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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

António Costa e Partido Socialista - Uma vitória eleitoral esmagadora!

 


António Costa e o Partido Socialista (PS) obtiveram nas eleições antecipadas de ontem um triunfo espectacular, recebendo do povo a maioria parlamentar absoluta que lhes vai permitir governar Portugal sem dependências de forças políticas irresponsáveis e bloqueadoras.

Essas tais forças políticas - o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista (PC) - têm constituído o indispensável aliado da direita para esta se alcandorar ao poder (sucedeu em 2011 e muitos esperavam que ocorresse agora).

Ombro a ombro com a direita, BE e PC ajudaram mais uma vez a derrubar o governo, provocando estas eleições. Foram, por isso, exemplar e muito justamente punidos pelo eleitorado, farto de os ver "apunhalar pelas costas" o melhor primeiro-ministro que o país teve em democracia. Perderam votos, perderam deputados e, agora, quando se deslocarem até à Assembleia da República, já nem conseguem encher três táxis...

A direita clássica (Partido Social-Democrata) teve uma derrota de dimensão não prevista por nenhuma das cada vez mais surpreendentes (e suspeitas) sondagens. Custa a crer que seja só incompetência...

O pobre CDS desapareceu. Era de prever, dada a sua subalternidade em relação ao PSD.

Voltando a António Costa: ele confirmou, nos seis anos que leva de governo (em que, nos dois últimos, teve de acumular as funções "normais" com a luta contra uma pandemia devastadora), a enorme qualidade que se lhe reconhece como político e governante (reveja aqui 1 e aqui 2).

É inteligente, honesto, humanista, dialogante, resistente e, sobretudo, digno de confiança. A sua maioria absoluta não mete medo a ninguém e confere ao país a estabilidade de que necessita para enfrentar as dificuldades e rumar firmemente a um futuro melhor para todos os portugueses.

Hino do Partido Socialista
("Socialismo em Liberdade"):

A Internacional:



sábado, 23 de outubro de 2021

Um herói universal - Aristides de Sousa Mendes no Panteão Nacional (Lisboa)

 

Aristides de Sousa Mendes (1885-1954)

Na passada 3.ª feira, 19 de Outubro, deram entrada no Panteão Nacional de Lisboa, em justíssima homenagem, os restos mortais do antigo diplomata português Aristides de Sousa Mendes.

Nascido em Cabanas de Viriato (distrito de Viseu), Sousa Mendes era, em 1940, cônsul de Portugal em Bordéus.

Com o avanço e o triunfo das tropas alemãs em França, milhares de refugiados, maioritariamente judeus, acorreram àquela cidade e procuraram obter vistos de saída que lhes permitissem escapar à perseguição das hordas nazis.

Nesse tempo, Portugal era governado por Salazar, que havia declarado a neutralidade do país face ao conflito em curso. Sousa Mendes estava assim proibido de conceder vistos de entrada em Portugal.

A consciência do diplomata e os seus valores humanitários acabaram por impor-se. Consciente de que arriscava a carreira e a tranquilidade familiar, Sousa Mendes desobedeceu ao ditador português e concedeu, por sua iniciativa, milhares de vistos que salvaram outras tantas vidas e possibilitariam, no futuro, a constituição de famílias que, sem ele, nunca teriam existido.

Salazar não perdoaria o gesto sublime - que, para ele, não passara de um acto de intolerável rebeldia.

Aristides de Sousa Mendes acabaria exonerado e perseguido, sendo praticamente impedido de ganhar a vida em Portugal. Morreria pobre e só, num hospital de Lisboa.

Em Israel, há muito sabiam do que lhe era devido. Por isso o consideraram Justo entre as nações e plantaram árvores em sua memória.

Em Portugal, o reconhecimento do seu gesto ímpar foi chegando com maior lentidão, vários anos depois da revolução de Abril de 1974.

A homenagem agora prestada, com a transladação para o Panteão Nacional, chega 67 anos depois da sua morte...

Saiba mais sobre este homem admirável, que honrou Portugal e se tornou expoente dos melhores e mais puros valores universais - aqui.


