quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Álbuns Especiais do "Cavaleiro Andante" (1)


Álbum Especial do Cavaleiro Andante, banda desenhada publicada em Junho de 1955 pela Empresa Nacional de Publicidade (Lisboa - Portugal).
Preço: 6 escudos (cerca de 3 cêntimos de euro, em termos actuais).
Continha, entre outras matérias, uma excelente versão de "A Pradaria", história criada em 1827 por J. Fenimore Cooper.
Cooper, autor do divulgadíssimo O Último dos Mohicanos (1826), foi um famoso escritor norte-americano (n. em 1789 - f. em 1851).
Pode ver em baixo a estátua que o homenageia, erigida em Cooperstown, New York.

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sábado, 22 de novembro de 2008

Prólogos Americanos - O Abraço



11 de Novembro de 2008 - O Presidente eleito dos Estados Unidos da América, Barack Hussein Obama, abraça Tammy Duckworth, sobrevivente da guerra do Iraque. Ou de como, infelizmente para Tammy, o 7.º de Cavalaria chegou desta vez muito tarde...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

terça-feira, 18 de novembro de 2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Chaka e Dingane - Os Zulus e os Bóeres (África do Sul)

"(...) É durante esta odisseia que vai produzir-se um tremendo embate en­tre os Bóeres e as tribos bantas.
Contra a opinião dos que preferiam os caminhos do Norte, al­guns milhares de pioneiros, chefiados por Piet Retief, espi­caçaram as juntas de bois rumo a leste. Tiveram o cuidado de tornear os domínios dos Xhosas, o perigo­so caldeirão onde havia mais de meio século fervi­lhavam mortíferas guer­ras de fronteira.

Efectuaram um desvio por nordeste, a gol­pes de tenacidade, atra­vés das cadeias montanhosas do Drakensberg. Foi literal­mente à força de braços que fize­ram transpor aos carroções e aos animais os obstá­culos dos maciços rocho­sos e o vazio apavorante dos abismos.
Desta maneira se fo­ram acercando, sem se darem conta, de um torvelinho humano onde se repercutiam ainda as ondas de cho­que da notável aventura expansionista dos Zulus, guiados por Chaka.

Este famoso sobera­no negro, que conduzira os destinos do seu povo, no Natal, entre 1816 e 1828, tinha forjado a partir da sua tribo insignificante uma destrutiva máquina de guerra e com ela talhara um poderoso império.
À frente de guerreiros descalços, munidos de es­cudos enormes e de zagaias curtas que obrigavam ao corpo-a-corpo, Chaka espa­lhara acções de conquista e extermínio entre os povos vizinhos. Atacou a norte, a oeste e, também, a sul, na direcção das terras onde os Xhosas prosse­guiam as suas disputas com os bóeres fronteiriços.
A consolidação do império fi­cou a dever-se à sua genialidade e à bravura dos seus guerreiros, submetidos a uma disciplina espar­tana, treinados até à exaustão e de energias espevitadas por forçados períodos de castidade.

O rolo compressor do expansionismo zulu ocasio­nou milhares de mortos e a fuga espavorida de legiões de sobreviventes, que, no frenesi do recuo, disseminavam a devastação e o luto por onde quer que passassem. Ao redemoinho destas massas humanas deslocadas, pelejando ardorosamente pela sobrevivência, deu-se o nome de mfeca­ne. Teve como resul­tado, para além do trá­gico cortejo de vítimas, o desmorona­mento de velhos reinos e a emergência de no­vas e esperanço­sas nações.
Até a colónia portu­guesa de Moçambique, situada para norte, à beira do Índico, não se furtaria ao gi­gantesco abalo, sofrendo a invasão de um exército de zulus comandados por um dissidente de Chaka - Sochangane, ou Manicusse. Deste cabo-de-guerra africano descenderia um neto não menos famoso, Gungunhana, filho de Muzila, muito cele­brado pelos Portugueses nas suas coloridas crónicas de guerra do fim do século, em Moçambique.

