Pequenas e grandes histórias da História e mensagens mais ou menos amenas sobre vidas, causas, culturas, quotidianos, pensamentos, experiências, mundo...
No dia 14 de Agosto de 1385, as pretensões de Juan I de Castela ao trono de Portugal estilhaçaram-se em Aljubarrota numa batalha breve, mas cruel (reveja Batalhade Aljubarrota). Alguns relatos dão conta de que, no instante crucial do recontro, Juan I - doente, vencido, quase sem esperança de salvação - procurou desesperadamente um cavalo para se escapar do inferno em que se havia metido. Foi então que se adiantou Pedro González de Mendoza, mordomo-mor do rei castelhano, disposto a morrer para salvar o seu senhor. E assim, de joelho em terra, ofereceu ao monarca derrotado a sua própria montada. Perdendo pouco depois a vida às mãos dos portugueses, ficou para sempre imortalizado nas velhas lendas ibéricas. Um artista dotado e sensível,Mariano Salvador Maella, recriou com a sua imaginação o momento supremo em que Juan I recebeu do súbdito lealíssimo o animal que lhe proporcionaria uma fuga desenfreada até Santarém, cidade portuguesa que, por essa altura, se achava ainda em poder dos castelhanos. E daí se evadiria até Espanha, para jamais voltar ao pequeno, cobiçado, mas arisco Portugal...
O quadro, a óleo (acima reproduzido), está guardado no Museu do Prado, em Madrid.
A ferida desse dia, essa, ainda dói - e talvez nunca mais deixe de doer nos espíritos dos espanhóis sabedores da História...
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Na seguinte peça de música popular (uma chula), o grupo Maio Moço
homenageia o chefe do exército português daquele tempo,
o Condestável Nuno Álvares Pereira,
alma e braço mais forte da vitoriosa resistência de Portugal
ao seu poderoso e muitas vezes ameaçador vizinho castelhano.
(Se quer saber mais sobre D. João V e a sua atitude para com as mulheres, cliqueaqui)
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"D. João V, esse rapazola «un peu fou», como dizia Mathieu Marais no seu Journal, trouxe à corte sorna e beata do princípio do século XVIII uma verdadeira convulsão.
Revolucionou tudo, transformou tudo.
Com o avô D. João IV, o paço fora uma capela; com o tio Afonso VI, uma cavalariça; com o pai Pedro II, um mosteiro.
D. João V sacudiu dos seus manguitos de renda toda a poeira do passado — e acabou com o mosteiro, com a cavalariça e com a capela.
Pois quê? Os seus vinte anos haviam de deixar-se abafar naquela corte sem mocidade e sem mulheres, por cujos corredores soturnos, em silêncio, não passavam senão velhos e frades?
Não.
O sonho de Versailles, que ele nunca vira, deslumbrava-o, acenava-lhe de longe.
Uma corte não podia ser uma sacristia, nem um picadeiro, nem um claustro.
Uma corte como ele a entendia, como ele a sentia — ele, afilhado do Rei-Sol — devia ser alguma coisa de vivaz, de brilhante, de luminoso, de magnífico, um gineceu doirado por onde o galo real passeasse, rufiando a asa e encrespando a crista, com a Jarreteira no joelho, a impertinência no olhar e o Tosão de Oiro ao pescoço.
No Paço da Ribeira só havia salas bafientas, escuras, monásticas, com tectos de tumba e chão de tijolo? Que importava! Faziam-se outras.
As mulheres fechavam-se, embiocavam-se, aferrolhavam-se à mourisca nas suas câmaras, com medo de que os homens as comessem?
Pois bem: o rei era ele, a moda era ele.
Haviam de vir dançar com os homens, falar com os homens, conviver com os homens — fazer cintilar, naquela Versailles saloia do Arco dos Pregos, à luz de quinhentas velas acesas, a sua nobreza e a sua graça, a sua mocidade e as suas jóias.
