos só pôde escrever em certo almaço, que ele próprio ia comprar a uma pequena loja de chá e papel selado, no n.º 41 da Rua Larga de S. Roque.

Havia de sempre entrar no meu quarto com o pé direito, suspendendo-se por isso, no último momento, recuando o agourento pé esquerdo, quando este já inoportunamente se adiantasse (…).

Aterravam-no as correntes de ar, e andava continuamente a fechar a janela, ou as portas, a mudar a posição da cadeira onde se sentava, murmurando em voz cava:
- É a pneumonia, a congestão pulmonar fulminantea morte, menino!

A luz do candeeiro de petróleo que eu usava feria-lhe a vista; de modo que, a fim de concentrar a claridade sobre o papel em que escrevia, ou sobre o livro em leitura, prolongava, do seu lado, o abat-jour, com longas tiras de papel.

Não podia suportar poeira nas mãos e erguia-se amiúde da mesa para – interrompendo a composição, mas recitando em voz alta as frases já escritas – ir, cuidadosamente, lavar as pontas dos dedos.




Fumava cigarros sem cessar, enquanto compunha, inclinado sobre o papel que olhava muito de perto.

E, uma vez embebido nas suas criações, não falava, não escutava, não atendia a coisa alguma – embrulhando o cigarro, indo lavar as mãos ou fechar a porta, passeando pela casa, muito curvo, dando passadas altas e largas, fazendo gestos de dialogar com alguém invisível, resfolegando ruidosamente, abrindo muito os olhos, elevando e baixando nervosamente as sobrancelhas, as pálpebras, e as rugas horizontais da testa, onde ondulava, convulsa, a sua madeixa corredia, negra e triangular.

Escrevia com extrema facilidade e, nesta época, emendava muito pouco. As imagens, os epítetos ocorriam-lhe abundantes, tumultuosamente, e ele redigia rápido, insensível a repetições de palavras e rimas ou a desequilíbrio de períodos, sem exigências críticas de forma, aceitando, comovido, o que tão espontaneamente, tão sinceramente lhe ocorria.




Quando, nessas noites, ele me lia alguns dos seus Contos, a figura e a voz completavam-lhe as fantásticas criações.

Erguia-se quase nos bicos dos pés, de uma magreza esquelética, lívido – na penumbra das projecções do candeeiro – os olhos esburacados por sombras ao fundo das órbitas, sob as lunetas fumadas de aros pretos, o pescoço inverosimilmente prolongado, as faces cavadas, o nariz afilado, os braços lineares, intermináveis.

Então, com gestos de aparição e espanto, a voz lúgubre, sentimental – enfaticamente patética, ou gargalhando sinistramente – declamava.

Alta noite, quando a excitação do trabalho e do café nos havia quase alucinado, saíamos pelas ruas desertas do Bairro Alto – ou estendíamos as nossas explorações à Mouraria, à Alfama, em volta da Sé e pelas encostas mouriscas e fadistas do Castelo de São Jorge, a examinar a fisionomia fantástica, e quase humana, das casas antigas, algumas ainda então, nesses bairros, mais ou menos medievais.




(…) De ordinário, nas noites de composição e conversa mais absorventes, ou em seguida às nossas divagações peripatéticas, o Eça de Queiroz dormia em minha casa.

E havia, para ele, ritos determinados no modo de dispor a roupa que despia, antes de se deitar, colocando os punhos sobre uma mesa pela ordem por que os tinha usado, no braço direito e esquerdo, respectivamente, e dispondo as botas à porta – também, pelo mesmo método, ordenadamente emparelhadas - para que o meu criado as limpasse, de manhã, sem nos acordar.

E ao meter-se na cama, para explicar os seus movimentos supersticiosos, murmurava persignando-se:
- É preciso obedecer com fé e sem exame às leis subtis das coisas. Ninguém sabe exactamente, menino, de que possa depender o curso dos acontecimentos e o mistério complicado dos fados.




(…) De tempos a tempos, o Eça de Queiroz dizia-me:

- Estamo-nos tornando impressos. Basta de ler e imaginar. Precisamos dum banho de vida prática. É-nos indispensável o acto humano – inverosímil, se for possível –, a aventura, a lenda em acção, o herói palpável.
Vamos, pois, cear com o capitão João de Sá – o João de Sá Nogueira, d’Artagnan de África em Lisboa, com licença registada.

E íamos, com efeito, encontrar este nosso amigo, oficial do Ultramar, que à ceia nos contava – durante o bacalhau com batatas, o meio bife e o vinho Colares – as pitorescas aventuras das suas viagens pelos sertões de Angola.”


……………………..


FONTE: Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis – Cartas e Recordações do seu Convívio
Lello & Irmão – Editores – Porto (Portugal) – 1966 (Págs. 118 a 123)