Pequenas e grandes histórias da História e mensagens mais ou menos amenas sobre vidas, causas, culturas, quotidianos, pensamentos, experiências, mundo...
Neste livro, Eça de Queiroz debruça-se magistralmente sobre a figura de Alípio Abranhos (o "Conde d'Abranhos"), um ser arrivista e calculista, capaz de tudo para subir na vida.
Para consolidar a carreira política não olhava a meios: fez tudo para ocultar as origens familiares modestas, cortou relações com a madrinha que o educara, fingiu junto do padre Augusto que era católico fervoroso, adulou a sogra pela qual nutria um ódio profundo, traiu o dirigente político a quem devia a ribalta - e, sendo deputado, conseguiu chegar a ministro. E logo ministro da Marinha, ele que apenas vira uma vez o mar e que detestava barcos.
E tinha vergonha do pai, como abaixo se vê...
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“(…) Logo que o Conde entrou na Câmara, fez o seu casamento tão rico e se estabeleceu em Lisboa, pensou sem demora em elevar paralelamente a situação social de seu pai. Encontrou nele, porém, exigências tais que tornaram impossível a realização dos seus desejos.
As negociações foram longas, muito delicadas, muito secretas. Tenho nas mãos toda essa correspondência, e posso dizer que nela o Conde mostra um tacto, uma prudência, uma previdência geniais.
Seu pai, ao princípio, desejou que o Conde lhe fornecesse meios de abrir em Lisboa um grande estabelecimento de alfaiate.
Isto era naturalmente inaceitável.
Como o Conde me disse muita vez, não podia passar, com o correio de ministro atrás, pela rua onde reluzisse a tabuleta Abranhos, Alfaiate.
Como conseguiria ele, na Câmara, aniquilar um adversário que lhe poderia responder: - Tudo isso é muito bonito, mas o pior é que o senhor seu pai me estragou inteiramente este par de calças e roubou-me na fazenda!
O "conde d'Abranhos" (Actor Paulo Matos)
Era impossível esta permanente tortura moral.
E o pai do Conde tanto o compreendeu, que escreveu (não cito textualmente, pois que nem a sua ortografia, nem a sua gramática poderiam ter lugar num livro correcto): - Se não queres que eu possua um estabelecimento do ofício em que me criei, que é honrado e me tem ajudado a viver, e à tua mãe, então o melhor é que eu vá para a tua companhia, para tua casa, onde tua mãe, que é tão económica e tão hábil nos arranjos, pode ser uma governanta útil e poupar a tua mulher todos os incómodos “dos azeites e dos vinagres” (esta expressão é dele).
O Conde recusou com indignação. Realmente a exigência era curiosa. Virem aquele homem e aquela mulher de Penafiel, com os hábitos, os modos, as figuras, a fala de dois trabalhadores de Penafiel, viver numa casa onde se recebia a fidalguia de Lisboa, os representantes dos Reis estrangeiros, a flor da literatura, a Maioria!
Absurdo!
Se o Conde, como ele dizia, não fosse um homem público, poderia sacrificar-se a essa companhia plebeia.
Mas como Estadista, a presença na sua casa daquele pai de feição reles, a comer o arroz com a faca, a escabichar os dentes com as unhas, a perguntar às senhoras – então como vai essa bizarria? -, com o seu catarro, cuja expectoração perpétua era repulsiva, só serviria para diminuir a autoridade moral do Conde e o prestígio do seu talento.
Em nome dos interesses superiores do Estado, devia repelir aquela proposta.
Se um dia tivesse a jantar o Ministro de Inglaterra ou de França, no momento de uma negociação delicada e de alto interesse para Portugal, como poderia impressionar os diplomatas estrangeiros, com o pai, ao lado, a tirar cera dos ouvidos?
Foi por isso que ele informou o pai de que só o receberia em sua casa com a condição de nunca aparecer aos jantares ou às soirées.