Iam murmurar os Catões do Paço?
Que importavam os Catões velhos à juventude insolente de D. João V!
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Mariana de Áustria chegou, com os seus jesuítas, os seus cães, a sua fealdade, os seus cravos holandeses. O rei casou-se.
E da sombra do velho Paço do século XVII, da capela de D. João IV, da cavalariça de Afonso VI, do mosteiro de Pedro II, jorrando luz, faúlhando talhas, sacudindo polvilhos, revoando pinturas, enchendo, dum topo a outro, a nova Sala dos Embaixadores, entre leques e espadins, púrpuras de cardeal e casacas de seda, cabeleiras de França e músicos de Itália, acanhada ainda, hesitante ainda, tonta de liberdade e de claridade — a corte de D. João V surgiu.
Sem luta?
Não. Não se afastam séculos de tradição, ligeiramente, com o tacão vermelho dum sapato.
O «Portugal novo» aplaudiu; mas o «Portugal velho», tudo quanto havia de anacrónico, de conservador na nobreza palatina, não duvidou protestar, respeitosamente embora, contra hábitos estrangeiros de licença e de escândalo que vinham perturbar a serenidade patriarcal da corte portuguesa.
Formaram-se dois partidos: o da «moda nova», capitaneado pelo conde da Ericeira, D. Francisco, homem elegante, desempoeirado, jovial; e o da «moda velha», pelo conde de Vimioso, espécie de duque de Saint-Simon, azedo e formalista, taciturno e devoto, para quem o lar era um mosteiro, a virtude uma clausura, e uma mulher — o diabo.
O primeiro tinha por si o rei.
O segundo tinha por si a tradição.
«Fui ao Paço (conta o desembargador Brochado para Londres, em carta ao conde de Viana) a perturbar com a minha beca a alegria de tão espaçosas salas, onde me dizem que há grandes disputas entre os cavalheiros para a constituição da nova corte; porque uns querem que as senhoras se deixem ver e venham conversar com eles nas antecâmaras; que joguem e bailem sem distinção de sexo e de idade; outros, pelo contrário, pregam retiro, silêncio e recato, e detestam o comércio de damas e cavalheiros».
Terreiro do Paço (Lisboa)
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Não era fácil encontrar uma fórmula de conciliação entre a observância da Cartuxa e as festas do Grand Trianon.
Venceu quem tinha de vencer: o partido da «moda nova», o partido do conde da Ericeira — o partido do rei.
No dia 4 de Novembro de 1708, dia de S. Carlos, as salas dos Tudescos, dos Embaixadores, dos Leões, abriram-se, inundaram-se de luz, armaram-se de panos de Arras; damas acanhadas, deslumbradas, salpicadas de jóias, entraram aos bandos, tímidas, escorregando, escondendo-se, encostando-se umas às outras como ovelhas medrosas;
pela primeira vez, desde os bons tempos de D. Manuel, homens e mulheres encontraram-se, conheceram-se, cortejaram-se nas salas do Paço; a rainha tocou cravo; a infanta D. Francisca, muito gorda, muito corada, muito empoada, dançou;
os moralistas de bioco do Portugal velho cuidaram que se tinha acabado o mundo e a vergonha — e Luís Manuel da Câmara, alarmado, apreensivo, contava para a Holanda, seis dias depois, em carta a D. Luís da Cunha: «houve um baile no dia de S. Carlos, em que dançaram e cantaram as damas do paço na presença de damas e fidalgos; el-Rei está teimoso em estrangeirar o nosso país, e não sei até onde chegará...»
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Desde esse dia produziu-se — era inevitável — uma profunda modificação nos costumes e na moral da corte.
A sedução nasceu.
A graça revelou-se.
Cultivou-se a elegância.
Balbuciou a intriga.
Surgiu o amor.
A nobreza portuguesa do princípio do século XVIII, carrancuda e beata, sorna e patriarcal, que mandava casar as filhas sem elas saberem com quem, teve de contar, daí por diante, com um elemento novo.