Panteão Nacional (Lisboa)
A nova e justa casa de Aristides de Sousa Mendes


A cerimónia da transladação foi acompanhada por intervenções do coro do Teatro de S. Carlos, que interpretou vários excertos do Requiem de Gabriel Fauré. Um deles foi o In Paradisum, que aqui lembramos:


sábado, 16 de outubro de 2021

Velho Cinema Português - "A Canção de Lisboa" (1933)

 


Realizada por Cottinelli Telmo, foi a segunda longa-metragem sonora portuguesa (e a primeira totalmente produzida no país). Contou com grandes nomes da comédia cinematográfica do tempo, como Vasco Santana, António Silva e Beatriz Costa (saiba mais - aqui).

Na cena abaixo, o Vasquinho visita o Jardim Zoológico de Lisboa em companhia das tias Perpétua e Efigénia, recém-chegadas da província (as quais lhe sustentam uma desprendida e duvidosa vida de estudante na capital e de quem ele é único herdeiro).

Após a perda inesperada de um chapéu de palha (e das consequentes tentativas de substituição do mesmo), Vasco Santana deixaria consagrada em Portugal, até aos dias que correm e com aplicação garantida em diversas situações, a expressão Chapéus há muitos (seu palerma)!

De facto, na época, havia.
Hoje, claro, há muito menos.
Foram substituídos por uma inescrupulosa falange de demagogos, populistas e jagunços do oportunismo político...


(I)
No Jardim Zoológico


No extracto seguinte, Caetano (António Silva) e a sua filha Alice (Beatriz Costa) exibem-se noutra famosa e icónica cena:

(II)
Canção "A Agulha e o Dedal"


Depois de peripécias mirabolantes, o alfaiate Caetano acede enfim a conceder a mão da sua filha, Alice, ao (até então) detestado Vasquinho. Na época, como hoje, a miragem de uma fortuna na província ajudava muito a ultrapassar barreiras tidas por intransponíveis:

(III)
Como uma herança de 800 contos
resolve um casamento


sexta-feira, 9 de julho de 2021

"1879" (Fernando Tordo em grande...)




"... Coloca-se um "gendarme" à porta dos banqueiros,
a Polícia fareja os becos e as vielas,
dobram-se as precauções,
dobram-se as sentinelas..."

"1879"


 Poema de Guerra Junqueiro (1850-1923)
Saiba mais sobre ele - aqui

Música e interpretação de Fernando Tordo - veja aqui

(Vídeo de João Costa)

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Henrique Galvão e o assalto ao navio português "Santa Maria" (1961)

 


Há sessenta anos, em Janeiro de 1961, António de Oliveira Salazar era o primeiro-ministro de Portugal. Estava no cargo desde 1932 e nele se manteria até 1968. Presidindo com mão de ferro a um regime ditatorial, tivera que enfrentar durante o seu consulado diversos ataques dos adversários - em acções por vezes violentas.

Nesse princípio de ano estava em preparação outra iniciativa desse tipo, congeminada pelo capitão Henrique Galvão, outrora salazarista convicto, mas que há muito se rebelara contra o regime, vendo-se por isso forçado a um exílio na América do Sul.

Associado a Jorge de Sottomayor, um espanhol empenhado em derrubar o ditador Francisco Franco, integrou o chamado Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL) e foi planeando um golpe espectacular: nada mais nada menos do que o sequestro e desvio do navio Santa Maria, luxuoso paquete português pertencente à Companhia Colonial de Navegação.

A acção recebeu o nome de Operação Dulcineia e o comando que a executaria seria composto por portugueses e espanhóis. Henrique Galvão assumiria a liderança, coadjuvado por Jorge de Sottomayor.

Relativamente aos contornos da operação, Galvão tinha-se entendido com Humberto Delgado, outro exilado português. Delgado, que fora também um homem do regime, tornara-se, tal como Galvão, acérrimo inimigo de Salazar, tendo concorrido às eleições presidenciais de 1958 com o declarado propósito de o demitir.
Derrotado nas urnas (o eleito acabou por ser Américo Tomás, afecto ao regime), proclamaria até ao fim da vida ter sido vítima de fraude eleitoral.
Agora, à distância, no seu exílio do Brasil, aguardava ansiosamente o desfecho da Operação Dulcineia.

Henrique Galvão após a tomada do Santa Maria
(é o terceiro a contar da esquerda no primeiro plano, fardado, de mãos cruzadas).
Rodeiam-no alguns passageiros, elementos da tripulação e membros do comando de assalto.