O velho, decerto mal aconselhado por intrigantes políticos, respondeu com uma carta (que, pelas razões dadas, não cito textualmente) em que lhe diz que, desde que o filho se envergonha de seu pai, todos os arranjos são inúteis, e que cada um siga o seu caminho; eu (diz ele) não posso, aos 55 anos, mudar os meus hábitos e o meu catarro: sou como sou; não tenho as maneiras de um elegante, mas tenho a minha honra e os meus sentimentos.
Que meu filho jante na sala e me faça jantar na cozinha, não!
Continua a ser Abranhos deputado, que eu continuarei a ser Abranhos alfaiate.
Mas nem por isso deixo de ser tão homem de bem como tu (…)” (*) (*) – Eça de Queiroz (1845-1900) – “O Conde d'Abranhos” – Publicado por Lello & Irmão, Editores – Porto – Portugal – 1973.
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Veja, abaixo, um excerto da série da Radiotelevisão Portuguesa (RTP) dedicada ao "Conde d'Abranhos".
Um bom exemplo da duplicidade e do oportunismo da personagem...
A postagem do vídeo deve-se à actriz Sofia Alves, também pertencente ao elenco desta série de TV (faz de esposa do "Conde d'Abranhos").
“Quando, em 1768, Luís XV conseguiu reunir a Córsega à França, como não suspeitou ele de que o fundador de uma quarta dinastia nasceria lá um ano depois da sua nova aquisição?
Mas - e se a anexação não tivesse tido lugar?
Em França, eram numerosos os que a não desejavam, considerando-a inútil e embaraçosa.
Se tivesse prevalecido a sua opinião, a ilha ou cairia nas mãos dos ingleses ou seria independente sob o comando de Paoli.
Qual teria sido nesse caso a sorte de Napoleão?
Uma vida obscura, no meio das rivalidades dos clãs, e, quando muito, a propriedade de alguns olivais e de uns quantos pés de vinha. Provavelmente, funções medíocres e honoríficas, a exemplo de seu avô Ramolino, que foi inspector de pontes e calçadas por conta da República genovesa.
E os Ingleses? Esses, nem sequer há a certeza de que tivessem dado um uniforme ao jovem indígena.
Quanto à possibilidade de pôr a sua espada ao serviço de um país estrangeiro, ter-lhe-ia decerto faltado a educação militar. Ou tê-la-ia Napoleão recebido?
Sem a França, o seu génio não se teria revelado.
A anexação constituiu o seu primeiro golpe de sorte, pois uniu a Córsega a um país suficientemente liberal, confiante e generoso para abrir as suas melhores escolas aos franceses de última hora.
Além disso, o país atravessaria uma fase de perturbação precisamente na data em que o jovem ajacciano atingia os vinte anos. E esta vasta desordem viria a oferecer oportunidades de inauditos destinos aos indivíduos bem dotados.
Este homem extraordinário não só sabia o que o seu destino tinha tido de prodigioso, como também possuía consciência da conjugação de ocorrências que haviam sido necessárias para o elevar ao Império e torná-lo sobrinho do rei de quem, lugar-tenente obscuro, ele tinha visto a queda por ocasião da jornada do 10 de Agosto.
Que romance, no entanto, foi a minha vida!, exclamará, no momento do epílogo.
De uma outra vez, em Santa Helena (ver aqui), dizia que passariam mil anos antes que as circunstâncias que se tinham acumulado sobre a sua cabeça viessem a escolher um outro de entre a multidão para o elevar assim tão alto (…).” (*)
(*) Napoleão – Jacques Bainville (1879-1936)
(Publicado em Portugal por Editorial Aster, Lisboa, 1960)
“(…) O que tudo confunde é essa extraordinária capacidade para os contrastes que é uma imagem de marca dos Estados Unidos.
Eles tanto são capazes de produzir um Roosevelt - que impõe ao povo americano a obrigação histórica de salvar a Europa do nazismo - como são capazes de produzir um George W. Bush, que impõe ao país uma guerra sem sentido, apenas destinada a servir a sua vaidade de se proclamar "um Presidente de guerra".
