segunda-feira, 31 de agosto de 2020

"O Analfabeto Político" (Bertolt Brecht)

 

O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve,
não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.


Ele não sabe
que o custo de vida,
o preço do feijão,
do peixe,
da farinha,
do aluguer,
do sapato
e do remédio
dependem das decisões políticas.


O analfabeto político
é tão ignorante
que se orgulha
e estufa o peito
dizendo que odeia a política.

Não sabe o desgraçado
que da sua ignorância política
nasce a prostituta,
o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista,
o malandro,
o corrupto
o lacaio dos exploradores do povo.


(Bertolt Brecht)




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sábado, 29 de agosto de 2020

Don Juan Carlos, Rei-Emérito de Espanha, e a Invasão de Portugal...




Escreveu José Freire Antunes (JFA), no seu excelente "Os Espanhóis e Portugal", que Juan Carlos de Espanha, nascido a 5 de Janeiro de 1938, é "o mais lusófilo dos espanhóis".

Enquanto Rei, foi a partir de 1975 um indiscutível valor acrescentado para a relação peninsular. Pela sua mediação, às vezes secreta, passaram diferendos melindrosos entre Madrid e Lisboa.

As raízes são, de facto, fundas.

Para além das afinidades de língua, de história e de cultura, elas mergulham nos dias da sua longínqua infância, que em parte viveu no Estoril, às portas de Lisboa. Mais tarde, durante a adolescência - e já regressado a Espanha -, vinha passar férias a Portugal e por aqui foi edificando amizades sólidas e duradouras.
A ligação de Juan Carlos a Portugal é, portanto, antiga, evidente e muito forte.

Na obra citada, JFA relata um episódio curioso e elucidativo a esse respeito. Sendo talvez politicamente incorrecto ou incómodo relembrá-lo nos dias tempestuosos que vão correndo, não será de todo abusivo avivar algumas memórias boas, sobretudo quando evocadas a partir das douradas praias portuguesas - agora que o homem cambaleia sob as pauladas com que o fustigam, e poucos, ou nenhuns, parecem na disposição de o ouvir, de o entender e, muito menos, de sair em sua defesa...

O episódio é este: nos dias de brasa de 1975, os americanos da CIA, apreensivos com os avanços dos comunistas no Portugal revolucionário da época, congeminaram a invasão do território português a partir de Espanha, para o que contariam com a cumplicidade do governo deste país e com a intervenção de muitos portugueses ali refugiados ao tempo.

A ideia (e por vezes a prática...) da invasão de Portugal tem sido quase obsessiva em Espanha - e não apenas em épocas remotas (como aqui). Não há muitos anos, o próprio ditador Francisco Franco chegou a eleger o assunto como tema de um seu trabalho académico. Com atrevimento, inspiração e à-vontade, aí discorreu sobre a melhor estratégia militar para que a Espanha invadisse e ocupasse Portugal em 72 horas. Nem mais nem menos uma. 72 horas, conta exacta...

Mas vamos adiante.

Juan Carlos, colocado ao corrente dos planos da CIA, opôs-se decidida e tenazmente à invasão do território luso.

E, porventura recordado dos dias felizes de outrora e grato pelo acolhimento e pela estima de que fora beneficiário, com toda a sua família exilada, na velha e hospitaleira pátria de D. Afonso Henriques, terá então dito, em tom irrefutável, ao presidente dos Estados Unidos (Gerald Ford):

"Tenha em conta, senhor Presidente, que eu, depois de espanhol, sou português".

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Aberturas de Grandes Livros - "Cem Anos de Solidão" (Gabriel García Márquez - Colômbia)



“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.

Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos.

O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e, para mencioná-las, era preciso apontar com o dedo.




Todos os anos, pelo mês de Março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos.

Primeiro trouxeram o íman.

Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedónia.



Foi de casa em casa arrastando dois lingotes metálicos, e toda a gente se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos que tentavam desencravar-se, e até os objectos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados e arrastavam-se em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades.

“As coisas têm vida própria”, apregoava o cigano com áspero sotaque, “tudo é questão de despertar a sua alma.”



José Arcadio Buendía, cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e até mesmo além do milagre e da magia, pensou que era possível servir-se daquela invenção inútil para desentranhar o ouro da terra.

Melquíades, que era um homem honrado, preveniu-o: “Para isso não serve.” 

