quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Brasil Antigo - Índios, Portugueses e Outros - 3.ª Parte


(Continuação de 2.ª Parte - aqui)


 

O consumo de carne humana não era, contudo, um hábito regular dos índios brasileiros. O canibalismo, praticamente circunscrito aos prisioneiros de guerra, possuía carácter ritual. Ingerindo o seu inimigo, o vencedor herdava deste o que ele possuía de melhor, com realce para as qualidades guerreiras. E quanto mais valente e bravo tivesse sido o prisioneiro, melhor.

Quanto à vítima, essa morria na esperança de que os seus a vingassem, preferentemente da mesma maneira.

Os jesuítas, chegados ao Brasil em 1549 chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega (aqui), combateriam este costume no seu processo de cristianização das populações indígenas. Mas nem sempre tiveram sucesso, e, tal como no caso da poligamia, verificaram-se vários retrocessos e "recaídas".

Sabedores destes costumes de antropofagia, muitos dos residentes portugueses viviam no pavor de serem feitos prisioneiros e de acabarem devorados em qualquer aldeia índia. Isso aconteceu em inúmeras ocasiões, e nem o primeiro bispo de Salvador da Bahia, D. Pedro Fernandes Sardinha, conseguiu furtar-se a tal destino. Em Julho de 1556, naufragado com dezenas de companheiros na sua viagem de regresso a Portugal, acabou morto e devorado, com os restantes, numa acção atribuída aos índios caetés.

Portugueses e seus aliados temiminós atacando os tupinambás.


Essas dificuldades e terrores não impediram que os portugueses se fossem firmando no território. Mas tal só foi possível porque eles tiveram artes de manter as suas alianças de guerra com várias tribos índias. Associando estas às suas próprias tropas, conseguiram fazer face às tribos hostis e às incursões de outros europeus na área, com destaque para os franceses que ali vinham carregar o precioso pau-brasil.

Os franceses constituiriam, aliás, a primeira ameaça séria ao domínio português no Brasil (os holandeses realizariam o seu grande ataque bastante mais tarde).

Com efeito, em 1555, sob a chefia de Nicolas Villegagnon, eles tentaram implantar uma colónia gaulesa em plena baía da Guanabara, onde hoje se ergue a fabulosa cidade do Rio de Janeiro.
Tendo feito aliança com índios tamoios que habitavam a região (resultantes de uma confederação de diversas tribos, incluindo tupinambás), ergueram o forte Coligny numa ilha à entrada da imensa baía (lugar que ainda hoje conserva o nome de Ilha Villegagnon).

A este embrião de colónia chamaram eles, pomposamente, França Antártica (1555-1560).


O Último Tamoio
(Rodolfo Amoedo)


Decididos a ficar com o domínio exclusivo do Brasil, os portugueses não poderiam evidentemente tolerar a chamada França Antártica.

Deste modo, no ano de 1560, o governador-geral Mem de Sá desencadeou um ataque à fortificação gaulesa, onde os defensores, com os seus aliados tamoios, resistiram enquanto puderam. As forças lusitanas tinham o apoio dos índios temiminós, chefiados pelo cacique Arariboia, que se tornaria a partir de então num herói dos colonizadores.

O forte Coligny acabou arrasado e os sobreviventes franceses buscaram a salvação na fuga. Uns escaparam-se para França, enquanto outros se refugiaram no continente, entre os tamoios, aos quais auxiliariam em guerrilhas contra os portugueses e seus aliados.

O conflito arrastar-se-ia durante anos, porque, no ponto de vista português, havia que eliminar esses franceses remanescentes e fazer cessar a resistência dos tamoios.
Apesar das dificuldades, Estácio de Sá - sobrinho do governador Mem de Sá - fundou em Março de 1565, na formosa e imponente Guanabara, a cidade do Rio de Janeiro.

Em 1567, com reforços substanciais, Mem de Sá resolveu dar o golpe final. Sempre apoiados pelos temiminós de Arariboia, os portugueses puseram termo à resistência de tamoios e franceses numa série de cruentas batalhas, expulsando-os da região da Guanabara. Foi também o princípio do fim para Aimberê, grande cacique dos tamoios.


Estátua de Arariboia, chefe dos Temiminós, aliados dos Portugueses
(Niterói - Brasil)


Arariboia, cacique dos temiminós, que adoptou o nome de Martim Afonso, foi coberto de honras pelos aliados portugueses.

Recebeu terras na Guanabara, de onde os seus tinham sido expulsos pelos tupinambás, e uma retribuição mensal para sustentar a sua povoação.

O rei de Portugal, D. Sebastião, atribuiu-lhe o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo, uma das mais elevadas distinções da corte portuguesa.

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Raminô - Yawanawa
(Canto de mulheres índias)

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