Foram territórios em parte desembaraçados de gente que os Bóeres, possuídos de optimismo, cruzaram nos começos do Grande Trek. Mas tratava-se de um des­povoamento passageiro, provocado pelas fugas aos massacres. Com a paz, produ­zir-se-ia o refluxo e o consequente choque entre brancos e africanos. Também os dois mil bóeres de Piet Retief se deixaram emba­lar por doces ilusões, quando, em Outubro de 1837, transpostas enfim as penedias do Drakensberg, poisa­ram os olhos extasiados nos campos fecundos e floridos do Natal, contíguos ao Índico.




A sorte reservava-lhes, porém, uma experiência de pe­sadelo.
Souberam que algumas deze­nas de aventureiros e co­merciantes ingleses se agitavam já na costa e perceberam que tinham acabado de desembocar no coração do império zulu.
Chaka fora assas­sinado em 1828 por Dingane, seu meio-irmão. Este, molemente afundado na velha poltrona que lhe servia de trono e reconfortado pelos mimos de uma cen­tena de concubinas, dirigia de Umgungundhlovu - o Lugar do Elefante - os destinos do seu temível povo de guerreiros.

Dingane, o Grande Elefante, perante quem os visitan­tes se rojavam de joelhos, acolheu jovialmente Piet Retief, assim que este chegou acompanhado de um comando de sessenta bóeres. O rei africano nem sequer pesta­ne­jou quando os estran­geiros lhe estenderam uma vaga pa­peleta para que ele lhe apu­sesse o seu sinal. Não lhe ia decerto pela cabeça que, com aquele displicente ra­bisco, os seus interlocuto­res se atrevessem a intitular-se proprietários de uma par­cela das suas terras. Mesmo que assim fosse, Dingane, posto de sobreaviso quanto à iminente chegada de alguns milhares de brancos, guardava dentro de si a chave que o libertaria daquela embru­lhada.

Assim, a 6 de Fevereiro de 1838 con­vidou Piet Retief e os seus homens para ce­lebrarem o acordo com generosas liba­ções de cerveja local, enquanto os guerreiros tratavam de os homenagear com dan­ças alti­vas. Os Bóeres, de­sarmados, sorvendo com placidez o fumo dos cachimbos, se­guiam prazentei­ros as evolu­ções dos dançarinos. Isto durou até ao instante em que o dissimulado soberano, deixando tombar a máscara da cortesia, desatou aos berros: Matem os feiticeiros!
Os guerreiros zulus caíram em fúria sobre os brancos des­prevenidos, massacraram-nos até ao último e abandonaram os corpos ensan­guenta­dos à voraci­dade dos abutres.



Dingane, empolgado, tomou novas e enérgicas decisões.
Era seu propósito in­fligir aos intrusos uma lição mestra, tão aterrorizadora que os convencesse a de­bandar, de uma vez por todas, dos seus domínios. Soltou os guerreiros pelos vales e colinas do território, na peugada das famílias bóeres desacauteladas. Perto de trezentos calvinistas - homens, mulheres e crianças -, juntamente com duas centenas de servos hotentotes, foram deste modo chacinados.

Depois da matança, e tal como calculara Dingane, alguns dos brancos decidi­ram tomar a direcção do Norte, para lá do rio Vaal, à procura de refúgios menos conturbados. A maior parte deles, po­rém, vigorosamente espicaçados pela deter­minação das mulheres, entre as quais sobressaía a viúva de Piet Retief, optaram por resistir. Isso trouxe-lhes, até quase ao final do ano, um nunca mais acabar de sobressaltos. Flagelados pelas investidas zulus, passavam dias a fio entrincheira­dos nos seus laagers.