O golpe ocorreu na noite de 21 para 22 de Janeiro de 1961, completaram-se há dias sessenta anos.
O navio largara de Lisboa para Miami no dia 9 desse mês, iniciando assim uma das suas habituais viagens turísticas pela América Central. No momento do ataque teria 612 passageiros a bordo, incluindo um numeroso contingente de norte-americanos, e 350 tripulantes. Estava no entanto longe da lotação esgotada, pois podia alojar 1200 passageiros.

No dia 20, o Santa Maria fez escala no porto venezuelano de La Guaira, altura em que 20 elementos do DRIL, pertencentes ao grupo de assalto, aproveitaram para entrar no navio como se fossem passageiros normais. Henrique Galvão não se achava entre eles: embarcaria no dia seguinte, em Curaçao, acompanhado de mais três elementos. Achava-se desse modo completo o grupo de 24 homens que levaria a cabo a operação.

Conforme fora planeado, Henrique Galvão desencadeou o assalto em pleno mar do Caribe, às primeiras horas do dia 22, quando o Santa Maria navegava rumo a Port Everglades, na Flórida.

No ataque à ponte de comando e à cabina de rádio, a quase totalidade dos oficiais e marinheiros de serviço foi rapidamente dominada, com excepção do 3.º oficial João José do Nascimento Costa, que ofereceu corajosa resistência aos assaltantes. Foi implacavelmente morto a tiro. Com ele tombaram feridos mais alguns tripulantes (que seriam posteriormente desembarcados na ilha de Santa Lúcia para serem hospitalizados).

O Santa Maria estava em poder dos elementos do DRIL e passou a navegar para rumo desconhecido dos passageiros sequestrados.

3.º oficial Nascimento Costa,
morto pelos assaltantes

No plano inicialmente traçado por Henrique Galvão estava contemplada, a seguir à tomada do navio, uma iniciativa que tinha tanto de arriscada como de megalómana e irrealista. Ele afirmava-se disposto a rumar a Fernando Pó (hoje Bioko), então colónia espanhola no golfo da Guiné, próxima da costa dos Camarões, para, a partir daí, navegar para um ataque a Luanda, capital da colónia portuguesa de Angola.

Uma vez dominada a situação (como? com que meios?), esperava-se um levantamento revolucionário que, a prazo, acabaria com os regimes de Lisboa (Salazar) e de Madrid (Francisco Franco).

A ideia de que um grupo tão reduzido pudesse cometer uma proeza de tal monta faz pensar que, para além da evidente fanfarronada, o que se pretendia era a amplificação dos efeitos de propaganda política que a tomada do navio, só por si, já representava.

E não restam dúvidas de que, pelo menos nesse âmbito, a acção daqueles inesperados "piratas do mar" se revelou um sucesso, chamando a atenção do mundo para a situação política então vivida nos dois países ibéricos, sobretudo para a de Portugal, dado o mediatismo de Henrique Galvão e de Humberto Delgado.

Muitos estrangeiros terão ouvido pela primeira vez falar de Salazar e do seu regime, bem como da problemática colonial que colocava ao país um desafio gigantesco no futuro imediato. Após incidentes sangrentos em Luanda, poucos dias mais tarde - 4 de Fevereiro -, a luta de guerrilhas teria início em Angola com os ataques da U. P. A., a 15 de Março de 1961; e a guerra em três frentes - Angola, Moçambique e Guiné - só findaria treze anos depois, com a revolução portuguesa de Abril de 1974.


O Santa Maria vigiado de perto pelos seus perseguidores.

Fosse como fosse, sob as ordens dos assaltantes, o Santa Maria alterou bruscamente o rumo, passando a navegar para leste através do Caribe, no intuito de alcançar o Atlântico o mais rapidamente possível.

Como seria de esperar, o navio acabou por ser detectado - diz-se que por um cargueiro dinamarquês, que logo deu o alarme  e permitiu o avistamento directo por um avião norte-americano. A partir daí, o Santa Maria (que os assaltantes tinham entretanto rebaptizado como Santa Liberdade) passou a ser seguido por navios de diversa proveniência, mas sobretudo por vasos de guerra da marinha dos Estados Unidos (dada a presença a bordo de muitos turistas deste país).

O Santa Maria entre dois navios de guerra americanos


Pressionado pelas autoridades militares norte-americanas, que chegaram à fala com ele, Galvão aceitou finalmente rumar ao Brasil, entrando no porto do Recife a 2 de Fevereiro. Aí se procedeu ao desembarque de passageiros e tripulantes, tendo Humberto Delgado subido a bordo para se encontrar com o seu companheiro de luta.

