quarta-feira, 29 de abril de 2020

Parabéns e obrigado, Exército Português - "O Amor a Portugal"



Nos dias difíceis que atravessamos,  as vozes e as palavras destes dois militares portugueses - dignos representantes do mérito das nossas Forças Armadas - representam um bálsamo quase celestial...


Ela - Soldado Alice Costa
Ele - Sargento-Ajudante João de Campos

Pertencem ambos à Orquestra Ligeira do Exército Português.
Pode ler mais pormenores aqui.

Justificação deste vídeo:

"A força de uma nação vem do seu povo.
Juntos somos mais fortes!"

As palavras que eles dizem:

O dia há de nascer
Rasgar a escuridão
Fazer o sonho amanhecer
Ao som da canção

E então

O amor há de vencer
A alma libertar
Mil fogos ardem sem se ver
Na luz do nosso olhar
Na luz do nosso olhar

Um dia há de se ouvir
O cântico final
Porque afinal falta cumprir
O amor a Portugal
O amor a Portugal!

"Neste país é proibido sonhar"... (Carlos Drummond de Andrade - Brasil)


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Sentimental

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria,
cheia de escamas,
e, debruçados na mesa,
todos contemplam esse romântico trabalho.


Desgraçadamente
falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!


- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!


Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências
um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar."


Carlos Drummond de Andrade - Brasil (1902-1987)
……..


terça-feira, 28 de abril de 2020

Boris Johnson, Coronavírus, Covid-19, etc. [Ou: Os Aprendizes de Feiticeiro]


O pateta americano descobriu que, com desinfectante nas veias dos humanos ou doses reforçadas de ultravioletas, o monstrinho falece e as coisas acabam por entrar nos eixos. E que, desse modo, o planeta (ou grande parte dele) destapa de novo a felicidade dos dias antigos...

Boris Johnson, o irresponsável inglês que faz de primeiro-ministro, não andou longe disso (tal como outros de que não vale a pena falar agora). Sobre Boris, Clara Ferreira Alves deixou algumas linhas afiadas e certeiras na sua última crónica, de que transcrevo o fragmento seguinte (*):

"(…) Herd Immunity [Imunidade de Rebanho], a teoria preferida por Boris Johnson quando ainda respirava sem oxigénio.

A herd immunity é simples, no meio de tanto arrazoado. Enuncia-se assim: deixem morrer os velhos e vulneráveis primeiro, os doentes e os fracos, deixem o vírus eliminar essa gente, soltem as crianças, adolescentes e adultos saudáveis e deixem-nos espalhar o vírus pela população à vontade, até estarmos mais de 60% infetados. De preferência mais. Aí, o vírus desiste, ganhámos imunidade.

O Reino Unido tentou pôr em prática, deixou tudo aberto, deixou tudo infetado incluindo o príncipe herdeiro e o primeiro-ministro, deixou infetar os trabalhadores da saúde, e enquanto os cadáveres se amontoavam chegou à conclusão de que o país não tinha condições para aplicar a teoria.

Dezenas de milhares de mortos mais tarde, e sem ter aprendido nada com os italianos, o Reino Unido não só tinha fechado tudo como ameaçava continuar fechado durante mais tempo do que os europeus (…)"

……….

(*) A crónica de Clara Ferreira Alves tem por título: De Tudo Como na Farmácia. Pode lê-la, completa, na Revista E (pág. 3) do jornal Expresso (Lisboa, Portugal) publicado em 25 de Abril de 2020.



Rule Britannia:

segunda-feira, 27 de abril de 2020

"Papa's got your bathwater on" (Tuba Skinny)


Excelentes, como sempre.
Actuam, abaixo, na Little Brown Church, em Round Pond (Maine).
Gravação efectuada em 23 de Agosto de 2017.

