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quinta-feira, 24 de junho de 2021

Foram ontem libertados os presos políticos da Catalunha (Catalunya)

 


Claro que eram presos políticos, como - lembrando o caso português - se escreveu aqui. Porém, ainda que fora da prisão, continuarão com os direitos cívicos e políticos gravemente limitados.

A direita espanhola, eterna e doentiamente saudosa da velha Castela imperial, promete reagir à bruta, como de costume. Reacção de escassa inteligência: não conseguem perceber que a procissão não passou ainda do adro e que os tempos não são já propícios aos adeptos das antigas leis "da enxovia e do garrote". 

Esperemos para ver, com especial atenção aos Catalães: muitos deles anunciam-se dispostos a ceifar grilhões, da mesma maneira que usam ceifar as espigas cor de ouro da sua bem-amada terra natal...

Veja pormenores da libertação dos presos - aqui.

Hino da Catalunha
(Els Segadors - Os Ceifeiros)
(Legendas em catalão e português)

sábado, 11 de julho de 2020

Os Espanhóis, os Cavalos e os Índios das Grandes Planícies da América do Norte

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Havia séculos que os Índios americanos habitavam as Grandes Planícies quando chegaram os Europeus.
E nada modificou tanto o seu modo de vida como a brusca aparição dos Espanhóis com os seus cavalos.
Nessa época, estes já se movimentavam há algum tempo a sul do território norte-americano, ali impondo, a ferro e fogo, o seu domínio (rever  aqui 1 e aqui 2).

Embora não se possa dizer, ao certo, de que forma se apoderaram os Índios dos seus primeiros cavalos, é provável que alguns animais feridos ou coxos tenham sido abandonados pelos Espanhóis. Outros, terão sido pura e simplesmente roubados.

Por exemplo, nos anos de 1540-1541, durante a espantosa expedição do espanhol Coronado - que, levado pela miragem do ouro, marchou desde o noroeste do México até ao Kansas -, foram perdidos alguns cavalos, muito provavelmente capturados pelos Índios.


Nos anos seguintes, tornou-se frequente que estes espantassem os cavalos dos invasores para de seguida lhes deitarem a mão.

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Estes animais acabariam por multiplicar-se nas Grandes Planícies americanas, pelo que, duzentos anos após a expedição de Coronado, praticamente todos os índios das pradarias se tinham tornado hábeis cavaleiros.

As pinturas rupestres de Newspaper Rock, no Estado do Utah, apresentam uma das mais antigas reproduções de índios a cavalo.

Desde que passaram a dispor deste meio de transporte, os Índios deixaram de percorrer a pradaria a pé em busca de alimentos e de água. Com os seus velozes corcéis, podiam agora caçar os búfalos com maior facilidade.




Havia sempre procura de novas montadas, em que guerreiros a cavalo, brandindo os seus laços, perseguiam e capturavam cavalos das manadas selvagens que vagueavam nas planícies.

Alguns cavalos eram especialmente treinados para as expedições de caça, enquanto outros se destinavam à guerra.

E foi montando estes animais, descendentes daqueles que os Espanhóis tinham levado séculos antes da Europa, que os Índios se tornaram temíveis adversários do avanço da colonização branca do Oeste Americano (como se exemplifica aqui 3 e aqui 4).


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(Canção tradicional dos índios Sioux):

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Catalunha (Catalunya) - São presos políticos, "por supuesto". Qual é a dúvida?...



Convenhamos: na Europa, ponderados os equilíbrios globais e regionais da presente arrumação político-económica, uma eventual independência catalã seria potencialmente catastrófica - e, portanto, é quase impossível que algum dia possa vir a ser tolerada.

Mas, dito isto, sobram do passado a consciência histórica e, vá lá, um dever de gratidão e a necessidade de alguma honestidade intelectual.  Aos que dizem que a Catalunha nunca foi independente e que, portanto, não lhe assiste o direito de reivindicar o que nunca teve, só pode dizer-se que respirem fundo, que se acalmem e que peguem nos livros de estudo...

A Catalunha formou, juntamente com Aragão, a chamada "Coroa de Aragão", tendo o processo começado quando Petronila, filha do rei de Aragão, se casou com Raimundo, conde de Barcelona.
Foi isto no ano de 1137, numa altura em que Castela (que fora, ao princípio, um modesto condado nortenho integrante do reino de Leão) ainda mal iniciava o processo de afirmação expansionista que levaria, ao correr dos séculos, à Espanha actual.

Só em 1230 Castela se uniria definitivamente ao reino de Leão para formar o reino de Leão e Castela, mais tarde Coroa de Castela.

