quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Catalunha (Catalunya) - São presos políticos, "por supuesto". Qual é a dúvida?...



Convenhamos: na Europa, ponderados os equilíbrios globais e regionais da presente arrumação político-económica, uma eventual independência catalã seria potencialmente catastrófica - e, portanto, é quase impossível que algum dia possa vir a ser tolerada.

Mas, dito isto, sobram do passado a consciência histórica e, vá lá, um dever de gratidão e a necessidade de alguma honestidade intelectual.  Aos que dizem que a Catalunha nunca foi independente e que, portanto, não lhe assiste o direito de reivindicar o que nunca teve, só pode dizer-se que respirem fundo, que se acalmem e que peguem nos livros de estudo...

A Catalunha formou, juntamente com Aragão, a chamada "Coroa de Aragão", tendo o processo começado quando Petronila, filha do rei de Aragão, se casou com Raimundo, conde de Barcelona.
Foi isto no ano de 1137, numa altura em que Castela (que fora, ao princípio, um modesto condado nortenho integrante do reino de Leão) ainda mal iniciava o processo de afirmação expansionista que levaria, ao correr dos séculos, à Espanha actual.

Só em 1230 Castela se uniria definitivamente ao reino de Leão para formar o reino de Leão e Castela, mais tarde Coroa de Castela.

À margem dessa entidade política, prosperava, com absoluta autonomia e independência política, a Coroa de Aragão (e, portanto, a Catalunha).

Imensamente mais poderosa e rica do que a vizinha Leão e Castela, a Coroa expandiu-se pelo Mediterrâneo. Integrando já Valência e Maiorca, e tendo Barcelona como sua estrela mais refulgente, esse império estendeu-se pela Sicília, Sardenha, reino de Nápoles e, na Grécia, pelos ducados de Atenas e de Neopatria.

Pode ter uma visão disto no mapa seguinte (espaços vermelho-acastanhados). Repare como Castela (em amarelo) se espremia, à esquerda, contra o flanco deste poderosíssimo império.



As coisas começariam a pender para o que são hoje quando o herdeiro do trono aragonês (Fernando) se casou com a (depois) rainha de Castela, Isabel (1469). Foram mais tarde conhecidos como os Reis Católicos.

Essa união pessoal não originou a imediata união ou fusão das duas coroas (Aragão e Castela), constituindo apenas um primeiro passo  para ela. Mas durante séculos as respectivas instituições e mecanismos de governo conservaram a autonomia: só nos princípios do século XVIII, através de uma série de decretos, foi a mesma abolida na Catalunha, tornando-se preponderante (e, sempre que foi preciso, ferozmente interveniente) a autoridade centrada em Madrid.
Porém, esse domínio "espanhol" nunca foi pacífico em terras da Catalunha.

É desta memória histórica que muitos dos que hoje se manifestam são portadores - sendo por causa da mesma memória que os cidadãos acima retratados definham na prisão sob o peso das sentenças recentemente baixadas. 

Nessa memória cabem igualmente os inúmeros abusos que o poder dominante foi perpetrando ao longo da história - desde cerceamento de direitos, supressão de leis autonomizantes e intervenções militares brutais, até (pasme só quem não conheça bem "Castela/Espanha"...) à proibição de falar, escrever ou publicar na própria língua (o Catalão). Isto ainda se passava há cerca de meio século...

Portugal - Dia 1 de Dezembro - Ano de 1640

Passemos agora ao que nos toca: Portugal poderia estar a viver hoje situação idêntica à dos Catalães.
Também tínhamos sido independentes durante séculos, como eles foram. Também detínhamos um império. Mas, caso Castela houvesse triunfado sobre nós, estaríamos agora a escrever palavras muito parecidas com estas, trocando apenas o mapa acima por um outro, mais virado ao Atlântico e ao Índico.

Seria talvez assim se o país não tivesse sacudido a pata imperial castelhana em diversas ocasiões (Aljubarrota, por exemplo).
Seria com certeza assim se, no ano de 1640, o país não tivesse expulsado o poder de Madrid, simbolizado pela duquesa de Mântua, entrando num período de vinte e oito anos de guerras para nos vermos livres de "Castela/Espanha" (ver aqui).

Consideram os estrategas lusos e, pelos vistos, a maioria dos que por aqui vão fazendo opinião, que uma independência catalã, ou outra tendência separatista de uma diferente região (potencialmente desagregadoras da Espanha que conhecemos), não nos convêm...

Sob um ângulo egoisticamente calculista, pode ser que sim.

Todavia, sempre que um qualquer português se sinta tentado a, por essa razão, censurar aqueles homens e mulheres agora condenados (bem como os que se apresentam, marchando com as suas bandeiras, nas ruas da Catalunha), é melhor que o faça baixinho e, já agora, com uma honesta dose de pudor.

É que os Portugueses devem em grande parte a sua liberdade e a sua independência aos antepassados desta gente.
O nosso golpe de 1640 dificilmente teria sido bem sucedido se "Castela/Espanha" não andasse por essa altura a dispersar os seus exércitos para enfrentar os que se lhe opunham na Europa e, em particular, para esmagar os que, na Catalunha, nesse mesmo ano, pugnavam, tal como Portugal, por reconquistar a independência perdida.

Nós ganhámos. Eles perderam - e continuam a perder até hoje.

Se não fosse isso, teríamos presumivelmente sido obrigados a passar pela humilhação - como eles passaram - de ter de renunciar ao nosso belo idioma para adoptar o dos nossos opressores.

"Por supuesto"...



2 comentários:

Vergilio disse...

Concordo!
Cumprimentos pelo seu excelente blogue que sigo de há muito.
Vergílio.

Cavaleiro da Torre disse...


Vergílio, agradeço e retribuo os cumprimentos. Espero continuar a merecer o seu interesse. Um abraço.