Igual a si próprio, decidido a explorar o sucesso do assalto até ao fim, Galvão pôs a correr que se achava disposto a afundar o Santa Maria nas próximas horas. Mas era outra vez uma fanfarronada em busca de novos efeitos propagandísticos.

Garantido o asilo político pelo recém-eleito presidente do Brasil (Jânio Quadros), os assaltantes desembarcaram e entregaram-se às autoridades brasileiras.

Humberto Delgado (à esq.) conversa com Henrique Galvão a bordo do Santa Maria.
Quatro anos depois (13-Fevereiro-1965), Delgado acabaria assassinado em Espanha
por uma brigada da polícia política do regime salazarista.
Henrique Galvão morreria exilado em São Paulo, Brasil, a 25 de Junho de 1970.
Sofria, então, da doença de Alzheimer.

O Santa Maria seria depois devolvido à sua proprietária (a Companhia Colonial de Navegação). Saindo do Recife a 7 de Fevereiro, chegou embandeirado em arco, nove dias depois, à cidade de Lisboa.
Esperava-o uma festiva e impressionante multidão, bem como os principais dirigentes políticos portugueses, incluindo Salazar, que subiu a bordo.
Quando se dirigiu ao país, nessa mesma altura, o ditador foi muito parco em palavras: Temos o Santa Maria connosco. Obrigado, Portugueses!

Aguardado pela multidão, o Santa Maria sobe o rio Tejo, na chegada a Lisboa
(16 de Fevereiro de 1961)

I - Chegada do Santa Maria a Lisboa
(relato em castelhano)



II - Visita ao Santa Maria
(Vídeo de mkc1)





sábado, 9 de janeiro de 2021

O assassínio de D. Carlos I, penúltimo rei de Portugal, e do seu filho, Príncipe D. Luís Filipe (1908)




A 1 de Fevereiro de 1908, no regresso de mais uma estadia em Vila Viçosa, o rei D. Carlos e o princípe herdeiro, D. Luís Filipe, foram assassinados em pleno Terreiro do Paço, em Lisboa, na volta para a rua do Arsenal.

De um só golpe, os assassinos - Costa e Buiça - decapitavam a monarquia portuguesa, deixando o trono nas mãos de um jovem e pouco preparado D. Manuel, sem capacidade nem margem de manobra para gerir uma situação política explosiva que culminaria com a queda da monarquia e a implantação da República a 5 de Outubro de 1910.

A 21 de Maio de 1908, quase 4 meses após o regicídio, o já então rei D. Manuel II, que seguia com os pais e o irmão na carruagem fatídica, descreveu a forma como viveu o trágico acontecimento, sob o título de "Notas absolutamente íntimas", de que se apresenta o excerto que se segue.

No fim da postagem anexa-se um pequeno texto sobre o reinado de D. Carlos I.

Rei D. Carlos (1863-1908)
Morto no dia 1 de Fevereiro.


O Relato de D. Manuel II, último rei de Portugal:


«Há já uns poucos de dias que tinha a ideia de escrever para mim estas notas íntimas, desde o dia 1 de Fevereiro de 1908, dia do horroroso atentado no qual perdi barbaramente assassinados o meu querido Pai e o meu querido Irmão.

Isto que aqui escrevo é ao correr da pena, mas vou dizer franca e claramente, e também sem estilo, tudo o que se passou. Talvez isto seja curioso para mim mesmo, um dia, se Deus me der vida e saúde. Isto é uma declaração que faço a mim mesmo. Como isto é uma história íntima do meu reinado, vou iniciá-la pelo horroroso e cruel atentado.

No dia 1 de Fevereiro regressavam Suas Majestades El-Rei D. Carlos I, a Rainha, a senhora D. Amélia, e Sua Alteza o Príncipe Real, de Vila Viçosa.
Eu tinha vindo mais cedo (uns dias antes) por causa dos meus estudos de preparação para a Escola Naval. Tinha ido passar dois dias a Vila Viçosa e tinha regressado novamente a Lisboa.

Na capital estava tudo num estado de excitação extraordinária: bem se viu aqui no dia 28 de Janeiro, em que houve uma tentativa de revolução, a qual não venceu. (...).