A menina fidalga, a frança do Paço, requestada, galanteada, perseguida — pôde amar e escolher. Escolhendo — dignificou-se.
Dignificando-se — dominou.
O motivo sentimental começou a intervir nos casamentos da corte.
As mulheres das grandes casas fidalgas continuavam a viver reclusas como cónegas, a sete chaves, de pernas encruzadas sobre a sua esteira?
D. João V trouxe-as ao Paço — e insensivelmente, inconscientemente, foi fazendo desse Paço uma escola de convivência e de galanteria, que as poliu, que as sociabilizou, que as libertou, que as revelou a si mesmas, que as educou na arte subtil de conversar, de perturbar, de seduzir.
É por isso que, a partir D. João V, o culto da mulher ganha em interesse, em curiosidade, em volúpia." (*)
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(*) Fonte - Júlio Dantas - O Amor em Portugal no Século XVIII
Foi filha natural de D. Afonso VI, rei de Leão e Castela, e de D. Ximena Muniones, ou Nunes.
Ignora-se a data do seu nascimento, calculando-se que este tenha ocorrido cerca do ano de 1080. Faleceu em 1130, por volta dos cinquenta anos. Casou com D. Henrique de Borgonha, chegado à Península Ibérica para auxiliar o rei de Leão nas lutas da reconquista contra os Mouros. Por tal facto, foi concedido a Henrique o Condado Portucalense, que se tornou no território original de Portugal.
D. Teresa foi mãe do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, que nasceu em Guimarães, cerca de 1109 (?), tendo falecido em 1185 (veraqui).
Evolução territorial do Condado Portucalense, até atingir as fronteiras actuais de Portugal
Não é fácil determinar com precisão os contornos daquele Condado Portucalense.
Do lado ocidental, sabe-se que ia desde o rio Minho até ao rio Tejo.
Quanto à fronteira oriental, e ao norte do Douro, estendia-se entre a Terra de Panóias e a de Bragança; ao sul do Douro, ia de Lamego ao Côa, devendo seguir uma linha próxima do que é hoje a fronteira portuguesa.
Retrato imaginário do conde D. Henrique, marido de D. Teresa e pai de D. Afonso Henriques
Quando o conde D. Henrique morreu, em Astorga (1112), D. Teresa tomou a regência do condado sem grande dificuldade, o que demonstra o carácter hereditário do mesmo. Embora não se conheça qualquer documento probatório, aceita-se que D. Henrique a escolheu para governar durante a menoridade do filho D. Afonso Henriques.
A confiança ilimitada em Fernão Peres de Trava, representante da fidalguia galega, afastou de D. Teresa os poderosos barões portucalenses, que se associaram em torno do jovem D. Afonso Henriques no sentido da independência do território (em relação a Leão e Castela).
Recriação da batalha de S. Mamede, junto a Guimarães
D. Afonso Henriques armou-se a si próprio cavaleiro, em Zamora (1125). O seu primeiro acto militar rumo à independência aconteceu em 1128, junto a Guimarães, quando venceu a batalha de S. Mamede contra as forças de sua mãe, D. Teresa, coligada com os fidalgos galegos (chefiados por Fernão Peres de Trava). Nas forças de Afonso Henriques prevaleciam os minhotos e os beirões.
D. Teresa (a quem aliás a independência de Portugal muito deve) refugiou-se depois da batalha de S. Mamede em terras da Galiza, provavelmente na companhia de Fernão Peres de Trava.
Tendo falecido em 1130, o seu corpo seria trasladado para Portugal.
Repousa na Sé da cidade de Braga, na Capela dos Reis, ao lado do túmulo de seu marido, o conde D. Henrique.