Os laagers consistiam numa espécie de fortalezas ambulan­tes formadas por carroções dispostos em cír­culo, com todos os interstícios vulneráveis atravancados de ar­bustos espinhosos. Os pioneiros desfe­chavam desses sólidos abrigos um fogo nutrido sobre os assal­tantes e, em ocasiões propícias, montavam a cavalo e desferiam rápidos contra-ataques.
Em Novembro de 1838, senhor de todos os trunfos, o Grande Elefante parecia ter a partida ganha. Naquelas horas de agonia os Bóeres foram vendo desaparecer os seus chefes mais carismáticos. Depois de Piet Retief calhou a vez a Uys, abatido numa emboscada com vários companheiros, e a Maritz, que sucumbiu à doença. Potgieter, que jamais concordara com o malfadado desvio para o Natal, acabou por partir com os apaniguados até à relativa segurança do Vaal.

Enquanto Dingane se aprestava para o ataque decisivo, operou-se uma reviravolta providen­cial no des­tino daquela gente: Andries Pretorius, um abastado proprietário do Cabo que re­solvera juntar-se ao êxodo, chegou com o seu comboio de carroções às terras dos Zulus.
Robusto, lúcido e ousado, Pretorius foi eleito coman­dante dos pioneiros bóeres do Natal. Ordenou que todas as noites se formassem laagers e, bom psicó­logo, pressentindo o choque final, manipulou com astúcia o mis­ticismo reinan­te: convocou o seu meio milhar de combatentes e fê-los jurar que, em caso de triun­fo, construiriam um templo comemorativo e pas­sariam a guardar um dia anual de acção de graças. Assim fortalecidos, acolheram-se todos ao laager de sessenta carro­ções, nas vizinhanças de um estreito curso de água, e esperaram.


O ataque de Dingane sobreveio ao romper do dia 16 de Dezembro de 1838.
Milhares de zulus entoaram cânticos de guerra e lançaram-se sobre os Bóeres. Estes receberam-nos de corações abrasados de fé, com as suas preces, os seus salmos e, como é óbvio, com o fogo das carabi­nas, sublinhado pelo estampido de algumas salvas de canhão.
Uma e outra vez re­trocederam os as­saltantes, para logo retomarem a ofensiva. Os mais destemidos conseguiram trans­por a barreira de fogo e trepar aos toldos dos carro­ções, pulando para o interior do círculo defen­sivo. Aqui se feriu um selvático com­bate à zagaiada e à machadada, em que o próprio Pretorius escapou à morte por um fio.

Três horas após o início das hostili­dades, o exército zulu achava-se exausto e em retirada. Os cadáveres de três mil guerreiros cobriam o solo, contra perdas insig­nificantes dos defensores, e as águas do riacho adquiriram por instantes a pavoro­sa tonalidade do sangue das vítimas. Por tal facto, os Bóeres aludiriam daí em di­an­te a este evento como a Batalha do Rio do Sangue.

No arrebatamento da vitó­ria, um numeroso comando calvinista saiu em perseguição do exército inimigo des­tro­çado, fustigando-o ao longo de quilóme­tros. Dingane, com o orgulho de rastos, dei­xou aos inimigos Umgungundhlovu em cinzas, onde, não obstante, os Bóeres ar­ran­jaram maneira de recuperar os despojos de Piet Retief e o texto do acordo ce­le­brado com o Grande Elefante. Chegaria em breve o tempo de neste se cumprir a espécie de maldição que há muito pairava so­bre o destino dos soberanos zulus. Assassino do grande Chaka, que fora, por sua vez, proscrito na infância pelo pai, Dingane acabaria traído e derrotado pouco mais tarde por seu irmão Mpande, que um missionário descreveria como um verdadeiro cavalheiro banto. Posto em fuga, o Grande Elefante seria assassi­nado na Suazilândia.