Os músicos:

Erika Lewis (voz e tambor)
Greg Sherman (voz e guitarra)
Shaye Cohn (trompete)
Todd Burdick (tuba)
Jason Lawrence (banjo)
Max Bien-Kahn (guitarra)
Barnabus Jones (trombone)
Craig Flory (clarinet)

sábado, 25 de abril de 2020

Aberturas de Grandes Livros - "A Relíquia" (Eça de Queiroz)

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“(…) Eu nasci numa tarde de sexta-feira de Paixão; e a mamã morreu, ao estalarem, na manhã alegre, os foguetes da Aleluia. Jaz, coberta de goivos, no cemitério de Viana, numa rua junto ao muro, húmida da sombra dos chorões, onde ela gostava de ir passear nas tardes de Verão, vestida de branco, com a sua cadelinha felpuda que se chamava Traviata.

Eu cresci, tive o sarampo; o papá engordava; e o seu violão dormia, esquecido ao canto da sala, dentro de um saco de baeta verde. Num Julho de grande calor, a minha criada Gervásia vestiu-me o fato pesado de veludilho preto; o papá pôs um fumo no chapéu de palha; era o luto do Comendador G. Godinho, a quem o papá muitas vezes chamava, por entre dentes, "malandro".
Depois, numa noite de Entrudo, o papá morreu de repente, com uma apoplexia, ao descer a escadaria de pedra da nossa casa, mascarado de urso, para ir ao baile das Senhoras Macedos.

Eu fazia então sete anos; e lembro-me de ter visto, ao outro dia, no nosso pátio, uma senhora alta e gorda, com uma mantilha rica de renda negra, a soluçar diante das manchas de sangue do papá, que ninguém lavara, e já tinham secado nas lajes. À porta uma velha esperava, rezando, encolhida no seu mantéu de baetilha.

As janelas da frente da casa foram fechadas; no corredor escuro, sobre um banco, um candeeiro de latão ficou dando a sua luzinha de capela, fumarenta e mortal. Ventava e chovia. Pela vidraça da cozinha, enquanto a Mariana, choramingando, abanava o fogareiro, eu vi passar, no Largo da Senhora da Agonia, o homem que trazia às costas o caixão do papá. No alto frio do monte a capelinha da Senhora, com a sua cruz negra, parecia mais triste ainda, branca e nua entre os pinheiros, quase a sumir-se na névoa; e adiante, onde estão as rochas, gemia e rolava, sem descontinuar, um grande mar de Inverno. (…)
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Passados dias, acordaram-me, numa madrugada em que a janela do meu quarto, batida do sol, resplandecia prodigiosamente como um prenúncio de coisa santa. Ao lado da cama, um sujeito, risonho e gordo, fazia-me cócegas nos pés com ternura e chamava-me brejeirote.
A Gervásia disse-me que era o Senhor Matias, que me ia levar para muito longe, para casa da tia Patrocínio; e o Senhor Matias, com a sua pitada suspensa, olhava espantado para as meias rotas que me calçara a Gervásia. Embrulharam-me no xaile-manta cinzento do papá; o João, guarda da alfândega, trouxe-me ao colo até à porta da rua, onde estava uma liteira com cortinas de oleado.

Começamos então a caminhar por compridas estradas. Mesmo adormecido, eu sentia as lentas campainhas dos machos; e o Senhor Matias, defronte de mim, fazia-me de vez em quando uma festinha na cara, e dizia: Ora cá vamos.
Uma tarde, ao escurecer, parámos de repente num sítio ermo, onde havia um lamaçal; o liteireiro, furioso, praguejava, sacudindo o archote aceso. Em redor, dolente e negro, rumorejava um pinheiral. O Senhor Matias, enfiado, tirou o relógio da algibeira e escondeu-o no cano da bota.



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Uma noite, atravessámos uma cidade, onde os candeeiros da rua tinham uma luz jovial, rara e brilhante como eu nunca vira, da forma de uma tulipa aberta.
Na estalagem em que apeámos, o criado, chamado Gonçalves, conhecia o Senhor Matias; e depois de nos trazer os bifes, ficou familiarmente encostado à mesa, de guardanapo ao ombro, contando coisas do senhor barão, e da inglesa do senhor barão.