Meu Pai não tinha nenhuma vontade de voltar para Lisboa. Bem lembro que estava para voltar para Lisboa 15 dias antes e que quis ficar em Vila Viçosa. Minha Mãe [a rainha D. Amélia], pelo contrário, queria forçosamente vir. Recordo-me perfeitamente desta frase que me disse na véspera ou no próprio dia em que regressei a Lisboa depois de ter estado dois dias em Vila Viçosa. "Só se eu quebrar uma perna é que não volto para Lisboa no dia 1 de Fevereiro".

Melhor teria sido que não tivessem voltado, porque não tinha eu perdido dois entes tão queridos e não me achava hoje Rei! Enfim, seja feita a Vossa vontade, Meu Deus!

Príncipe herdeiro D. Luís Filipe (1887-1908)
Morto no dia 1 de Fevereiro.

(...) Como disse mais atrás, eu estava em Lisboa quando foi 28 de Janeiro; houve uma pessoa minha amiga (que, se não me engano, foi o meu professor Abel Fontoura da Costa) que disse a um dos Ministros que eu gostava de saber um pouco o que se passava, porque isto estava num tal estado de excitação.
O João Franco escreveu-me então uma carta que eu tenho a maior pena de ter rasgado, porque nessa carta dizia-me que tudo estava sossegado e que não havia nada a recear! Que cegueira!

Mas passemos agora ao fatal dia 1 de Fevereiro de 1908, sábado. De manhã tinha eu tido o Marquês Leitão e o King.
Almocei tranquilamente com o Visconde d'Asseca e o Kerausch. Depois do almoço estive a tocar piano, muito contente porque naquele dia dava-se pela primeira vez "Tristão e Ysolda", de Wagner, em S. Carlos.
Na véspera tinha estado tocando a 4 mãos, com o meu querido mestre Alexandre Rey Colaço, o Septuor de Beethoven, que era, e é, uma das obras que mais aprecio deste génio musical.

Depois do almoço à hora habitual, quer dizer, às 13:15h, comecei a minha lição com o Fontoura da Costa, porque ele tinha trocado as horas da lição com o Padre Fiadeiro.
Acabei com o Fontoura às 15 horas e pouco depois recebi um telegrama da minha adorada Mãe dizendo-me que tinha havido um descarrilamento do comboio na Casa-Branca, não tinha acontecido nada, mas que vinham com três quartos de hora de atraso.
Vendo que nada tinha acontecido dei graças a Deus, mas nem me passou pela mente, como se pode calcular, o que havia de acontecer.

Rainha D. Amélia, esposa de D. Carlos
e mãe de D. Luís Filipe e de D. Manuel
Seguia na carruagem, mas escapou à morte com o filho Manuel.

Agora pergunto-me eu: aquele descarrilamento foi um simples acaso? Ou foi premeditado para que houvesse um atraso e se chegasse mais tarde? Não sei. Hoje fiquei em dúvida. Depois do horror que se passou fica-se duvidando de muita coisa.

Um pouco depois das 4 horas saí do Paço das Necessidades num "landau" com o Visconde d'Asseca em direcção ao Terreiro do Paço para esperarmos Suas Majestades e Alteza. Fomos pela Pampulha, Janelas Verdes, Aterro e Rua do Arsenal. Chegámos ao Terreiro do Paço.

Na estação estava muita gente da corte e mesmo sem ser. Conversei primeiro com o Ministro da Guerra, Vasconcellos Porto, talvez o Ministro de quem eu mais gostava no Ministério do João Franco. Disse-me que tudo estava bem.

Esperamos muito tempo; finalmente chegou o barco em que vinham os meus Pais e o meu Irmão. Abracei-os e viemos seguindo até à porta onde entrámos para a carruagem os quatro. No fundo a minha adorada Mãe, dando a esquerda ao meu pobre Pai. O meu chorado Irmão diante do meu Pai e eu diante da minha Mãe.

Sobretudo o que agora vou escrever é que me custa mais: ao pensar no momento horroroso que passei confundem-se-me as ideias. Que tarde e que noite mais atroz! Ninguem n'este mundo pode calcular nem sonhar o que foi. Creio que só a minha pobre e adorada Mãe e Eu podemos saber bem o que isto é!

Vou agora contar o que se passou n'aquela histórica Praça. Saímos da estação bastante devagar. Minha Mãe vinha-me a contar como se passou o descarrilamento [do comboio] na Casa Branca quando se ouviu o primeiro tiro no meio do Terreiro do Paço, mas que eu não ouvi.
Era sem dúvida o sinal para começar aquela monstruosidade. [...]