Com o momentâneo eclipse da ameaça zulu principiou a desvanecer-se o turbi­lhão do mfecane e dos morticínios a ele associados. Os Bóeres aproveitaram a maré e, em 1839, proclamaram a República do Natal, convencidos de que os por­tões da terra prometida rodavam enfim nos gonzos para lhes franquearem a en­trada. Pura quimera. Ainda mal haviam saboreado o triunfo sobre Dingane e já ti­nham de novo à sua frente, como num sonho mau, aqueles persistentes Ingleses de que anda­vam fugidos.
(...)" (*)


(*) - José Bento Duarte - Senhores do Sol e do Vento - Histórias Verídicas de Portugueses, Angolanos e Outros Africanos - Editorial Estampa - Lisboa - 1999
 

NOTA IMPORTANTE


FOI RECENTEMENTE LANÇADA  pela editora Perfil Criativo (Autores.Club) a 3.ª edição desta obra, revista e reestruturada pelo autor (Maio de 2022):

Pode aceder a mais informações nos links abaixo: 

1 – APRESENTAÇÃO GERAL DO LIVRO  ----  Clicar em:

Senhores do Sol e do Vento | José Bento Duarte | Angola (autores.club)

2 – APRESENTAÇÃO COM OPINIÕES DE VÁRIOS CRÍTICOS  ----  Clicar em:      

Senhores do Sol e do Vento – AUTORES.club


(3.ª edição)
(Perfil Criativo - AUTORES.club)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Eterno Feminino...

(Moscovo, Praça Vermelha. Grupo de cadetes, envergando uniformes históricos, em parada militar recente)

(Foto: Denis Sinyakov - Reuters)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Miriam Makeba - Calou-se a Voz de África (1932 - 2008)

N. Johanesburgo (África do Sul) em 4-Março-1932.
F. Castel Volturno (Itália) em 9-Novembro-2008.

Podem recordá-la aqui:


domingo, 9 de novembro de 2008

Livraria "Vetusta", de Santiago de Compostela


Librería Vetusta
Rua Nova, 31, Santiago de Compostela, Galicia.








Um universo de surpresas (boas) em livros, postais, mapas, aguarelas...








Horários um tanto impensáveis, mas úteis às conveniências de muitos...







De 2.ª a 6.ª feira: das 17 às 21h.








Sábados: da 11 às 14h. e das 17 às 21h. 













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sábado, 8 de novembro de 2008

(José Saramago) - Palavras --- Palabras

Palavras

Felizmente há palavras para tudo.
Felizmente que existem algumas que não se esquecerão de recomendar que quem dá
deve dar com as duas mãos
para que em nenhuma delas fique
o que a outras deveria pertencer.

Assim como a bondade não tem por que se envergonhar de ser bondade,
também a justiça não deverá esquecer-se de que é, acima de tudo,
restituição, restituição de direitos.
Todos eles, começando pelo direito elementar de viver dignamente.


Se a mim me mandassem dispor por ordem de precedência
a caridade,
a justiça
e a bondade,
daria o primeiro lugar à bondade,
o segundo à justiça
e o terceiro à caridade.


Porque a bondade, por si só, já dispensa a justiça e a caridade,
porque a justiça justa já contém em si caridade suficiente.

A caridade é o que resta
quando não há bondade nem justiça.
.......................
Palabras

Afortunadamente hay palabras para todo.
Afortunadamente existen algunas que no se olvidarán de recomendar que quien da,
debe dar con las dos manos,
para que en ninguna de ellas se quede
lo que a otros les pertenecería.

Así como la bondad no tiene porqué avergonzarse de ser bondad,
tampoco la justicia deberá olvidarse de que es, por encima de todo,
restitución, restitución de derechos.
Todos ellos, empezando por el derecho elemental de vivir dignamente.

Si a mí me mandaran colocar por orden de precedencia
la caridad,
la justicia
y la bondad,
el primer lugar se lo daría a la bondad,
el segundo a la justicia
y el tercero a la caridad.

Porque la bondad, por si sola, ya dispensa la justicia y la caridad,
la justicia justa ya contiene en si caridad suficiente.

La caridad es lo que resta
cuando no hay ni bondad ni justicia.

(Escrito no Caderno de Saramago)
(Foto: Luís Caçador)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Barack Hussein Obama: "I Have a Dream..."