Quando recolhíamos ao quarto, alumiados pelo Gonçalves, passou por nós, bruscamente, no corredor, uma senhora, grande e branca, com um rumor forte de sedas claras, espalhando um aroma de almíscar.
Era a inglesa do senhor barão.
No meu leito de ferro, desperto pelo barulho das seges, eu pensava nela, rezando Ave-Marias.
Nunca roçara corpo tão belo, de um perfume tão penetrante; ela era cheia de graça, o Senhor estava com ela, e passava, bendita entre as mulheres, com um rumor de sedas claras...

Depois, partimos num grande coche, que tinha as armas do rei e rolava a direito por uma estrada lisa, ao trote forte e pesado de quatro cavalos gordos. O Senhor Matias, de chinelas nos pés e tomando a sua pitada, dizia-me, aqui e além, o nome de uma povoação aninhada em torno de uma velha igreja, na frescura de um vale. (…)
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Enfim, num domingo de manhã, estando a chuviscar, chegámos a um casarão, num largo cheio de lama.
O Senhor Matias disse-me que era Lisboa; e, abafando-me no meu xaile-manta, sentou-me num banco, ao fundo de uma sala húmida, onde havia bagagens e grandes balanças de ferro.
Um sino lento tocava à missa; diante da porta passou uma companhia de soldados, com as armas sob as capas de oleado.

Um homem carregou os nossos baús, entrámos numa sege, eu adormeci sobre o ombro do Senhor Matias. Quando ele me pôs no chão, estávamos num pátio triste, lajeado de pedrinha miúda, com assentos pintados de preto; e na escada uma moça gorda cochichava com um homem de opa escarlate, que trazia ao colo o mealheiro das almas.

Era a Vicência, a criada da tia Patrocínio. O Senhor Matias subiu os degraus conversando com ela e levando-me ternamente pela mão.
Numa sala forrada de papel escuro, encontramos uma senhora muito alta, muito seca, vestida de preto, com um grilhão de ouro no peito; um lenço roxo, amarrado no queixo, caía-lhe num bioco lúgubre sobre a testa; e no fundo dessa sombra, negrejavam dois óculos defumados. Por trás dela, na parede, uma imagem de Nossa Senhora das Dores olhava para mim, com o peito trespassado de espadas.

- Esta é a Titi - disse-me o Senhor Matias. - É necessário gostar muito da Titi... É necessário dizer sempre que sim à Titi!
Lentamente, a custo, ela baixou o carão chupado e esverdinhado. Eu senti um beijo vago, de uma frialdade de pedra; e logo a Titi recuou, enojada.
- Credo, Vicência! Que horror! Acho que lhe puseram azeite no cabelo!
Assustado, com o beicinho já a tremer, ergui os olhos para ela, murmurei:
- Sim, Titi.
Então o Senhor Matias gabou o meu génio, o meu propósito na liteira, a limpeza com que eu comia a minha sopa à mesa das estalagens.
- Está bem - rosnou a Titi secamente. - Era o que faltava, portar-se mal, sabendo o que eu faço por ele... Vá, Vicência, leve-o lá para dentro... lave-lhe essa ramela; veja se ele sabe fazer o sinal da cruz...
O Senhor Matias deu-me dois beijos repenicados. A Vicência levou-me para a cozinha.

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À noite vestiram-me o meu fato de veludilho; e a Vicência, séria, de avental lavado, trouxe-me pela mão a uma sala em que pendiam cortinas de damasco escarlate, e os pés das mesas eram dourados como as colunas de um altar.

A Titi estava sentada no meio do canapé, vestida de seda preta, toucada de rendas pretas, com os dedos resplandecentes de anéis. Ao lado, em cadeiras também douradas, conversavam dois eclesiásticos. Um, risonho e nédio, de cabelinho encaracolado e já branco, abriu os braços para mim, paternalmente. O outro, moreno e triste, rosnou só "boas noites". E da mesa, onde folheava um grande livro de estampas, um homenzinho, de cara rapada e colarinhos enormes, cumprimentou, atarantado, deixando escorregar a luneta do nariz.

