sábado, 12 de outubro de 2019

Apache! (Episódios da resistência dos povos do sudoeste norte-americano) (1)


Os Apaches, não obstante o seu número relativamente reduzido, lutaram com ferocidade, durante séculos, contra os estrangeiros que, vaga após vaga, devassavam as suas terras - uma extensa região compreendida entre o sudeste da Califórnia e o oeste do Texas e o nordeste do Arizona e o norte do México.
Primeiro fizeram frente aos Espanhóis, com os quais aprenderam técnicas refinadas de tortura e mutilações. Foram alunos aplicados e tornaram-se exímios seguidores dessas práticas, incorporando-as nas suas actividades de resistência e transmitindo-as de geração em geração. Combateram depois os Mexicanos, ainda que não lograssem expulsar de vez qualquer dos inimigos.
Nos finais da primeira metade do século XIX chegaram outros adversários, infinitamente mais poderosos e letais, os Norte-Americanos, que organizaram pouco depois a primeira campanha em forma contra eles (1851). Deste modo se inaugurou um longo ciclo de conflitos (as Guerras Apache), que se arrastaria, com intermitências, até quase ao fim do século.

Do lado dos Apaches, sub-divididos em diversas tribos (Chiricahua, Mescalero, Lipan, Jicarilla, etc.), sobressaíram chefes notáveis, de que ainda se recordam, com ressonâncias míticas, as vidas, os feitos e os nomes: Mangas Coloradas (1793-1863), Cochise (cerca de 1810-1874), Victorio (1825-1880) e Nana (1800?-1896). E, ainda, Gerónimo (1829-1909), o último dos grandes resistentes).



Os períodos de guerrilha apache eram esporadicamente interrompidos por conversações com as autoridades norte-americanas, de que resultavam acordos de paz. Mas, regra geral, esses tempos de acalmia revelavam-se efémeros - e as culpas podem repartir-se pelos dois lados. Nalgumas ocasiões, garimpeiros ambiciosos, atraídos pelo ouro daquelas terras, impunham a sua presença a ferro e fogo. Famílias de colonos deambulavam também pela região, atraindo a animosidade dos índios. Assaltos a caravanas e a propriedades, realizados por estes, tornaram-se frequentes, com o seu cortejo de roubos e massacres.
A partir de certa altura, a política do governo americano implicou a remoção dos Apaches (e de outras tribos) para as chamadas "reservas", o que só serviu para intensificar os ódios e a vontade de resistência dos nativos, muitos dos quais se evadiam dessas "prisões sem grades" à primeira oportunidade.
A precipitação e a inabilidade de alguns agentes governamentais, responsáveis por abusos e injustiças gritantes, originavam amiúde verdadeiras tragédias, como sucedeu, por exemplo, com Cochise (genro de Mangas Coloradas).



Cochise


Cochise era um chefe apache chiricahua, alto, entroncado, bem-parecido e inteligente. Os brancos que o conheceram elogiaram-lhe as boas maneiras e relataram que era muito asseado e cuidadoso da sua aparência. Na altura em que os Americanos chegaram ao Arizona, ele recebeu-os bem, não lhes dando quaisquer razões de queixa. Em 1856 chegou mesmo a um acordo com o major Steen, do 1.ª Regimento de Dragões dos Estados Unidos, prometendo deixar que os americanos atravessassem pacificamente as terras chiricahuas na sua marcha para a Califórnia. Não viu também inconveniente em que o Butterfield Overland Mail instalasse uma estação de diligências em Apache Pass. Pelo contrário: a troco de provisões, os chiricahuas concordaram em cortar madeira para a estação.