"Digo-lhes hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e das frustrações do momento, ainda tenho um sonho.
É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado da sua crença:

 
"Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais."


Tenho um sonho que um dia nas montanhas rubras da Geórgia os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos poderão sentar-se à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho que um dia o estado do Mississipi, um estado deserto, sufocado pelo calor da injustiça e da opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Tenho um sonho que os meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu carácter.
Tenho um sonho, hoje..." (*).

(*) - Martin Luther King, Washington, 28 de Agosto de 1963.

Máscara Africana (1)

País de origem: Ghana

Artista: Juliana Akandas

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Sarah Palin Presidente? (The Scream - O Grito)

(O Grito - Edvard Munch - Noruega - 1893)


(O Grito - Sarah Palin - USA - 2008)

domingo, 2 de novembro de 2008

A Morte de Inês de Castro (Coimbra, Janeiro de 1355)

Pedro de Portugal e Inês de Castro, amantes.
Pedro era filho e herdeiro do rei Afonso IV.
Inês foi condenada à morte por causa dessa ligação.

"(...) Afonso IV, perante os cenários que assim se lhe vão futurando, continua a hesitar por algum tempo. Mas, nos começos de Janeiro de 1355, mais ou menos um mês depois de Pedro de Castela se ter escapado de Toro, ele convoca o conselho para Montemor-o-Velho. Desta vez - muito provavelmente devido à confusão política que lavra no reino vizinho, a qual se teme possa alastrar a Portugal -, o rei tenciona abor­dar o caso em termos urgentes e finais. Ele tolerou o desafio da paixão de Pedro durante cerca de uma década, mas, agora, já não se acha na disposição de contemporizar.

Diz-se que foi um julgamento o que em Montemor se realizou. Porém, neste julgamento de uma mulher ausente e desprevenida, onde comparece gente das justiças reais e onde se enfileiram, uma após outra, as tremendas vozes de acusação, não consta que haja soado uma única frase de defesa. Inês de Castro torna-se culpada no mesmo instante em que a tomam por ré e, num relâmpago, sofre a condenação fulminante.
Segundo as veneráveis razões de Estado, que são cegas e insensíveis, e que, portanto, deslizam sempre por linhas desempenadas e inclementes, ela é culpada de amar erradamente. Amou o homem errado, no país errado, no tempo errado. E a sua culpa fez-se irremediável no momento em que se viu por igual erradamente retribuída no seu amor.
Em Montemor-o-Velho, Inês é, portanto, declarada culpada. E por culpas de um tal crime ordenam as ditas razões de Estado que se execute sen­tença de morte. Está tudo visto, revisto e resolvido. Que morra, então, como criminosa de amor que é, Inês Pérez de Castro, Colo de Garça, lindíssima filha da Galiza, para descanso e salvação da terra lusitana.

No dia 7 de Janeiro de 1355, Afonso IV sai para Coimbra com muita gente armada, com alguns conselheiros, com o meirinho-mor e com o carrasco. O momento foi escolhido com cuidada premeditação: Pedro ausentou-se dos paços de Santa Clara para as suas caçadas e o caminho surge desimpedido.
Alvitram alguns que a marcha se deve ter feito pelo alvorecer deste funesto dia de Inverno. É muito possível, pois o bando que assim se acerca dos campos rasos da margem esquerda do rio parece empenhado em passar despercebido. O movimento sorrateiro faz mais lembrar uma investida de salteadores do que a marcha compenetrada dos executores de uma sentença judicial. Há discrição e silêncio, e não se lança o pregão público das culpas.
Afinal, de que forma se poderia denunciar aos povos o crime de uma paixão?

Em poucos instantes o grupo acha-se diante das casas de Santa Clara e alguém chama pelos de dentro. A partir desta altura os pormenores perdem nitidez. De acordo com os velhos cronistas, Inês, avisada, assoma num sobressalto à porta, e aqui, dando com a face rígida e determinada do rei, olha-o com o rosto de mulher que vê a morte presente.