À margem dessa entidade política, prosperava, com absoluta autonomia e independência política, a Coroa de Aragão (e, portanto, a Catalunha).

Imensamente mais poderosa e rica do que a vizinha Leão e Castela, a Coroa expandiu-se pelo Mediterrâneo. Integrando já Valência e Maiorca, e tendo Barcelona como sua estrela mais refulgente, esse império estendeu-se pela Sicília, Sardenha, reino de Nápoles e, na Grécia, pelos ducados de Atenas e de Neopatria.

Pode ter uma visão disto no mapa seguinte (espaços vermelho-acastanhados). Repare como Castela (em amarelo) se espremia, à esquerda, contra o flanco deste poderosíssimo império.



As coisas começariam a pender para o que são hoje quando o herdeiro do trono aragonês (Fernando) se casou com a (depois) rainha de Castela, Isabel (1469). Foram mais tarde conhecidos como os Reis Católicos.

Essa união pessoal não originou a imediata união ou fusão das duas coroas (Aragão e Castela), constituindo apenas um primeiro passo  para ela. Mas durante séculos as respectivas instituições e mecanismos de governo conservaram a autonomia: só nos princípios do século XVIII, através de uma série de decretos, foi a mesma abolida na Catalunha, tornando-se preponderante (e, sempre que foi preciso, ferozmente interveniente) a autoridade centrada em Madrid.
Porém, esse domínio "espanhol" nunca foi pacífico em terras da Catalunha.

É desta memória histórica que muitos dos que hoje se manifestam são portadores - sendo por causa da mesma memória que os cidadãos acima retratados definham na prisão sob o peso das sentenças recentemente baixadas. 

Nessa memória cabem igualmente os inúmeros abusos que o poder dominante foi perpetrando ao longo da história - desde cerceamento de direitos, supressão de leis autonomizantes e intervenções militares brutais, até (pasme só quem não conheça bem "Castela/Espanha"...) à proibição de falar, escrever ou publicar na própria língua (o Catalão). Isto ainda se passava há cerca de meio século...

Portugal - Dia 1 de Dezembro - Ano de 1640

Passemos agora ao que nos toca: Portugal poderia estar a viver hoje situação idêntica à dos Catalães.
Também tínhamos sido independentes durante séculos, como eles foram. Também detínhamos um império. Mas, caso Castela houvesse triunfado sobre nós, estaríamos agora a escrever palavras muito parecidas com estas, trocando apenas o mapa acima por um outro, mais virado ao Atlântico e ao Índico.

Seria talvez assim se o país não tivesse sacudido a pata imperial castelhana em diversas ocasiões (Aljubarrota, por exemplo).
Seria com certeza assim se, no ano de 1640, o país não tivesse expulsado o poder de Madrid, simbolizado pela duquesa de Mântua, entrando num período de vinte e oito anos de guerras para nos vermos livres de "Castela/Espanha" (ver aqui).

Consideram os estrategas lusos e, pelos vistos, a maioria dos que por aqui vão fazendo opinião, que uma independência catalã, ou outra tendência separatista de uma diferente região (potencialmente desagregadoras da Espanha que conhecemos), não nos convêm...

Sob um ângulo egoisticamente calculista, pode ser que sim.

Todavia, sempre que um qualquer português se sinta tentado a, por essa razão, censurar aqueles homens e mulheres agora condenados (bem como os que se apresentam, marchando com as suas bandeiras, nas ruas da Catalunha), é melhor que o faça baixinho e, já agora, com uma honesta dose de pudor.

É que os Portugueses devem em grande parte a sua liberdade e a sua independência aos antepassados desta gente.
O nosso golpe de 1640 dificilmente teria sido bem sucedido se "Castela/Espanha" não andasse por essa altura a dispersar os seus exércitos para enfrentar os que se lhe opunham na Europa e, em particular, para esmagar os que, na Catalunha, nesse mesmo ano, pugnavam, tal como Portugal, por reconquistar a independência perdida.

Nós ganhámos. Eles perderam - e continuam a perder até hoje.

Se não fosse isso, teríamos presumivelmente sido obrigados a passar pela humilhação - como eles passaram - de ter de renunciar ao nosso belo idioma para adoptar o dos nossos opressores.