Cada um deles vagarosamente me deu um beijo. O padre triste perguntou-me o meu nome, que eu pronunciava “Tedrico”.
O outro, amorável, mostrando os dentes frescos, aconselhou-me que separasse as sílabas e dissesse Te-o-do-ri-co.

Depois acharam-me parecido com a mamã, nos olhos. A Titi suspirou, deu louvores a Nosso Senhor de que eu não tinha nada do Raposo. E o sujeito de grandes colarinhos fechou o livro, fechou a luneta, e timidamente quis saber se eu trazia saudades de Viana. Eu murmurei, atordoado:
- Sim, Titi.

Então o padre mais idoso e nédio chegou-me para os joelhos, recomendou-me que fosse temente a Deus, quietinho em casa, sempre obediente à Titi...
- O Teodorico não tem ninguém senão a Titi... É necessário dizer sempre que sim à Titi...
Eu repeti, encolhido:
- Sim, Titi.
A Titi, severamente, mandou-me tirar o dedo da boca. Depois disse-me que voltasse para a cozinha, para a Vicência, sempre a seguir pelo corredor...
- E quando passar pelo oratório, onde está a luz e a cortina verde, ajoelhe, faça o seu sinalzinho da cruz...
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Não fiz o sinal da cruz.
Mas entreabri a cortina; e o oratório da Titi deslumbrou-me, prodigiosamente.
Era todo revestido de seda roxa, com painéis enternecedores em caixilhos floridos, contando os trabalhos do Senhor; as rendas da toalha do altar roçavam o chão atapetado; os santos de marfim e de madeira, com auréolas lustrosas, viviam num bosque de violetas e de camélias vermelhas.
A luz das velas de cera fazia brilhar duas salvas nobres de prata, encostadas à parede, em repouso, como broquéis de santidade; e erguido na sua cruz de pau-preto, sob um dossel, Nosso Senhor Jesus Cristo era todo de ouro, e reluzia.

Cheguei-me devagar até junto da almofada de veludo verde, pousada diante do altar, cavada pelos piedosos joelhos da Titi.
Ergui para Jesus crucificado os meus lindos olhos negros. E fiquei pensando que no céu os anjos, os santos, Nossa Senhora e o Pai de todos, deviam ser assim, de ouro, cravejados talvez de pedras; o seu brilho formava a luz do dia; e as estrelas eram os pontos mais vivos do metal precioso, transparecendo através dos véus negros, em que os embrulhava à noite, para dormirem, o carinho beato dos homens.

Depois do chá, a Vicência foi-me deitar numa alcovinha pegada ao seu quarto. Fez-me ajoelhar em camisa, juntou-me as mãos, e ergueu-me a face para o céu. E ditou os Padre-Nossos que me cumpria rezar pela saúde da Titi, pelo repouso da mamã, e por alma de um comendador que fora muito bom, muito santo e muito rico e que se chamava Godinho.

Apenas completei nove anos, a Titi mandou-me fazer camisas, um fato de pano preto, e colocou-me, como interno, no colégio dos Isidoros, então em Santa Isabel. (…)."

Eça de Queiroz - Portugal (1845-1900)

sexta-feira, 24 de abril de 2020

"As Raparigas Lá de Casa"

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...ou de como, pela mão de um grande poeta,
um homem regressa,
por entre mil lembranças e gratidões,
aos dias longínquos de uma infância feliz...