Terreiro do Paço, Lisboa.
O momento do atentado.


Eu estava olhando para o lado da estátua de D. José e vi um homem de barba preta com um grande gabão.
Vi esse homem abrir a capa e tirar uma carabina.
Estava tão longe de pensar num horror destes que disse para mim mesmo: «Que má brincadeira.»

O homem saiu do passeio e veio pôr-se atrás da carruagem e começou a fazer fogo. [...] Logo depois de o Buiça ter feito fogo (que eu não sei se acertou) começou uma perfeita fuzilaria como numa batida às feras. [...]

Saiu de baixo da arcada do Ministério um outro homem que desfechou uns poucos de tiros à queima-roupa sobre o meu pobre Pai. Uma das balas entrou pelas costas e outra pela nuca, o que o matou instantaneamente. [...]

Depois disto não me lembro quase do resto: foi tão rápido! Lembro-me perfeitamente de ver minha adorada e heróica Mãe de pé na carruagem com um ramo de flores na mão gritando àqueles malvados animais: "Infames, infames."

A confusão era enorme. [...] Vi o meu Irmão em pé dentro da carruagem com uma pistola na mão. [...]

De repente, já na rua do Arsenal, olhei para o meu queridíssimo Irmão. Vi-o caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda, de onde o sangue jorrava como de uma fonte. Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue. Mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja. [...]

Eu também fui ferido num braço por uma bala. Faz o efeito de uma pancada e um pouco de uma chicotada. [...]

Agora que penso neste pavoroso dia e no medonho atentado parece-me e tenho quase a certeza (não quero afirmar, porque nestes momentos angustiosos perde-se a noção das coisas) que eu escapei por ter feito um movimento instintivo para o lado esquerdo. [...]"

Funeral de D. Carlos
e de seu filho D. Luís Filipe



D. Manuel II (1889-1932),
sucessor de D. Carlos I
Último rei de Portugal (deposto em 1910)
Saiba mais sobre ele (aqui)
.....................


Nota sobre D. Carlos I (1863-1908)

Nasceu em 28 de Setembro de 1863, no Palácio da Ajuda, em Lisboa.
De seu nome completo Carlos Fernando Luís Maria Victor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão.

Filho do rei D. Luís I e de D. Maria Pia de Sabóia (esta, por sua vez, filha do rei Vítor Manuel II de Itália).

D. Carlos recebeu uma educação que pretendia prepará-lo para futuro rei.

Em Abril de 1886 foi anunciado o seu noivado com Amélia de Orléans, filha dos Condes de Paris, com quem casou, em Lisboa, a 22 de Maio desse ano.
Em 1887 nasceu o seu primeiro filho, D. Luís Filipe.
Em 1888 nasceu e morreu uma filha.

Em 1889, com a morte de seu pai, D. Luís I, ascendeu ao trono, sendo aclamado rei em Dezembro.
Nesse mesmo ano nasceu o seu terceiro filho, D. Manuel (que seria o último rei de Portugal; foi deposto pela revolução republicana em Outubro de 1910).

Pouco depois de subir ao trono, D. Carlos enfrentou uma profunda crise. Em 1890, morreu o sonho português do mapa cor-de-rosa, com o Ultimatum inglês.
Com efeito, os projectos portugueses de união entre Angola a Moçambique chocavam com os interesses britânicos de ligação do Cairo ao Cabo.

Os portugueses foram obrigados a renunciar ao seu projecto e, internamente, a reacção foi vigorosa. O ambiente era de grande contestação anti-britânica e esta foi capitalizada pelo movimento republicano, sendo que a contestação se tornou, também, anti-monárquica.
No ano seguinte, em 1891, assistiu-se à primeira tentativa revolucionária republicana, o “31 de Janeiro”, no Porto.

Num contexto de crise do liberalismo, a vida política degradava-se. D. Carlos tentou, no plano externo, remediar junto das principais cortes europeias a situação de crise em que havia mergulhado o império colonial português.
Em 1899, foi assinado o Tratado de Windsor com a Inglaterra, que definiria as fronteiras coloniais entre os dois países.

No ano de 1903 recebeu Eduardo VII de Inglaterra, em Abril, e, em Dezembro, Afonso XIII de Espanha.
Em 1904 retribuiu a visita e deslocou-se a Inglaterra.

Em 1905 recebeu a visita da rainha Alexandra de Inglaterra, do imperador Guilherme II da Alemanha e do presidente da República francesa Loubet.