"Por supuesto"...



sábado, 7 de setembro de 2019

Hernán Cortés e os Astecas - A Conquista do México pelos Espanhóis - 7.ª Parte (Conclusão)


Continuação de:

27-Julho-2019 - 1.ª parte (ver aqui)
03-Agosto-2019 - 2.ª parte (ver aqui)
10-Agosto-2019 - 3.ª parte (ver aqui)
17-Agosto-2019 - 4.ª parte (ver aqui)
24-Agosto-2019 - 5.ª parte (ver aqui)
31-Agosto-2019 - 6.ª parte (ver aqui)
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Por esta altura já não se discutia entre os Espanhóis sobre a necessidade de uma fuga urgente da cidade: interessava-lhes somente escolher o momento e a forma de a concretizar. No conselho de guerra que convocou, Cortés decidiu que a retirada começaria por volta da meia-noite de 30 de Junho, pelo caminho de Tlacopan (calçada de Tacuha). Para ultrapassar os vários cortes que os Astecas tinham feito nos passadiços que atravessavam o lago, ele ordenara a construção de uma ponte portátil de madeira, que um grupo de homens previamente designado transportaria, de corte em corte, à medida que o exército fosse progredindo. O objectivo consistia em alcançar o território aliado de Tlaxcala, para aí recuperar forças e preparar uma contra-ofensiva.

O comandante tratou em seguida do imenso tesouro acumulado ao longo da permanência em Tenochtitlán. O ouro fora transformado em barras, e a sua quantidade era tão grande que não seria possível transportá-lo na totalidade. Cortés reservou a sua parte, bem como o quinto devido à Coroa espanhola, e depois disse aos soldados que se apoderassem do que restasse. Mas recomendou que não exagerassem, para que não fossem estorvados pelo peso durante a marcha. Alguns seguiram o conselho, mas outros não - com destaque para os homens recrutados no exército de Narváez. Muitos deles pagariam cara a sua cobiça.

Dividindo as suas forças em três corpos, Cortés principiou a evasão à hora fixada, já no 1.º de Julho de 1520. A noite estava escura, chovia torrencialmente e a praça fronteira ao quartel achava-se deserta. Por isso, a primeira parte da marcha decorreu sem problemas. Repentinamente, quando a vanguarda dos fugitivos se achava já a meio caminho, soaram brados de alerta. Os Espanhóis, e os aliados Tlaxcaltecas, experimentaram então o inferno, e foi por isso que aquelas horas trágicas ficaram para sempre conhecidas como La Noche Triste (A Noite Triste).

Da obscuridade começou a elevar-se como que um longo sussurro, logo transformado numa gritaria de gelar o sangue. Servindo-se de canoas, milhares de Astecas surgiram então das águas do lago e, depois de descarregarem sobre os Espanhóis um dilúvio de pedras e flechas, treparam ao passadiço para lutarem corpo a corpo. Durante algum tempo, enquanto a ordem se pôde manter nas fileiras, os fugitivos foram aguentando o ataque. Mas cedo começaram os problemas. A ponte móvel, utilizada com sucesso no primeiro corte do passadiço, ficou enterrada no fundo do lago e não houve possibilidade de a fazer avançar para o segundo corte. E logo se instalou o pânico. Acometidos por guerreiros furiosos e sedentos de vingança, espanhóis e tlaxcaltecas já só pensavam em sobreviver. Os corpos de muitos deles juncavam o passadiço, misturados com os dos astecas. Canhões, arcabuzes, caixas de munições, bagagens, tesouros, tudo se foi perdendo na onda irreprimível, e muitos soldados cobiçosos acabaram afogados no lago sob o peso do ouro furtado em Tenochtitlán.

À custa de esforços sobre-humanos, e já com um número pavoroso de baixas, a vanguarda e o centro do exército invasor conseguiram alcançar as margens do lago. A retaguarda teve de retroceder para a cidade e aí pereceram todos, muitos deles sacrificados no templo.
Dona Marina (Malinche), a mulher e tradutora de Cortés, achava-se entre os sobreviventes. O comandante confiara a sua segurança a um destacamento de guerreiros tlaxcaltecas, que conseguiram milagrosamente fazê-la atravessar incólume por entre a confusão e a matança.
Diz-se que Cortés, já fora da cidade, com Malinche a seu lado, buscou descanso junto do tronco de uma árvore. Aí, ao ver passar os destroços do que fora um orgulhoso exército, deixou que as lágrimas lhe corressem pelo rosto. Não era para menos. Estatísticas credíveis, devidas ao seu capelão, traduzem com crueza a catástrofe daquela Noche Triste: tinham morrido cerca de 450 espanhóis e 4000 aliados tlaxcaltecas.