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AS RAPARIGAS LÁ DE CASA



Como eu amei as raparigas lá de casa
discretas fabricantes da penumbra

guardavam o meu sono
como se guardassem o meu sonho

repetiam comigo as primeiras palavras
como se repetissem os meus versos

povoavam o silêncio da casa
anulando o chão os pés as portas por onde saíam
deixando sempre um rastro de hortelã

traziam a manhã
cada manhã
o cheiro do pão fresco
da humidade da terra
do leite acabado de ordenhar

(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar
o odor doce e materno
das manadas quando passam)

aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava
a inquieta maresia dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos,

no outono penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas
como as folhas na primavera

não me lembro da cor dos olhos
quando olhava os olhos
das raparigas lá de casa

mas sei que era neles que se acendia o sol
ou se agitava a superfície dos lagos dos jardins com lagos
a que me levavam de mãos dadas
as raparigas lá de casa,

que tinham namorados
e com eles traíam
a nossa indefinível cumplicidade

eu perdoava sempre
e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa

porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o lado mau
de sua inexplicável bondade

o vício da virtude
da sua imensa ternura

da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor
pelas raparigas lá de casa

……………..
Poema de Emanuel Félix.
Nasceu em Angra do Heroísmo, Açores, Portugal, em 1936.
Faleceu na mesma cidade em 2004.
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quinta-feira, 23 de abril de 2020

XERAZADE (Rimsky-Korsakov)


Xerazade (ou Sherazade; ou, ainda, Sheherazade) foi a lendária rainha persa que narrou os famosos contos de As Mil e uma Noites.
Segundo a lenda, com a sua beleza e inteligência ela fascinou o rei Shariar ao contar-lhe histórias fantásticas durante mil e uma noites. Salvou, assim, a sua vida e ganhou o amor eterno do marido.


I - As Mil e Uma Noites

Segundo a lenda, na antiga Pérsia, o rei Shariar descobriu que a esposa o traía com um dos servos do palácio. Enfurecido, o monarca mandou matar os dois e tomou uma terrível decisão: casar-se-ia todas as noites com uma nova mulher e, na manhã seguinte, para não ser traído por ela, ordenaria a sua execução. E assim sucedeu por três anos, causando medo e lamentações em todo o reino.

Um dia, a filha mais velha do primeiro-ministro, a bela e astuta Xerazade, disse ao pai que tinha um plano para pôr fim àquela barbaridade. Porém, para ter êxito, precisava de casar-se com o rei. O pai tentou fazê-la desistir de tão perigosa ideia, mas Xerazade estava determinada a acabar de vez com a maldição que aterrorizava o reino. E assim aconteceu: Xerazade casou-se com o rei.

Terminada a cerimónia nupcial, o marido levou a esposa aos seus aposentos; entretanto, antes de fechar a porta, ouviu-se um choro ruidoso.
- Oh, Majestade, deve ser a minha irmãzinha, Duniazade - explicou a noiva. Ela chora porque quer que eu lhe conte uma história, como faço todas as noites. Já que amanhã estarei morta, peço-te, por favor, que a deixes entrar para que eu a entretenha pela última vez!

Sem esperar resposta, Xerazade abriu a porta, levou a irmã para dentro, instalou-a no tapete e começou:
- Era uma vez um mágico muito malvado…
Furioso, Shariar procurou impedir a continuação da história. Resmungou, reclamou, tossiu, mas as duas irmãs ignoraram-no. Vendo que a birra de nada adiantava, o rei sossegou e pôs-se a ouvir o relato da jovem. Meio distraído no início, não tardou contudo a interessar-se pela narrativa.

A pequena Duniazade adormeceu, embalada pela voz suave da rainha. O soberano permaneceu atento, visualizando na mente as cenas de aventura e romance descritas pela esposa.
Repentinamente, no momento mais empolgante da história, Xerazade calou-se.
- Continua! - ordenou Shariar.
Mas o dia está amanhecendo, Majestade! Já ouço o carrasco afiando a espada!
- Ele que espere - declarou o rei.

Shariar deitou-se, por fim, e dormiu profundamente. Despertou ao anoitecer e ordenou à esposa que concluísse a história. Ela assim fez, mas ele não se deu por satisfeito:
- Conta-me outra!
Xerazade, com a sua voz melodiosa, começou a narrar histórias de aventuras de reis, de viagens fantásticas, de heróis e de mistérios. Contava uma história após outra, deixando o rei maravilhado.



