Eduardo Lourenço (1923-2020) |
"(Jornal Público) - Há uns anos disse que a História se escreve como uma ficção. Quais são os traços principais desta ficção que é a História de Portugal?
(Eduardo Lourenço) - A ficção portuguesa consiste no quase abismo que separa as capacidades normais de um país para se afirmar entre os seus, primeiro na Europa e depois no mundo.
Essa afirmação teve no nosso caso uma singularidade.
Fomos os primeiros que largámos da Europa para ir para um sítio mítico, só conhecido através de novelas, como as de Marco Polo.
De repente, deslocámo-nos do ocidente europeu e demos a volta a África (...) para chegar à Índia.
E foi como chegar a outro mundo, descobrir outro planeta, e durante praticamente dois séculos a nossa capital era mais fora de nós do que dentro de nós.
E sempre nos habituámos a que essa imagem que adquirimos num lá fora hipermítico fosse tão universal que ninguém podia não saber que nós lá tínhamos chegado.
A partir daí começámos a ter uma imagem de nós como país visível, quando os outros, maiores, não eram visíveis. (...) Já não se podem escrever peças líricas sobre aqueles que morreram por esse império.
(Público) - Isso é bom ou mau?
(Eduardo Lourenço) - É a vida. É a História. E temos de viver isso como qualquer coisa mais do que um ressentimento.
As colónias, os colonizados, tiveram a sua hora de afirmação. Era natural que se emancipassem.
Nós, e a maior parte dos colonizadores europeus, prolongámos esse império para ser sem fim, prolongámos a supremacia europeia durante mais tempo do que ela era capaz.
Hoje mudámos de paradigma, a Europa já não é o centro do mundo, mas também não é a periferia.
Será sempre um objecto de meditação, de evocação, de nostalgia certamente. Porque uma parte da civilização europeia foi o paradigma de outras civilizações, mesmo de algumas anteriores à Europa.
Eu disse a certa altura que somos os aposentados da História, mas sermos os aposentados da História não me parece assim muito justo.
Estamos sempre no futuro, o passado não determina de maneira fatal o nosso progresso e realiza os nossos sonhos.
O homem é, por essência, alguém que vive dos sonhos maiores do que ele." (*)
(*) - De uma entrevista de Isabel Lucas a Eduardo Lourenço (Jornal Público - 31 de Julho de 2017)
Saiba mais sobre Eduardo Lourenço (aqui).
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