Mas José Arcadio Buendía não acreditava, naquele tempo, na honradez dos ciganos, de modo que trocou o seu jumento e um rebanho de cabritos pelos dois lingotes imantados.

Úrsula Iguarán, sua mulher, que contava com aqueles animais para aumentar o raquítico património doméstico, não conseguiu dissuadi-lo. “Muito em breve vamos ter ouro de sobra para assoalhar a casa”, respondeu o marido. (…)”




Cem Anos de Solidão - Gabriel García Márquez (ver aqui)

Texto conforme edição de Publicações Europa-América, Lisboa, Portugal, 1971.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Um belo texto brasileiro sobre o padre António Vieira - "O Riso da Beleza e as Lágrimas da Arte"

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"Terminei de ler uma seleção de seis sermões do Padre Antônio Vieira.
Vieira é um jardim fecundo de aromas e estilos. Uma enciclopédia que abriga em si a ciência do cultismo, mas da simplicidade também.

Ele falava aos catedráticos, aos reis e rainhas, ao escol de tudo o que mais distinto havia, mas se pronunciava também aos índios e à gente simples da terra.

Falar de Vieira é afirmar a cristalização, a materialização de um gênio poderoso, que com a sua palavra arrebatava a platéia e dizia: “que o ouvinte não deveria sair contente com o pregador, mas triste consigo mesmo, pois se aconteceu isso é porque algo poderoso aconteceu àquele coração”.

Em Vieira é tão possível sair feliz quanto triste do sermão: triste pelos confrontos sugeridos em sua oratória imaculada; feliz pelas sentenças refinadas, brilhantes. Como ele mesmo atesta no Sermão da Sexagésima “cada palavra era um trovão, cada cláusula um raio, cada razão um triunfo”.

Assim era Vieira – um trovão do Céu, que assombrava e fazia tremer o mundo de sua época.


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A sua vida volumosa, cheia de acontecimentos significativos, já é um grande livro.

Nasceu em Portugal.
Veio para o Brasil ainda muito jovem.
Decide estudar para ser padre.
O pai não concordava com as intenções de Vieira. Tinha outras missões para o filho.

Quando no seminário, os padres começaram a perceber-lhe os prodígios, as habilidades, as larvas da inteligência que fervilhavam em seu potente cérebro.

Isso é tão significativo, que ainda não havia completado 18 anos, mas já era responsável por escrever em latim as cartas que seriam remetidas à Sé.

Foi enviado a Olinda como eminentíssimo professor de oratória.

Vieira parecia compreender que a palavra era uma grande arma, que ela poderia ser usada a favor da justiça. Ele usou a palavra para apaziguar os calores no Maranhão. Os ânimos dos colonos estavam eriçados, por causa do edito real a fim de que se libertasse todos os índios.


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O padre prega dois sermões impetuosos:

O Sermão das Tentações:

Que vós, que vossas mulheres, que vossos filhos, e que todos nós nos sustentássemos dos nossos braços; porque melhor é sustentar do suor próprio, que do sangue alheio;

e o Sermão de Santo Antônio (ou dos Peixes):

“A primeira coisa que me desedifica de vós – peixes – é que vós comeis uns aos outros. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos.
Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comessem os grandes, bastaria um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande e para que vejais como estes comidos na terra são os pequenos, e pelos mesmos modos que vós vos comeis no mar...”.

O que é impressionante em Vieira é saber como alguém consegue ser tão prolífico, tão erudito, tão intenso, tão profundo.

A sua inteligência era versátil. Passa-nos a impressão que tudo aquilo que lia conseguia assimilar sem qualquer titubeio.


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Vieira visitou os salões reais.
Viajou pelos locais mais afastados do Brasil.
Instalou-se no Maranhão.
Estendeu a missão jesuíta. Aprofundou a sua relação com os índios.

Era conhecido pelos índios como Paiaçu (grande padre).

Constituiu-se numa espécie de apóstolo da palavra. O termo apóstolus do grego significa “mensageiro”, “enviado”, “embaixador”, “ministro”, “caminhante”.
Foi o próprio Cristo quem chamou os seus discípulos de apóstolos. Eles seriam os pregoeiros das boas novas.

Vieira é o eminente “embaixador” da Palavra, que leva em seus lábios a certeza da equidade.
Para ele: "Subir ao púpito e não dizer a verdade era contra o ofício".
Por isso, todas as vezes que se colocava de pé com a missão de proferir o Evangelho, era invadido pelo calor do Espírito Divino.