Para sorte dos Espanhóis, os Astecas, possivelmente retardados com o saque dos despojos, o enterro dos mortos e o sacrifício ritual dos prisioneiros, não os perseguiram de imediato. Todavia, ao sétimo dia de marcha para a segurança de Tlaxcala, depararam, nas planícies de Otumba, com milhares de índios decididos a finalizar o massacre iniciado em Tenochtitlán.
Cortés organizou como pôde as minguadas forças que lhe restavam, compostas por espanhóis e tlaxcaltecas, e dispôs-se a enfrentar aquele derradeiro obstáculo. A cavalaria, que ficara reduzida a cerca de vinte unidades depois das terríveis perdas na capital, conseguiu não obstante realizar prodígios, abrindo clareiras profundas nas filas compactas do inimigo. Mas Cortés foi de novo ferido, desta vez na cabeça.

Ao fim de umas horas ainda se combatia, e era a superioridade táctica dos Espanhóis, associada à sua disciplina, que lhes permitia prolongar o combate. No entanto, o exército inimigo era de tal forma numeroso, que seria quase impossível superá-lo. Cortés teve então uma inspiração. Avistando ao longe o cacique ou general inimigo - chamava-se Cihuaca e foi identificado pelo toucado de plumas, pela liteira em que se fazia transportar e pela bandeira dourada que simbolizava o seu comando -, resolveu transformá-lo no alvo principal. Chamando os seus melhores oficiais, como Alvarado, Olid, Sandoval e Ávila, todos a cavalo, pediu-lhes que o seguissem na investida. Cihuaca não teve nenhuma hipótese de evitar o ataque brutal. Cortés ultrapassou os que o guardavam e trespassou-o com a lança. Um jovem fidalgo, Juan Salamanca, desmontou rapidamente, acabou de liquidar o infeliz Cihuaca e arrebatou a bandeira de comando, que logo entregou a Cortés.

A notícia da morte do chefe índio, bem como a da perda da bandeira, logo se espalhou como um rastilho. Perdido o ânimo de combate, tomados de pavor, os índios puseram-se em fuga. Cortés ordenou a perseguição, e todos, Espanhóis e Tlaxcaltecas, se uniram numa matança impiedosa, que constituiu a primeira parte da vingança do que haviam padecido em Tenochtitlán.
Consumada a carnificina, os invasores dispersaram-se pelo campo de batalha coberto de cadáveres. Procuravam sobretudo os corpos dos chefes, por uma simples razão: como era habitual naquelas ocasiões, eles enfeitavam-se com as melhores jóias. Foi assim que os vencedores puderam recolher um espólio considerável.

Esta foi a célebre batalha de Otumba (ou de Otompan), travada em 7 de Julho de 1520. Após o triunfo, Cortés reuniu as suas destroçadas forças sob os estandartes vitoriosos e deu graças ao Senhor dos Exércitos. Depois puseram-se todos em marcha para Tlaxcala.


No ambiente hospitaleiro de Tlaxcala, Cortés e os seus comandados, agora reduzidos a um quinto do exército inicial, foram recuperando forças. Muitos pensavam que o comandante, face ao desastre sofrido em Tenochtitlán, desistiria do seu projecto. Mas não o conheciam bem. Obstinado, mais decidido do que nunca, ele empenhou-se em novos recrutamentos e na reorganização do exército.
Da colónia de Veracruz, que ele fundara e cujo controlo mantinha, começaram a chegar reforços. Alguns tinham sido enviados pelo governador de Cuba a Narváez, para que este concluísse a tarefa de meter Cortés na ordem. O governador, como é óbvio, ignorava o desaire sofrido pelo seu enviado. Os recém-chegados, inteirados da situação e seduzidos pelos relatos sobre as riquezas do território, não demoraram a passar-se para o lado do comandante.

Também atraídos pelo ouro a que poderiam deitar mão, chegaram aventureiros de proveniência diversa - e todos, ou quase todos, se deixaram entusiasmar pela contra-ofensiva que Cortés tinha em mente. Nos navios que aportavam a Veracruz vinham armas, cavalos e abastecimentos, e tudo isso foi convergindo para Tlaxcala.
O comandante providenciou o fabrico dos elementos necessários à construção de embarcações. Tencionava fazê-los transportar por carregadores até ao seu objectivo, e, aí chegado, ordenaria a sua montagem para poder manobrar contra as canoas do inimigo no lago onde se erguia a capital asteca.