Em 1906 deslocou-se a Espanha, em viagem oficial. Estas campanhas internacionais foram acompanhadas, no plano interno, pela chamada ao governo, em 1906, de João Franco.

Em 1907, D. Carlos fez a sua décima segunda e última campanha oceanográfica.

A sua biografia não se esgota na vida política. Dedicou grande atenção às propriedades da Casa de Bragança, designadamente em Vila Viçosa, onde com frequência organizava grandes caçadas.

Manifestou também, desde cedo, uma “paixão pelo mar”. D. Carlos I, em 1896, dirigiu a primeira campanha oceanográfica portuguesa, actividade que manteve, anualmente, até 1907, sendo premiado internacionalmente.

Foi igualmente um aguarelista de mérito (relembre aqui).

Morreu no atentado do Terreiro do Paço, a 1 de Fevereiro de 1908, que vitimou igualmente o seu filho primogénito (o príncipe Luís Filipe).

(Fonte: Fundação Mário Soares, Lisboa, Portugal)

Terreiro do Paço (ou Praça do Comércio), Lisboa, onde ocorreu o atentado (ao fundo, à esquerda).

Placa alusiva ao atentado, no Terreiro do Paço, Lisboa.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

O Real Gabinete Português de Leitura (Rio de Janeiro - Brasil)



Mais do que uma importante e belíssima biblioteca (acervo superior a 350 000 obras), o Real Gabinete Português de Leitura (RGPL) é uma notável instituição cultural lusófona, localizada na rua Luís de Camões, n.º 30, praticamente no centro da cidade brasileira do Rio de Janeiro.

A fachada, erigida em estilo neo-manuelino, foi trabalhada em pedra de lioz, na cidade de Lisboa, sendo depois trazida de navio até ao Rio de Janeiro.

As estátuas que a adornam representam quatro vultos estreitamente ligados à epopeia marítima de Portugal: Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e Luís de Camões.




A instituição foi fundada no ano de 1837 por um grupo de 43 imigrantes portugueses, desejosos de promover culturalmente a comunidade lusitana.

O edifício da actual sede, acima retratado, foi projectado pelo arquitecto português Rafael da Silva e Castro e construído entre 1880 e 1887. A primeira pedra, ou pedra fundamental, foi lançada pelo imperador do Brasil, D. Pedro II (filho de D. Pedro I).

A inauguração da nova sede, que se manteve até hoje, caberia a uma filha de D. Pedro II, a Princesa Isabel, e ao marido desta (no dia 10 de Setembro de 1887).




O interior do RGPL segue o estilo neo-manuelino nas portadas, nas estantes de madeira para os livros e nalgumas construções comemorativas.
O tecto do Salão de Leitura ostenta um belo candelabro e uma clarabóia em estrutura de ferro, o primeiro exemplar desse tipo de arquitectura no Brasil.

O salão possui também um lindíssimo monumento de prata, marfim e mármore (o Altar da Pátria), com 1,7 metros de altura, que celebra a época dos Descobrimentos Portugueses.
Concebido na Casa Reis & Filhos, do Porto, deve-se ao ourives António Maria Ribeiro, sendo adquirido pelo Real Gabinete em 1923.





A biblioteca do Real Gabinete é detentora da maior colecção de obras portuguesas fora de Portugal, e, desde 1935, passou a receber exemplares de todas as obras publicadas neste país.
Possui, entre os seus cerca de 350 000 volumes - nacionais e estrangeiros -, obras raríssimas, como, por exemplo, primeiras edições de Os Lusíadas (1572) ou das Ordenações de D. Manuel (1521).

O RGPL edita a revista semestral Convergência Lusíada e promove cursos sobre Literatura, Língua Portuguesa, História, Antropologia e Artes.
Estes cursos destinam-se principalmente a estudantes universitários.

Em Julho de 2014, a biblioteca foi classificada pela revista Time na 4.ª posição entre as 20 mais lindas bibliotecas do mundo, enaltecendo-se a sua história, arquitectura e riquíssimo acervo de obras lusófonas.

Um exemplo das diversas actividades culturais do Real Gabinete



A - Para uma breve apresentação do Real Gabinete Português de Leitura (RGPL), veja o vídeo seguinte - aqui 1.

B - Para aceder ao site do RGPL, clique aqui 2.