Pregava com tamanha beleza e erudição; com uma inspiração tão irradiada, que os salões das igrejas ficavam pequenos para a quantidade de pessoas que iam ouvi-lo.

Esse poder de Vieira levou o poeta Fernando Pessoa a dizer que ‘se não houvesse mais ninguém para falar a língua portuguesa, mas se em compensação ficassem os sermões de Vieira, a língua lusa jamais morreria’.


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Em suma: Vieira consegue reunir em seus sermões o que de mais belo há na língua portuguesa.
Ele soube utilizá-la como ninguém.

Extraiu dela todo o encanto; os vernáculos harmônicos e dissonantes; a versatilidade e a flexibilidade dos termos necessários.
Proferiu com tamanha graça a língua de Camões, que ler os seus sermões após tanto tempo causa-nos uma impressão singular.

Neste ano de 2008 são completados quatro séculos do seu nascimento.
Ouvi poucos falarem desse acontecimento.
Até mesmo os estudantes de Letras não atentaram para o fato de que no dia 6 de fevereiro de 1608, nascia, em Lisboa, Antônio Vieira, estadista, teólogo, missionário, padre – e por que não dizer filósofo?

A homenagem que vi aconteceu na Câmara dos Deputados da República.

Ouvi José Sarney [Presidente do Brasil, 1985-1990] solitariamente proferir um discurso com rasgos de uma erudição afetada, tentando lançar luzes sobre as trevas da memória opaca da nação.

A pouca memória do país para com os seus ilustres personagens históricos não permitiu que rendesse a ele, Vieira, homenagens dignas, do mais alto jaez. 

Lamentavelmente a memória é suprimida, a História é apagada e os grandes homens de espíritos livres borrados e negligenciados.



Viveu 91 anos (morreu no dia 18 de julho de 1697).

Muito tempo para a expectativa de vida da época. Todavia, todo este tempo foi dedicado em sua integralidade à justiça e à defesa dos direitos humanos – especialmente dos índios.

Não poderia deixar de finalizar sem mencionar Vieira num dos sermões mais belos e altivos que já foram pregados – O Pranto e o Riso ou as Lágrimas de Heráclito defendidas em Roma pelo padre Antônio Vieira contra o Riso de Demócrito.

Este sermão foi proferido no Palácio da rainha Cristina da Suécia, no ano de 1674:

Quem verdadeiramente conhece o mundo, precisamente há de chorar; e quem ri, ou não chora, não o conhece”.

É pertinente dizer que a vida de Vieira foi bela por que riso; e foi arte por que lágrimas.
Ele conhecia o mundo e a alma humana como ninguém." (*)

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(*) Carlos Antônio Maximino de Albuquerque (Brasil).
(Em: "O Ser Carlino", Nov-2008)
Respeita-se a grafia brasileira.
(Ilustrações da responsabilidade da Torre da HI).




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terça-feira, 25 de agosto de 2020

Adriana Calcanhotto, de novo...

 

 

Já a tínhamos ouvido no inspiradíssimo "Devolva-me" (aqui).

Talento tão raro e envolvente como o dela corre o risco de produzir muitas coisas inesquecíveis a cada volta que dá.

Como esse - também excelente - "Vambora":


Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida

Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva
Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite veloz
Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Na cinza das horas.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Antiga Banda Desenhada em Portugal - "Colecção Tigre"

N.º 1


Em 1955, a Agência Portuguesa de Revistas (APR) lançava em Portugal o primeiro número da mítica Colecção Tigre, uma série de livrinhos de banda desenhada, 64 páginas, 4 escudos por exemplar, periodicidade mensal.

A colecção convivia com outras revistas do género, tornadas hoje raridades, como o semanário Mundo de Aventuras, também da APR (ver aqui), e o rival deste último, o célebre Cavaleiro Andante (aqui), editado pela Empresa Nacional de Publicidade.

Para os nostálgicos, que devem certamente a algumas destas preciosidades o contacto inicial com uns rudimentos de cultura, aqui ficam as capas dos primeiros dez números dessa inesquecível Colecção Tigre, publicados entre 1 de Abril de 1955 e 1 de Janeiro de 1956.