Cortés deu finalmente ordem de marcha. O seu renovado exército contava agora com 600 soldados e 40 cavalos. Seguiam-no também mil guerreiros tlaxcaltecas, a quem ele mandara dar instrução militar segundo os padrões espanhóis. A 30 de Dezembro de 1520, os invasores tinham outra vez Tenochtitlán à vista. Mas Cortés aprendera a lição e não se precipitou. Durante os primeiros meses de 1521, procedeu ao reconhecimento do vale circundante, submeteu as povoações em torno do lago e cortou as vias de abastecimento à cidade.

As embarcações foram lançadas à água, e, a 26 de Maio, começou o cerco propriamente dito. Nesta altura, o chefe asteca era já outro - Cuauhtémoc (também conhecido por Cuauhtemotzin, ou Guatimozin), um jovem sobrinho do falecido Moctezuma. O soberano anterior, Cuitlahuac, perecera vítima da varíola trazida pelos europeus.
Os guerreiros de Cuauhtémoc assediavam quase diariamente os Espanhóis nos passadiços do lago e provocavam-lhes baixas consideráveis. Durante dois meses e meio resistiram, com as energias do desespero, ao maior poderio dos inimigos. Por diversas vezes, os Espanhóis conseguiram progredir quase até ao centro da cidade, mas tiveram sempre de retroceder face à fúria e à capacidade combativa dos Astecas. 
No entanto, parte da eficácia dos guerreiros de Cuauhtémoc saía diminuída pelo seu afã em capturar inimigos com vida, fossem espanhóis ou tlaxcaltecas: eles tinham a ideia fixa de os arrastar até à pedra dos sacrifícios, no templo, para lhes arrancarem os corações em oferenda aos seus deuses protectores.


Cortés recebera entretanto importantes reforços, provenientes de mais alguns desembarques em Veracruz: cerca de duas centenas de soldados, bem apetrechados de armas e munições, e setenta ou oitenta cavalos. Redobrando de esforços, intensificou os ataques, mas a progressão continuava lenta e muito arriscada. O próprio comandante escorregou num dos passadiços e, enquanto se debatia na água, foi atacado por um grande número de índios tripulando canoas. Estes podiam tê-lo liquidado facilmente, não fosse o desejo obsessivo de o capturarem com vida para o sacrificar. Isso deu oportunidade a que os seus homens o pudessem resgatar das mãos dos seis atléticos guerreiros que já o levavam para uma canoa. Cortés foi salvo, mas à custa de baixas pesadas. Morreram na acção centenas de tlaxtaltecas e 25 espanhóis, enquanto 66 se viram aprisionados pelos defensores da cidade - sendo logo encaminhados para um terrível destino.
Nesse mesmo dia, os invasores puderam assistir - sem que nada pudessem fazer - ao horroroso fim dos camaradas de armas, assim descrito por um dos seus cronistas:

Nessa noite, um coro lúgubre de tambores, conchas e chifres soou através do lago. Tudo junto fazia um ruído arrepiante, e, ao erguermos os olhos para o templo de onde o som nos chegava, vimos os nossos companheiros, que foram feitos prisioneiros ao tentarem defender Cortés, a serem obrigados a subir a escadaria do templo para serem imolados.
Tendo conseguido levá-los até ao espaço aberto em frente dos seus ídolos malditos, vimos que colocavam plumas na cabeça de muitos dos prisioneiros e que, com uma espécie de forquilha, os obrigavam a dançar perante o seu deus da guerra.
Quando os prisioneiros acabaram de dançar, os Astecas dobraram-nos para trás, apoiando-lhes as costas sobre umas pedras estreitas que usavam nos sacrifícios, e com facas de pedra abriram-lhes o peito, arrancaram-lhes os corações ainda a pulsar e ofereceram-nos aos ídolos. Em seguida, com pontapés, atiraram os cadáveres pelas escadas abaixo.

Este acto de vingança pode ter elevado momentaneamente o moral dos defensores astecas, pois eles desencadearam logo de seguida um assalto maciço às posições espanholas. Mas estas reagiram com intenso fogo de artilharia e de mosquetes que ocasionou brechas enormes nas vagas atacantes e as forçou a recuar.

Cortés chegou à conclusão de que a única forma de conquistar Tenochtitlán seria romper com os seus homens até à praça principal, protegendo os acessos à retaguarda, e, logo depois, lutar rua a rua pela cidade. E logo pôs em campo essa ideia. Para o sucesso da mesma contribuíram sobretudo duas coisas: o implacável desejo de vingança dos seus soldados, suscitado pelo macabro espectáculo que tinham presenciado no templo; e o progressivo enfraquecimento dos inimigos, cada vez mais debilitados pela fome.
O corte de abastecimentos à cidade começava enfim a dar frutos. Homens, mulheres e crianças arrastavam-se penosamente em busca de alimentos. Comiam o que podiam - raízes, cascas de árvores, insectos, musgo, vermes apanhados nas margens do lago. As ruas em breve ficaram pejadas de cadáveres - quer resultantes dos combates, quer, sobretudo, produzidos pela fome. A putrefacção dos corpos não tardou a provocar doenças, que mais dizimaram as fileiras dos defensores.