C - Para conhecer uma saborosa história ocorrida há uma dúzia de anos no RGPL (envolvendo dois antigos presidentes do Brasil e de Portugal, Lula da Silva e Cavaco Silva), clique aqui 3 .

segunda-feira, 8 de junho de 2020

António Costa Silva, português do Bié (Angola), a pensar na transformação do País...

António Costa Silva (ACS).
Nasceu em Catabola, Bié (Centro-Sul de Angola), em 1952.

O Primeiro-Ministro (PM) português, António Costa, convidou recentemente o seu homónimo António Costa Silva - gestor, professor universitário, ensaísta, escritor e, sobretudo, pensador - para o ajudar a delinear uma estratégia de transformação estrutural, de cariz económico-social, para Portugal.

António Costa fez muitíssimo bem.
À testa de um Governo assoberbado pelas tarefas do dia-a-dia, tornadas mais prementes e espinhosas pela crise nacional e internacional em curso, faz todo o sentido que recorra a um consultor de gabarito, situado no exterior da equipa governamental (embora articulado com ela quando necessário), com tempo, preparação, tranquilidade e disposição para trabalhar no que lhe pedem.
É assim que actuam com os seus consultores, em momentos de transformação estratégica, as grandes empresas de referência a nível mundial.

ACS não é homem de partidos nem de políticas partidárias. Funciona ("pensa") por si próprio, sem preconceitos e com importante bagagem cultural e técnica. Sem berros, sem jamais elevar sequer o tom de voz, costuma explanar as suas ideias "fora-da-caixa", abertas e arejadas - como os amplos espaços das terras africanas que o viram nascer e crescer.

Em colaboração estreita com os ministros em funções, está a desenhar o plano que em breve fará chegar ao Governo para apreciação e - considerados os meios financeiros disponíveis - eventual passagem à definição de políticas e consequente execução de projectos.
Note-se que ACS não vai impor nem decidir nada de nada. Como qualquer bom consultor, estudará e proporá o que achar por melhor. A decisão ficará sempre com quem tem o poder e a responsabilidade de decidir.
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Tudo isto deveria parecer normal, e justificado à partida, na fase que o País atravessa. No entanto, e como talvez fosse de esperar, desatou-se - entre "os do costume" - o foguetório e o fogo de barragem politiqueiro que vem fazendo há décadas a infelicidade do País.

Incansáveis, eles apontam o dedo de unha afiada ao PM: que não é assim que se fazem as coisas; que ele devia ter feito primeiramente um despacho sobre ACS; que este é uma espécie de "para-Ministro" e que tal não pode ser; que ele é um agente dos petróleos; que ele não quer ser remunerado por este trabalho, o que é estranhíssimo; que não dialogarão com ACS, só falarão com ministros.
E por aí fora...

Todos sem uma única ideia válida, sem qualquer contributo significativo para além do abc de trivialidades e de "pedinchices" em que se afundam (e nos afundam) ano após ano...

ACS ainda não finalizou o seu trabalho, mas, no afã de alvejarem o PM, já o querem desfazer. Pretendem arrastá-lo à Assembleia da República para obterem dele não se sabe bem o quê. Ah, já me esquecia, também lhe chamam poeta...
De facto, entre diversas e estimáveis coisas, o homem escreve poesia: e daí?...

Em vez disso, poderiam por exemplo deter-se um instante para se debruçarem e meditarem sobre o tanto que ele tem dito e escrito acerca dos problemas nacionais e suas eventuais soluções. Mas não: com raríssimas excepções, eles só sabem fazer política, na pior das acepções que a expressão pode assumir.

ACS costuma dizer que os Portugueses são extraordinários em períodos de crise e medíocres em tempos de normalidade.
É certo.
Mas é de suspeitar que isso se fique a dever, em grande parte, à indigência cultural, à abissal mediocridade e à desesperante incompetência daqueles que, só sabendo fazer política (baixa política, entenda-se), têm tido artes e manhas de se apoderarem por vezes dos destinos do País para o despedaçarem e desgraçarem em favor de uns poucos...

Mas vamos ao que verdadeiramente importa - os pensamentos e as eventuais soluções.
Se os leitores e as leitoras quiserem fazer ideia aproximada do que pensa e da forma como pensa ACS, cliquem no link abaixo.
Aí se reproduz uma pequena entrevista (pouco mais de meia hora) que ele deu há dias a uma estação de rádio portuguesa. Vale a pena ouvi-lo e pensar um tempinho no que ele diz.