Sem que Shariar desse por isso, as horas passaram e o sol nasceu. Xerazade interrompeu a narrativa na melhor parte e disse:
- Já é de manhã, meu senhor!
O rei, muito interessado na história, deixou Xerazade no palácio por uma noite mais. E assim a rainha fez o mesmo naquela noite: contou mais histórias e deixou a última por terminar.

Ora contava um drama, ora contava uma aventura, às vezes um enigma, em outras uma história real. E assim decorreram dias, semanas, meses e anos. E coisas estranhas aconteceram. Xerazade engordou e, passado algum tempo, recuperou o corpo esguio. Por duas vezes desapareceu durante várias noites e retornou sem dar explicação, e o rei nunca lhe perguntou nada.

Certa manhã ela terminou uma história ao nascer do sol e disse:
Agora não tenho mais nada para te contar. Percebeste que estamos casados há exactamente mil e uma noites?
Escutou-se então um som no exterior, e, após breve pausa, ela disse:
- Estão batendo à porta! Deve ser o carrasco. Podes finalmente mandar-me para a morte!.
Todavia, quem penetrou nos aposentos reais não foi o carrasco, mas sim Duniazade, a irmã de Xerazade, que com o passar dos anos se transformara numa linda jovem. Trazia dois gémeos nos braços e era seguida por um bebé que gatinhava.
- Meu amado esposo, antes de ordenares a minha execução, precisas de conhecer os meus filhos. Aliás, os nossos filhos. Pois desde que nos casámos eu dei-te três varões. Mas tu estavas tão encantado com as minhas histórias que nem deste por nada...

Só então Shariar constatou que a sua amargura desaparecera. Olhando para as crianças, sentiu o amor inundar-lhe o coração como um raio de luz. E, contemplando a esposa, descobriu que jamais poderia matá-la, pois não conseguiria viver sem ela.

Assim, escreveu ao seu irmão propondo-lhe que se casasse com Duniazade. Houve uma dupla cerimónia, pois Shariar desposou Xerazade pela segunda vez, e os dois reinaram felizes até ao fim de seus dias. [Adaptado da Wikipédia]


II - Xerazade (Rimsky-Korsakov)

Baseando-se nas histórias de As Mil e Uma Noites, o músico Nikolai Rimsky-Korsakov (que já ouvimos aqui) compôs em 1888 a suite sinfónica Xerazade (Scheherazade; Scherazade), op. 35, considerada ainda hoje a sua criação mais popular.

Apresento abaixo a melhor interpretação que conheço desta obra.
Deve-se à Orquestra Sinfónica da Galiza (Orquesta Sinfónica de Galicia), dirigida pelo maestro finlandês Leif Segerstam.
A gravação foi efectuada no Palácio da Ópera de A Coruña em 15 de Maio de 2015.

A suite divide-se nas seguintes partes (indicando-se, a vermelho, os tempos do vídeo em que começa cada uma delas):

I - Introdução. O mar e o navio de Simbad (00.05)
II - A história do príncipe Kalender (12.03)
III - O jovem príncipe e a jovem princesa (25.10)
IV - Festa em Bagdad - Naufrágio do barco de Simbad nas rochas (37.18)
  

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Filmes e Temas Musicais (7)

1 - "The Big Country"
(Da Terra Nascem os Homens)
 
 
1.1 Tema Musical de "The Big Country
(Compositor: Jerome Moross)
 
 
 
 
 
…………….
 
 
 
 
2 - "The Mission"
(A Missão)
 
2.1 - Tema musical de "A Missão"
(Compositor: Ennio Morricone) 
 
 
 
 
 
 
 ……………
 
 
 
3 - "Lord Jim"

3.1 - Tema musical de "Lord Jim"
(Compositor: Bronislaw Kaper)

terça-feira, 21 de abril de 2020

Donald Trump - "o Homem Mais Perigoso do Planeta"...