Cuauhtémoc, o soberano asteca, não dava apesar de tudo sinais de querer pôr termo à resistência. A sua capital estava cada vez mais reduzida a escombros, o seu exército desaparecia a olhos vistos, mas ele não cedia, nem mesmo quando Cortés suspendeu por algum tempo  os ataques e lhe ofereceu uma rendição honrosa. Este convite foi repetido em diferentes ocasiões, nalgumas delas apoiado por vários nobres astecas desejosos de paz. Mas Cuauhtémoc nunca apareceu para conferenciar com Cortés.

O comandante espanhol perdeu, finalmente, a paciência, e, no dia 13 de Agosto de 1521, ordenou o assalto derradeiro. Ordenara aos seus soldados que concedessem a vida a quem se rendesse, mas houve uma parte das forças que não lhe obedeceram - exactamente os aliados tlaxcaltecas, sequiosos do sangue dos seus inimigos de sempre. Nunca vi gente mais desapiedada nem homens tão cruéis como estes, diria Cortés acerca deles.

Cuauhtémoc foi por fim aprisionado, quando seguia, com a mulher e alguns fiéis, numa grande canoa. Pediu apenas duas coisas: que não fizessem mal à sua esposa (filha de Moctezuma) e, já na presença de Cortés, que este lhe pusesse termo à vida com o punhal que trazia à cintura. O comandante não lhe fez a vontade. Não precisava. Com a queda do último e corajoso imperador asteca, o México estava irremediavelmente nas mãos dos Espanhóis.

Cuauhtémoc sobreviveria mais de três anos àquele dia negro. Útil, ao princípio, no processo de subjugação dos povos mexicanos, foi-se tornando gradualmente num estorvo. Pela sua personalidade e pelo seu histórico de resistência, constituía um perigo potencial para os invasores. Por isso, Cortés não o perdia de vista, nem mesmo quando se deslocou com uma expedição às Honduras. Em circunstâncias duvidosas, Cuauhtémoc viu-se denunciado como cérebro de uma conspiração contra o comandante espanhol, acabando por ser executado em Fevereiro de 1525.

Cuauhtémoc, o último dos resistentes astecas (Cidade do México)

(FIM da 7.ª e última parte)

sábado, 31 de agosto de 2019

Hernán Cortés e os Astecas - A conquista do México pelos Espanhóis - 6.ª Parte


Continuação de:

27-Julho-2019 - 1.ª parte (ver aqui)
03-Agosto-2019 - 2.ª parte (ver aqui)
10-Agosto-2019 - 3.ª parte (ver aqui)
17-Agosto-2019 - 4.ª parte (ver aqui)
24-Agosto-2019 - 5.ª parte (ver aqui)
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Numa espécie de farsa trágica, Moctezuma foi acolhido nos aquartelamentos espanhóis com os maiores sinais de respeito. Deixaram-no escolher aposentos a seu gosto e rodear-se dos luxos habituais. Continuou acompanhado pelas suas mulheres e pelos servidores domésticos. A mesa era-lhe servida com a pompa e a abundância do costume. Nos dias seguintes, pôde continuar a receber os súbditos e a dar audiências como se estivesse no seu palácio.
Os invasores, por sua vez, persistiam nas demonstrações de respeito: ninguém, incluindo o comandante, se acercava dele sem destapar a cabeça e sem lhe prestar as honras devidas. Da mesma forma, ninguém se sentava na sua presença sem que ele autorizasse.

Estas demonstrações de acatamento não podiam esconder, todavia, o facto essencial: Moctezuma não era mais do que um refém dos Espanhóis. Provavam-no as extraordinárias medidas de segurança com que o rodeavam: diante do aquartelamento havia sempre, dia e noite, uma guarda de dezenas de homens, tal como sucedia nas imediações dos seus aposentos. E provou-o, também, a terrível sorte do governador Cuauhpopoca e dos quinze nobres que o acompanhavam, chegados finalmente a Tenochtitlán. Julgados num processo sumaríssimo conduzido por Cortés, foram todos condenados a morrer na fogueira, sentença logo executada na praça fronteira ao aquartelamento. Moctezuma, como é evidente, nada pôde fazer.