1 - Johnny Hazard - O Roubo do Ceptro (ver acima)
2 - Hopalong Cassidy - Ladrões de Gado
3 - Flash Gordon - O País do Esquecimento
4 - Rip Kirby - O Mistério do Ídolo
5 - Capitão Duran - A Virgem Negra
6 - Bronco Bustin - O Falso Morto
7 - Tarzan - O País Perdido
8 - Cisco Kid - O Regresso do Cadastrado
9 - Brick Bradford - A Misteriosa Atlântida
10 - Red Cannyon - O Povo Ignorado



N.º 2








N.º 3








N.º 4






N.º 5










N.º 6










N.º 7









N.º 8








N.º 9








N.º 10

sábado, 22 de agosto de 2020

Júlio Dantas, um homem injustiçado

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"(…) Figura insigne da literatura portuguesa, Dantas é uma daquelas personalidades sobre as quais foi lançado um manto de silêncio.
Hoje em dia, os chamados intelectuais evitam pronunciar o seu nome e citar a sua obra e, quando o fazem, é normalmente com um sentido de escárnio e mal-dizer.

Nos tempos que correm, só é possível mencionar o nome de Dantas quando se evoca o Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros, cuja redacção se deve unicamente à projecção de Júlio Dantas na sociedade portuguesa de então.

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Júlio Dantas nasceu em Lagos (Algarve), em 19 de Maio de 1876, e morreu em Lisboa em 25 de Maio de 1962.

Médico por formação e escritor por vocação, oficial do exército, jornalista, tradutor, presidente do Conservatório Nacional, embaixador no Brasil, ministro da Instrução Pública e dos Negócios Estrangeiros, foi durante muitos anos presidente da Academia das Ciências, cargo em que se nobilitou e nobilitou a Academia.
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Consideram muitos o seu estilo pomposo, a sua escrita retrógrada quando não reaccionária, censuram-lhe a sua suposta conivência com o anterior regime, a sua ignorância dos temas sociais.

Nem sequer lhe reconhecem que foi, no seu tempo, um dos portugueses que melhor manejou a língua portuguesa e a quem figuras gradas pediam conselho antes de publicarem os seus escritos.

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Para além dos discursos, peças de oratória notável que revelam uma cultura humanística das mais brilhantes do seu tempo, Dantas escreveu poesia, prosa e teatro, deixando-nos obras, hoje infelizmente esgotadas ou que apenas se encontram, e com dificuldade, em alfarrabistas e leilões, que foram um sucesso na sua época e muitas o seriam ainda hoje, se fossem lidas, o que é difícil dada a conspiração de silêncio que se teceu à sua volta.
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Das suas peças, o público (e só o mais informado) conhecerá apenas A Ceia dos Cardeais, aliás traduzida em mais de vinte línguas, e A Severa, até pelo filme que dela extraiu Leitão de Barros e que foi o primeiro filme sonoro português. 

Quem se recorda de Um Serão nas Laranjeiras, Santa Inquisição, Frei António das Chagas ou Os Crucificados, em que se aborda pela primeira vez no nosso teatro, e num ambiente proletário, um caso de homossexualidade?

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E da obra em prosa, quem se lembrará de Pátria Portuguesa, de O Amor em Portugal no Século XVIII ou de Marcha Triunfal?
Já para não falarmos dos seus discursos, notáveis peças que fariam corar de vergonha, se a tivessem, os discursadores dos nossos dias!

Não cabe, neste pequeno apontamento, tudo o que haveria a dizer sobre Júlio Dantas, não só na literatura como na própria política.

Agora considerá-lo um escritor menor, ou ignorá-lo, só poderá acontecer por ignorância (que é o que prolifera nos nossos dias) ou por má-fé."


Fonte: blogue “Do Médio Oriente e afins” (26-Maio-2009)
Com a devida vénia e parabéns pelo texto.

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Relembre alguns textos de Júlio Dantas publicados neste blogue:






quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Meus Oito Anos (Casimiro de Abreu)



Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida,
Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!


Como são belos os dias
Do despontar da existência! -
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;

O mar é lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!


Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingénuo folgar!

O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!


Oh! dias de minha infância
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!

Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!


Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
- Pés descalços, braços nus -

Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!


Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;

Rezava as Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

- Que amor, que sonhos, que flores -,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

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Autor: José Marques Casimiro de Abreu.

Poeta brasileiro, nascido em 1839 e precocemente falecido (em 1860).
Era filho de um comerciante e fazendeiro português emigrado no Brasil.
A foto é de Marcelo Vieira.