Tanto são capazes de produzir um Bill Clinton, que restabeleceu a economia e a imagem externa dos EUA, como uma Sarah Palin, talvez futura presidente, cuja absoluta ignorância, estupidez natural e incompetência são mais perigosas do que dez Bin Ladens à solta.
E, como se viu, também foram capazes de eleger este mentecapto...
Os Estados Unidos são a nação que é capaz de, num instante, mobilizar os meios e a determinação para acorrer a uma tragédia com a dimensão do Haiti e fazê-lo de forma eficaz, profissional e humana - enquanto a 'Europa', a tal entidade que nem número de telefone tem, ainda está a agendar reuniões para saber o que fazer, e a França (grande responsável histórica pela vergonha de país que é o Haiti) se queixa da ofensa à grandeur de la France, porque o exército americano, no aeroporto de Port-au-Prince, não deu prioridade de aterragem a um avião seu.
Mas, enquanto Obama mobiliza Exército, Força Aérea, Marinha, reservistas e até os seus dois antecessores na Casa Branca para acorrer de imediato a salvar vidas no Haiti, o seu plano de saúde, destinado a evitar o escândalo de milhões de americanos morrerem por falta de assistência médica reservada a quem tenha seguros de saúde, está ameaçado de morte com a traição póstuma dos eleitores de Ted Kennedy, no Massachusetts, elegendo para o seu lugar vago um republicano, representante da mais obscura direita, que acha que um americano que não tem dinheiro para um seguro de saúde merece morrer na rua.
(…) Eles sabem que a ganância dos seus banqueiros e gestores conduziu o país e o mundo à beira da falência e condenou centenas de milhões de pessoas ao desemprego e à miséria, mas, assim como antes achavam que o mercado era soberano e o governo não devia de forma alguma intervir, também agora acham que tentar regular o apetite dos tubarões seria cometer o sacrossanto crime de limitar a iniciativa privada.
Eles sabem que essa gente sem escrúpulos está de volta ao business as usual e que de novo se distribuem entre eles ordenados e bónus milionários pelos resultados dos seus negócios - que o dinheiro injectado pelos contribuintes permitiu salvar -, mas recusam as tentativas de Obama para lhes taxar esses bónus indecorosos e assim recuperar parte do dinheiro que lhes foi emprestado pelos americanos.
Eles sabem que alguns dos seus filhos têm às vezes o mau hábito de, quando estão mal-dispostos, sair para a escola com a arma do pai e matar os colegas a tiro, mas recusam-se a aceitar mudar a Constituição - que lhes garante, dizem, o ancestral direito de circularem no Farwest armados para se defenderem dos bandidos.
Mas, apesar de tudo isso, apesar de todos os seus contrastes, a América guarda ainda dentro de si uma grande dose de generosidade e de ingenuidade no que é essencial.
Em muitas coisas, os Estados Unidos não são ainda uma nação gasta e por isso é que, quando o dever moral é evidente, eles não hesitam nem elaboram: "nos momentos de tragédia, os Estados Unidos avançam e ajudam - é o que somos, é o que fazemos", como disse Obama sobre o Haiti.
E, enquanto Chávez e o ministro dos Estrangeiros da França se vão queixando já da "ocupação americana" do Haiti, os que estão no terreno e os que vêm de fora sabem bem que a única esperança para o Haiti é a presença americana.
Não são os únicos que lá estão, mas são os únicos que o podem salvar, porque têm os meios, a vontade e a capacidade de organização para tal.
A nação indispensável." (*)
(*) Miguel Sousa Tavares - A Nação Indispensável - Texto completo publicado na edição do jornal Expresso, de 23 de Janeiro de 2010 (Lisboa – Portugal)
Ilustrações e arranjo gráfico da responsabilidade da Torre.