Cortés sentiu-se suficientemente forte para exigir de Moctezuma o reconhecimento da soberania do rei de Espanha. O imperador, como que vivendo um pesadelo, acabou por aceder, diante dos seus nobres, a mais esta imposição. Tal como concordou em pagar tributo àquele desconhecido e misterioso monarca que vivia do outro lado dos mares. Por sua parte, entregou sem demora o tesouro que fora do seu pai. E os seus arrecadadores de impostos espalharam-se pelo império a recolher ouro e prata para os invasores. 
Como remate deste longo processo de extorsão e humilhações, os Espanhóis obtiveram autorização do imperador - ainda que relutante - para instalar um altar cristão no grande templo onde os Astecas continuavam a adorar os "ídolos malditos".

Subitamente, um novo e distante acontecimento veio captar a atenção e as preocupações de Cortés. Com efeito, chegou-lhe a notícia de que, no litoral, próximo de Veracruz, desembarcara Pánfilo de Narváez, enviado pelo governador de Cuba - com 19 navios e um exército de quase mil homens - para o submeter à sua autoridade.
O comandante não perdeu tempo. Deixando um dos subordinados, Pedro de Alvarado (futuro conquistador da Guatemala), à testa da guarnição em Tenochtitlán, partiu para a costa com uma centena de homens. Quando localizou as forças de Narváez, em Cempoala, resolveu agir de surpresa e atacou-as durante a noite, sob chuva torrencial. A vitória foi total. Narváez, que perdeu um dos olhos no combate, acabou aprisionado. Cortés conseguiu depois uma coisa muito importante: à custa de promessas de ouro, a maior parte das tropas de Narváez passou para o seu lado.

Na altura em que se preparava para regressar a Tenochtitlán, o comandante recebeu a notícia de que os Astecas tinham montado cerco à guarnição chefiada por Pedro de Alvarado. Apressando a viagem, deu entrada na capital no dia 24 de Junho de 1520 e chegou ao seu quartel sem deparar com qualquer resistência.


Cortés foi então informado de que, na sua ausência, as tropas de Pedro de Alvarado tinham levado a cabo o horroroso massacre de seis centenas de nobres astecas enquanto eles se entregavam, no templo, a cerimónias rituais em honra dos seus deuses. Alvarado explicou ao comandante que receara um levantamento dos índios e que resolvera antecipar-se. Mas a sua versão foi posta em dúvida até hoje. Primeiro, porque a cerimónia asteca fora precedida de um pedido de autorização a que ele próprio anuíra; segundo, porque as vítimas se achavam desarmadas e indefesas; terceiro, porque o que se seguiu ao massacre não passou de um assalto, em que as vítimas foram despojadas das suas jóias pela soldadesca espanhola.
Cortés reagiu com aspereza às justificações de Alvarado. Disse-lhe que procedera mal e que não fora digno da confiança que nele depositara - em síntese, que ele se havia conduzido como um louco. Contudo, e embora lhe tivesse voltado as costas na ocasião, não se pôde dar ao luxo de dispensar os serviços de um oficial daquela têmpera. 

Fosse como fosse, aquele dia - em que pereceu a fina flor da nobreza asteca - marcou uma importante viragem nas relações entre a população da cidade e os invasores. O ódio, longamente sustido por um medo supersticioso, soltou-se de vez: o ambiente da cidade tornou-se hostil para com os brancos e deixou de lhes ser fornecida alimentação. Foi até concretizado um primeiro, ainda que mal sucedido, ataque ao quartel. Quando Cortés reentrou na cidade, a situação mantinha-se tensa e não se adivinhava nada de bom para os Espanhóis. Ouviam-se ao longe, pela primeira vez, ameaçadores gritos de guerra. Grupos de populares empenhavam-se em destruir as pontes levadiças dos passadiços por forma a impedir a eventual fuga dos agressores.
O comandante sentiu que a situação se tornaria em breve insustentável, não tanto sob o ponto de vista militar - o quartel-general estava rodeado por um muro de pedra eriçado de canhões e arcabuzes - mas por razões de abastecimento: ele tinha agora que alimentar diariamente mais de mil soldados, bem como milhares de aliados tlaxcaltecas, e não via forma de o fazer.

