quarta-feira, 1 de abril de 2020

Homenagem a Mário Viegas - Deixou-nos há 24 anos...


Mário Viegas (aqui)
(10 de Novembro de 1948 - 1 de Abril de 1996)


Corria o ano de 1972, nos tempos quase finais da guerra colonial portuguesa.
Mário Viegas era aspirante-a-oficial-miliciano quando pela primeira vez lhe pus a vista em cima, na sala de aulas de um quartel de Lisboa. Empoleirado numa das enormes mesas de tampo esverdeado, aquele instrutor militar debitava poemas vibrantes para uma classe de cadetes extasiados.

Era suposto que ele nos transmitisse uns quaisquer segredos vitais sobre logística de guerra, depósitos de víveres, tabelas alimentícias, protecção de transportes em zonas de conflito.
Mas quem teria sido o distraído, ou o ingénuo, que se lembrara de fazer do Mário Viegas um instrutor de guerra? Como seria de prever por quem minimamente o conhecesse, ele jamais se apoquentou com o que pretendiam dele os poderosos senhores dos exércitos...
Mário andava o mais arredio que imaginar se possa de qualquer vestígio de ordem castrense. Assim, nas provas e exames por que era responsável, toda a gente copiava, alegre e impunemente, rumo a classificações de brilho. Mais tarde, nos teatros de operações (operações "a sério"), cada um que se safasse como melhor pudesse…

Ficou-me do Mário Viegas a lembrança da simpatia expansiva, do instinto solidário, da rebeldia visceral, do comentário pronto, solto e corrosivo sobre os ridículos e as injustiças do mundo.
E ficou-me também a recordação (terá ficado em todos nós) da espantosa capacidade de declamação com que, do cimo daquelas grandes mesas esverdeadas, e completamente esquecida a guerra longínqua, nos ofertava poema atrás de poema.

Como sucedeu, certa vez, com esse inesquecível Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros, que ele arremessava em altas vozes aos "Dantas" que, na sua opinião, deambulavam por aquele mundo fardado e sombrio.
E que serve, ainda hoje, a todos os "Dantas" que andam nefastamente por aí (por muito injusto que isso possa ser para a memória do homem de algum talento que foi, de facto, o "autêntico" Júlio Dantas da cultura portuguesa).

(Cavaleiro da Torre)

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