A tragédia começou a esboçar-se em Fevereiro de 1861, quando um oficial americano - o tenente George Bascom - solicitou a presença de Cochise na estação de Apache Pass. Completamente desprevenido, o chefe índio compareceu ao encontro acompanhado por cinco membros da sua família - um irmão, dois sobrinhos, uma mulher e uma criança.
Mal deu entrada em Apache Pass, viu-se cercado por uma dúzia de soldados, enquanto o tenente Bascom lhe atribuía crimes graves: assalto ao rancho de John Ward, roubo de gado e rapto de um menino mestiço residente no rancho.
Cochise ficou incrédulo com a acusação. Quando percebeu que o militar estava a falar a sério, ofereceu-se para colaborar na recuperação do gado e da criança (o assalto fora perpetrado por um bando de coyoteros, índios errantes que raziavam o território). Bascom não só rejeitou a proposta, como deu voz de prisão ao chefe índio e aos acompanhantes, afirmando que só os libertaria quando o gado e a criança voltassem ao rancho de John Ward.


Cochise resistiu à prisão. Com um golpe de punhal rasgou o pano da tenda em que se encontravam e, apesar de ferido, conseguiu fugir sob uma chuva de balas. Os seus parentes ficaram nas mãos dos americanos. Furioso com o procedimento destes, reuniu os guerreiros e não tardou a capturar três brancos, que se propôs trocar pela sua gente. Bascom insistiu teimosamente nas exigências: não largaria os reféns apaches sem que o gado e a criança fossem devolvidos. O episódio acabaria da pior maneira. Cochise torturou e matou os seus três prisioneiros; o tenente Bascom mandou enforcar os sobrinhos e o irmão do chefe índio.

Diz-se que foi depois destes acontecimentos que os Apaches Chiricahuas transferiram para os Americanos o ódio que tinham votado aos Espanhóis. Durante o quarto de século que se seguiu, eles - e as demais tribos apaches - desencadearam campanhas de guerrilha que custaram aos brancos, em vidas e dinheiro, bastante mais do que qualquer outra das guerras índias.

Cochise, sedento de vingança, juntou as suas forças às do sogro, Mangas Coloradas, ainda um grande guerreiro nessa época (1861) apesar dos seus quase 70 anos. O objectivo comum consistia em afastar definitivamente os Americanos da sua terra natal.
Foram atacadas, e por vezes destroçadas, inúmeras caravanas de colonos. O tráfego das diligências e dos correios sofreu interrupções prolongadas. Centenas de mineiros brancos tiveram de deixar precipitadamente a região compreendida entre as montanhas Chiricahua e as Mogollons, e alguns deles perderam a vida antes de poderem escapar.

Batalha de Apache Pass

Durante a Guerra Civil americana (1861-1865), Mangas e Cochise tiveram recontros com os beligerantes que passavam ou estacionavam no território - primeiro com os Confederados (os Casacos Cinza), depois com as tropas da União (os Casacos Azuis).
Num desses combates com os Casacos Azuis, perto de Apache Pass, os militares americanos fizeram uso de peças de artilharia de grande calibre, muito mais poderosas do que os pequenos canhões que os Espanhóis tinham utilizado contra os Apaches. As forças de Cochise e de Mangas Coloradas sofreram na ocasião mais de 60 baixas mortais. Na perseguição a um pelotão de soldados desgarrado, Mangas foi gravemente ferido no peito e tombou do cavalo.

Desalentados com a perda do seu chefe, os Apaches cessaram a luta e retiraram para as montanhas com ele. Mas Cochise fez tudo para não deixar morrer o seu respeitado e famoso sogro. Colocou-o numa padiola e, acompanhado por uma escolta de guerreiros, cavalgou mais de 150 quilómetros para sul, através do México, até chegar à aldeia de Janos, onde habitava um médico famoso. As palavras que dirigiu a este foram breves, mas claríssimas: Cura-o. Se ele morrer, esta aldeia morrerá com ele.
Mangas Coloradas salvou-se, e com isso se salvaram o médico e a aldeia. Alguns meses mais tarde, o velho guerreiro estava de volta às suas montanhas Mimbres.

(Continua em 19-Outubro-2019)


Bibliografia:
Principal:
Dee Brown - Bury My Heart at Wounded Knee - An Indian History of the American West - 1970.
Outros:
Albert Britt - Great Indian Chiefs - 1938.
Britton Davis - The Truth About Geronimo - 1951.
John C. Cremony - Life Among the Apaches - 1868.
John G. Bourke - An Apache Campaign in the Sierra Madre - 1958.

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