É de facto uma mensagem fatal a que ela lê neste semblante fechado e sinistro, desprovido de comiseração. E diz-se que, na aflição, transida de pavor, nada mais consegue fazer do que interpor entre si e os recém-chegados, como pungente e frágil barreira, a inocência espantada dos seus filhos, e com tantas lágrimas e com palavras assim piedosas pede misericórdia e perdão a el-rei.

Afonso IV diante de Inês de Castro
(Quadro de Columbano Bordalo Pinheiro)
Há quem hoje se obstine em rejeitar este quadro, argumentando que a cena é inverosímil, que as coisas não ocorriam assim, que as sentenças tinham forma própria de execução: portanto, desprezando os cronistas, excluem Afonso IV desta alvorada de morte nas margens do Mondego. Contudo, esmiuçando os factos, o que sobressai é exactamente o modo como tudo encaixa nesta história tal como a escreveram os antigos. O próprio rei, de resto, confirmará mais tarde a sua presença no local.
Ponderemos a gravidade da sua decisão. Ele não sentenciou um súbdito qualquer. A mulher que ele quer matar é mãe de três netos seus e companheira única, talvez esposa legítima, do seu filho e herdeiro, isto é, do homem que não tardará a tomar conta do Reino.
Por tudo isto, a presença do soberano em Santa Clara torna-se obrigatória, serve para proteger os conselheiros e os oficiais de justiça, porventura não tanto de um regresso inesperado do infante, mas daquilo que pode ser a futura reacção deste.
Comparecendo nestes paços o rei atrai sobre si a responsabilidade do gesto assassino e afasta dos outros a culpa, ou, pelo menos, a culpa maior.

Quanto ao temperamento necessário para suportar um choque destes, é coisa que lhe não falta. Recordemos a fereza brutal deste bravíssimo varão, para quem as razões de Estado, não sendo tudo, sempre pareceram quase tudo.
Ele continua a ser o mesmo das aventuras tortuosas de Magacela, quando com outros se combinava para aniquilar os do próprio sangue. Este rei foi na juventude aquele infante que se alimentou de um ódio mortal por seus irmãos, é a mesma criatura que não teve uma centelha de piedade para com o pai já exausto, à beira do túmulo, forçando-o a abdicar dos seus afectos e do gosto de viver.
Este homem ordenou a morte de um irmão, escorraçou outro para um exílio ácido, lançou por ciúmes o Reino numa sangrenta guerra de família, incendiou as fronteiras com o país vizinho para vingar a infelicidade conjugal da filha.

Umas vezes com alguma razão, outras nem tanto, Afonso é sempre Afonso - o mesmíssimo ente que neste momento se acha em Santa Clara de Coimbra, com o rosto esculpido numa impiedade granítica, diante da filha de Pedro de Castro, seu parente e companheiro de juventude.

Túmulo de Inês de Castro (Alcobaça - Portugal)
Colo de Garça continua desfeita de terror, provavelmente agarrada aos filhos, que formam a cândida defesa que a separa da morte. Com Pedro ausente, postada diante do velho implacável, junto de quem mais poderia ela buscar salvação?
Afonso não despega da vítima os olhos assustadores. Insistamos: ele pertence àquela estirpe de seres que, quando servem uma causa que julgam superior, se despedem quase em absoluto da sua humana condição. Nesta espécie de gente, um homem de mando que se confesse sentimental ou é um fingidor, ou um falhado ou um mestre da demagogia.