Na madrugada seguinte, soou o alerta: aproximava-se uma enorme multidão ululante, encabeçada por aquele que os Astecas - na ausência de Moctezuma - pareciam ter escolhido como novo chefe: Cuitlahuac, irmão do imperador, desde sempre partidário da guerra contra os estrangeiros. Cortés, quando viu o inimigo a distância conveniente, deu ordem de fogo, lançando a confusão e o pânico nas linhas avançadas dos atacantes. Mas logo surgiram novas ondas de guerreiros, passando por cima de mortos e feridos, gritando e disparando setas incendiárias. Ao mesmo tempo, postadas nos telhados fronteiros, mulheres e crianças faziam tombar sobre os invasores uma chuva de pedras. A luta prolongou-se por todo o dia, mas o quartel espanhol logrou aguentar-se. Cortés, protegido por intenso fogo de artilharia, realizou uma surtida com a cavalaria e com centenas de guerreiros tlaxcaltecas, mas a oposição asteca foi tão feroz que ele teve que retroceder para o quartel após sofrer algumas baixas mortais.
O comandante, que até então menosprezara a capacidade militar daquele povo, compreendeu que tentar uma evasão de Tenochtitlán em tais condições constituiria um suicídio. Ele próprio recebera na refrega desse dia uma grave ferida na mão. Resolveu, por isso, pedir ajuda àquele que mais razões teria para recusá-la - o imperador Moctezuma.


O comandante, auxiliado pelo padre Olmedo, solicitou então ao soberano asteca que intercedesse junto do povo para que este permitisse aos Espanhóis uma saída pacífica da capital. Moctezuma respondeu com tristeza que o povo já não acreditava nele e muito menos nas promessas dos brancos. É impossível que possais sair daqui com vida, rematou. Cortés insistiu no pedido, e de tal maneira o fez que o imperador, exausto, concordou em dirigir-se ao povo.

Quando Moctezuma surgiu no topo do palácio, com as suas vestes e insígnias imperiais, fez-se um silêncio sepulcral entre a multidão que cercava o edifício. Alguns arrojaram-se ao solo em sinal de respeito. O imperador, em termos extremamente afectuosos, procurou falar ao coração dos que o ouviam. A sua intenção, segundo crêem muitos historiadores, residia sobretudo em poupar as vidas dos seus súbditos - e não as dos Espanhóis. Por isso, numa suprema tentativa de apaziguamento, insistiu na versão de que não se achava cativo, mas que, pelo contrário, poderia abandonar aquele quartel quando lhe aprouvesse. Os brancos - prosseguiu - eram seus hóspedes e estavam agora na disposição de se irem embora. Era portanto necessário que o povo lhes desimpedisse a passagem e os deixasse partir em paz. Concluiu dizendo que todos deviam depor as armas e voltar às suas casas: logo que os hóspedes partissem, tudo voltaria a ser como dantes em Tenochtitlán.

As palavras de Moctezuma produziram uma reacção contrária à desejada. Após um surdo murmúrio de mau agouro, ergueu-se da multidão uma ensurdecedora vozearia de protesto, e tudo o que restava da submissão e da reverência devidas ao imperador se desfez naquele instante. Ele tinha razão: ninguém confiava já nas suas palavras e todos o consideravam, como amigo dos Espanhóis, um traidor do seu povo. A escolta espanhola, iludida pelo silêncio, aparentemente respeitoso, com que o discurso do soberano fora escutado, nada pôde fazer para o proteger do dilúvio de setas e pedradas que caíram sobre ele. Moctezuma sofreu vários ferimentos graves e tombou por terra, inanimado.
Como que aterrados pelo sacrilégio que acabavam de cometer, os sitiadores do quartel soltaram um imenso grito de espanto e deitaram a correr em todas as direcções. Em pouco tempo, da multidão que enchia a praça não ficou um só homem ou mulher.

Moctezuma fora entretanto transportado para os seus aposentos. Quando recuperou os sentidos, mergulhou num mutismo absoluto. Rejeitou os tratamentos que os Espanhóis lhe queriam ministrar e também recusou alimentar-se. Consciente do ponto de degradação a que chegara aos olhos do seu próprio povo, só ambicionava despedir-se da vida. Os Espanhóis, vendo que o seu estado se agravava nos dias seguintes, insistiram para que se convertesse à religião cristã. O imperador quebrou o silêncio para dizer ao padre Olmedo, que o acompanhava junto do leito empunhando um crucifixo, que jamais abandonaria a religião dos seus avós. Moribundo, voltou a falar para rogar a Cortés que protegesse os seus filhos. Expirou, em fins de Junho de 1520, nos braços de alguns nobres astecas que se lhe tinham mantido fiéis até ao derradeiro instante.

Continua em 7-Setembro-2019  (7.ª Parte - Conclusão - ver aqui)