O castelo de Guimarães (Portugal)
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Um texto de Alexandre Herculano sobre D. Teresa
“Os escritores modernos, empenhados em salvar a reputação moral de D. Teresa como mulher, esqueceram-se de lhe fazer justiça como rainha ou regente de Portugal. Tem-se dissertado largamente sobre o seu consórcio com o conde Fernão Peres de Trava, que nada nos autoriza a admitir, enquanto o valor histórico do seu governo é perfeitamente desprezado. Todavia, durante catorze anos, os actos da viúva do conde D. Henrique mostram bem a perseverança e a destreza com que buscou desenvolver e realizar o pensamento de independência que ele lhe legara.
Os pais de D. Afonso Henriques, D. Teresa e D. Henrique, titulares do condado Portucalense
Cedendo à força das circunstâncias, não duvidava de reconhecer a supremacia da corte de Leão para obter a paz, quando dela carecia, salvo o recusar a obediência quando cria possível resistir. Associando-se habilmente aos bandos civis que despedaçavam a monarquia leonesa, ia criando no meio dela, para si e para os seus, uma pátria.
Apesar das invasões de cristãos e sarracenos e das devastações e males causados por uns ou por outros nos territórios dos seus estados, estes cresceram em população, em riquezas e em forças militares. Pelas armas e pela política aumentou a extensão dos próprios domínios ao oriente e ao norte, conservando ao sul a linha das fronteiras que seu marido já lhe deixara encurtadas.
Estátua de D. Afonso Henriques (1.º rei de Portugal)
O castigo de um erro, que, medido pelos costumes do tempo, estava longe de ser imperdoável, parece-nos demasiado severo, e o procedimento dos barões portugueses para com ela merecerá dos prevenidos a imputação de ingrato.
D. Teresa foi vítima de um sentimento nobre em si, mas às vezes excessivo e cego, que ela tinha feito crescer, radicar-se, definir-se, e que serviu de pretexto de rebeldia à ambição de Afonso Henriques, ou antes: à daqueles que por meio do inexperiente príncipe esperavam melhor satisfazê-la. Este sentimento era o da nacionalidade.” (Alexandre Herculano – História de Portugal – Tomo II – 9.ª edição – pág. 130-132).
Estátua de D. Teresa em Ponte de Lima (Norte de Portugal)
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Bandeira do conde D. Henrique e 1.ª bandeira do reino de Portugal
NOTA ADICIONAL Datas mais relevantes da independência de Portugal
(que não se reconduz a um acto único):
a) 24 de Junho de 1128 – Portugal liberta-se face à Galiza – Batalha de S. Mamede, Guimarães. b) 4 e 5 de Outubro de 1143– Conferência de Zamora (Leão) É reconhecido a Afonso Henriques, por Afonso VII de Leão e Castela, o título de Rei (ele já o usava, “internamente", havia cerca de três anos). Isto não significava, automaticamente, o reconhecimento da independência. c) 13 de Dezembro de 1143 – Afonso Henriques escreve ao Papa e reconhece-se vassalo da Santa Sé (há nisto uma afirmação de libertação em relação a Leão). (Carta Clavis regni). d) Reconhecimentos de Portugal pela Santa Sé – 1 de Maio de 1144 (carta Devotionem tuam) e 23 de Maio de 1179 (bula Manifestis probatum). Esta segunda é apenas a confirmação do reconhecimento anterior.
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Malhão do Rei
(pelo grupo Maio Moço)
Neste disco de música popular portuguesa, o Maio Moço homenageia as figuras acima referidas, desde a chegada do conde D. Henrique ao Condado Portucalense até à posterior e impressionante cavalgada militar do seu filho, D. Afonso Henriques.
Este nosso primeiro rei (a quem o malhão é dedicado) conquistou aos muçulmanos amplos espaços e cidades para sul (Lisboa, Santarém, etc.), inaugurando assim o poderoso e irresistível impulso que haveria de conduzir, poucos anos depois, às actuais fronteiras de Portugal (reveja, acima, os mapas da evolução territorial do Condado Portucalense).