Apesar de tudo, tais personagens apresentam às vezes, algures, algumas fendas nas suas couraças. Por exemplo, este rei que aqui temos - e que é tudo aquilo que atrás vimos - também não se reduz a um monstro completo de insensibilidade. Palpita nele, ainda, uma fibra humana. Minúscula, abafada, reprimida, mas palpita. E, nesta hora excruciante de Santa Clara de Coimbra, esse fio de humanidade acaba por dar sinal de si, talvez acordado pela visão das crianças apavoradas.
Eis um percalço que ninguém previu em Montemor. O rei abana, mostra jeitos de retroceder. Os conselheiros percebem-lhe a indecisão. E assustam-se. Que será deles se as coisas ficarem por aqui, poupando-se esta mulher que os soube ali, em sua casa, espicaçando o rei no seu desígnio homicida? Quem os poderá livrar do castigo do infante - que já é quase rei - e da revolta de Inês, que, sobrevivendo, ninguém tem dúvidas de que se tornará um dia rainha? Como reagirá Pedro se pela boca da sua amada alguma vez tomar conhecimento da verdade?

No rei coexistem por instantes dois impulsos – o de uma ténue e secreta vulnerabilidade, que o põe à beira de ceder à emoção, e o da pública impiedade, decorrente de deveres que o transcendem e que não lhe autorizam a clemência.
Nestes poucos segundos, mais do que a sorte da formosíssima amante de um príncipe, jogam-se em Santa Clara os destinos de um país. Não haja dúvida de que uma Inês sobrevivente dará origem, neste canto ibérico, a um Portugal diverso daquele que outros parentescos e gerações aqui poderão edificar.
Quando Afonso IV vira, enfim, as costas à condenada, assediam-no os conselheiros e os homens de justiça que o acompanham, mortos de apreensão por aqui terem vindo para nada. Imploram que o rei cumpra o que resolveu em Montemor-o-Velho, que cumpra tudo para salvar o Reino e, talvez mais do que isso, para os salvar a eles. Fixem os nomes dos principais, porque cedo tornarão a ouvir falar deles. Meirinho-mor: Álvaro Gonçalves. Conselheiros: Pero Coelho e Diogo Lopes Pacheco.

Afonso recua, distancia-se da visão atroz do pavor de Inês. Mas, assim que o faz, acaba por escolher os caminhos de Pilatos. Ele foge da desgraça que criou, não lhe põe fim. O que ele diz aos que o rodeiam é o que eles querem ouvir, é o assentimento, a confirmação daquilo que em Montemor-o-Velho se firmou. Enquanto foge, consente. Seja o que for que ele tenha realmente dito aos conselheiros, foi como se lhes ordenasse: Vão e façam o que quiserem.
Procedendo deste modo o rei transfere culpas, perde autenticidade, diminui-se. E os seus companheiros, provavelmente com ele já ausente - como um criminoso arrependido -, invadem este ninho de amor transformado em câmara de execução e, porventura dali retiradas as crianças, deitam as mãos precipitadas e nervudas à condenada.

Inês parece ter-se debatido, num último e desesperado apego à vida. Mas a sua resistência, se existe, é breve e baldada, porque o único ser que lhe poderia valer anda longe e ignorante de que aqui, com a vida dela, o que lhe tiram a ele é também a vida e, sobretudo, o siso. Agarram-na, sujeitam-na, oferecem-na ao carrasco. Inês pertence já por inteiro a este mestre da morte, que lhe puxa para trás a cabeça e lhe expõe ao lampejo frio da lâmina assassina a finíssima garganta de alabastro. Tudo acaba na revolta brusca e impotente de uma cabeleira esvoaçante.
E Colo de Garça ali fica, caída, desfigurada e lívida, numa poça de sangue tépido, a dois passos das águas turvas e enregelantes do Mondego (...)" (*)

(*) - José Bento Duarte - Peregrinos da Eternidade - Crónicas Ibéricas Medievais - Editorial Estampa - Lisboa - 2003

(Nota da Torre - Ao contrário do que muitas vezes se divulga, a história completa de Pedro e Inês não se encerra nesta cena cruenta nem nos míticos túmulos brancos de Alcobaça.
Na verdade, cerca de um século depois, os seus descendentes sentar-se-ão em todos os tronos cristãos da Península Ibérica.
Será assim em Castela, em Navarra, em Aragão e, quem diria, em Portugal...)