Não há ninguém dotado de um mínimo de isenção e clarividência que não veja como este homem mente, omite, baralha, esconde, difama, inventa, calunia e ofende sem que um músculo se lhe altere na face congestionada, soberba e antipática. Ele escapa-se das responsabilidades como o diabo da água benta, de uma forma e com uma ligeireza que nem o mais refinado dos burlões de feira conseguiria imitar…

Culpados das culpas dele são sempre os outros - uns "outros" permanentemente difusos e movediços, que ele vai nomeando e desnomeando ao sabor das circunstâncias políticas e dos seus interesses pessoais.
Agora, nos tempos sombrios e letais do covid-19, obviamente desorientado pelos falhanços monumentais em que incorreu desde o início da crise, ele furta-se uma vez mais ao reconhecimento de culpas e ao acto de contricção com que qualquer homem digno já teria avançado.

Homem digno e honrado é o que ele não é nem nunca será. Por isso mente - como é seu hábito e seu vício. Diz que não foi avisado a tempo. Que foi apanhado de surpresa. Que outros falharam primeiro, levando-o ao engano… Foram os Chineses, disse ele. Depois foi isto, e a seguir foi mais aquilo. Por fim foi a Organização Mundial de Saúde (OMS), a quem decidiu cortar, por castigo, o financiamento dos EUA.

Trump está, novamente, a mentir e a vigarizar - é um autêntico Donald das Petas. Consultem os jornais e as gravações televisivas de há uns meses, quando já toda a gente sabia do que se passava na China e dos perigos que isso acarretava para os Estados Unidos e para o resto do Mundo.

Nessa altura, que foi que fez o insigne Donald com as notícias que lhe chegavam? O que é que brotou do seu poderoso cérebro, de dois neurónios e meio doentiamente iluminados? Nem mais nem menos de que tudo aquilo não passava de uma invenção dos jornalistas - os jornalistas criavam fake news (a expressão foi dele) para o prejudicar…

Os Jornalistas (!). Foram portanto esses os primeiros culpados que ele escolheu para encabeçarem uma lista de "réus" que não tem parado de aumentar. São os bodes expiatórios de que necessita para camuflar a incomensurável incompetência e a completa ausência de escrúpulos que o caracterizam.

O que mais me espanta em tudo isto já nem é a gélida tranquilidade - e a infinita "lata" - com que este figurão atenta contra os factos e a verdade. O que mais me admira - e estarrece - é a pasmosa credulidade e a entusiástica carneirice com que muitos dos seus concidadãos se deixam manipular e conduzir por ele, ao ponto de parecerem dispostos a recolocá-lo, em próximas eleições, no lugar que foi de Lincoln.
Pobre América!


A propósito do nefando golpe com que Trump resolveu agredir a Organização Mundial de Saúde (OMS), cortando-lhe o financiamento americano (gesto já caracterizado, muito justamente, como um crime contra a Humanidade), o jornalista Miguel Sousa Tavares publicou na sua crónica semanal do "Expresso" (*) as linhas que, com aplauso e a devida vénia, a seguir transcrevo:

"(…) Agora, a meio de uma crise de saúde planetária de uma dimensão jamais vista, cortar o grosso do financiamento da OMS quando ele é mais necessário do que nunca, é coisa que só podia ser levada a cabo por um tipo tresloucado, cruel e obcecado com a sua reeleição, antes de tudo o mais.

Numa longa e terrível reportagem em dois hospitais do Bronx, esta semana, "The New York Times" recolheu o depoimento de médicos dizendo o que toda a gente teve ocasião de perceber por si mesma: que as semanas que Donald Trump levou a não querer aceitar a gravidade do coronavírus custaram milhares de mortos americanos.

E é por isso, e também por não conseguir explicar como é que o país mais rico do mundo foi apanhado completamente desarmado em termos clínicos para esta crise, que ele procura todos os dias um novo culpado que possa desviar as atenções de si próprio.
Este é o homem mais perigoso do planeta e está à frente da nação mais poderosa do planeta (…)."

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(*) - Jornal "Expresso" de 18 de Abril de 2020. Primeiro Caderno, pág. 11. A crónica completa tem, como título, Entre Ruínas e Morte.