sábado, 27 de abril de 2019

Portugal Visto por Estrangeiros (Século XVIII) - Os Portugueses e as Portuguesas




César de Saussure nasceu em Lausanne, no dia 12 de Junho de 1705, e faleceu, na mesma cidade, em 8 de Março de 1783.
Iniciou aos vinte anos as suas viagens, percorrendo sucessivamente a Alemanha, a Holanda e a Inglaterra.
Embarcado num navio da marinha real inglesa em Outubro de 1729, entrou na barra do Tejo, Lisboa, no primeiro dia de 1730, reinando em Portugal D. João V (ocupou o trono de 1706 a 1750).

Saussure deixaria da sua permanência em Portugal umas curiosíssimas anotações. Algumas resultaram da sua própria observação; outras terão decorrido de ter dado ouvidos ao coro de má língua que em muito contribuiu para a "lenda negra" do nosso país no século XVIII.
Transcrevem-se seguidamente as suas impressões sobre os portugueses - e as portuguesas...


"Os portugueses, de uma maneira geral, são excessivamente vaidosos e vãos, gostando de ostentar magnificência. É frequente encontrarem-se simples artífices vestidos como grandes senhores (…). Mas não só na magnificência e no trajo se manifesta a vaidade dos portugueses; revela-se também no desejo de passarem por sábios, embora, na realidade, sejam ignorantes completos.
Nunca tive notícia de um português que houvesse adquirido reputação pelo seu saber, desde há muito tempo para cá, pelo menos.

Os eclesiásticos, os jurisconsultos, os médicos e muitos outros desejam aparentar de estudiosos. Para dar tal efeito usam todos, seja qual for a idade que tenham, um grande par de lunetas encavalitadas no nariz e que nunca tiram, quer vão a pé, a cavalo ou de coche, quer estejam à mesa ou em simples conversa. Pretendem fazer crer que enfraqueceram a vista a estudar. É esta uma mania divertida, para não dizer ridícula, porque é grande extravagância que um rapaz de vinte anos passeie gravemente pelas ruas, e até algumas vezes a cavalo, armado com um grande par de lunetas no nariz.

Se os portugueses apenas tivessem os vícios de serem impostores e vaidosos seria agradável vê-los e conviver com eles, porque, na sua maioria, possuem espírito, ardor, vivacidade. Mas são também extraordinariamente altivos, orgulhosos e arrogantes. Neste particular, parecem-se com os espanhóis.

Não fica, porém, por aqui; são, para mais, velhacos, traiçoeiros, desonestos. Poucos há que tenham escrúpulo de matar um inimigo à traição. Todos estes defeitos fazem com que os ingleses e os franceses aqui estabelecidos para comércio quase não convivam com os portugueses ou tenham pouco trato com eles, excepto no que se refere a negócios, e mesmo assim com cuidado, para não serem enganados. 


As portuguesas são bastante amáveis, espirituosas e muito vivas. Não são tidas como ariscas, mas poucas ocasiões se lhes oferecem para o provar, porque quer os pais, quer os maridos ou mesmo os irmãos, são invulgarmente zelosos, exercendo sobre elas uma fiscalização aturada. De casa só saem para ir à igreja ou para fazer visitas.
Tive ensejo de ver algumas que me pareceram muito bonitas. No geral, não são alvas como as inglesas, mas, pelo contrário, um pouco morenas.
Têm um ar picante que lhes vai a matar.

Eis como se ataviam: desprezando os toucados, usam habitualmente os cabelos frisados aos lados e enfeitados com flores, travessões e pedrarias. Apartam o cabelo pela nuca em três, quatro ou cinco tranças, conforme lhes dá na fantasia, havendo algumas que as deixam caídas pelas costas e outras que as enrolam em carrapitos ou as metem em coifas de cordão de seda ou de veludo brocado de ouro ou de prata.

Quando em trajes menores usam as mulheres portuguesas uma saia, uma camisola ou um colete muito justo ao corpo, e nas mangas e sobre os ombros um mantelete ou xaile curto de seda, veludo ou tecido rico.
Para a rua usam cobrir-se com uma capa comprida de pano preto, que vai da cabeça aos pés, por forma que apenas fica visível uma parte do rosto.




A rainha, as princesas e as damas da corte usam trajos à moda da corte de França, tão decotados no peito e nas costas que mostram totalmente os ombros e quase todo o colo.
Se as senhoras portuguesas vão a pé à igreja, são sempre acompanhadas por um comprido séquito de escravos, criados e açafatas. Os escravos (em Lisboa há pretos e pretas para ali trazidos de África) vão à frente; seguem-se-lhes as criadas, as açafatas, as meninas da família e, finalmente, a Dona ou Senhora. Vão seguindo umas após outras, muito lentamente, numa fila que chega a atingir a extensão de 10, 15 ou 20 pessoas.

Os portugueses são, em geral, muito devotos; melhor direi classificando-os de muito supersticiosos. O seu zelo religioso revela-se no respeito extraordinário que manifestam pelos eclesiásticos e pelos frades.
Quando encontram frade no seu caminho, em vez de o cumprimentarem - como é costume para com as pessoas de outra condição - beijam respeitosamente a manga direita do sujo e repugnante hábito, a qual o frade logo lhes oferece arrogantemente.

(…) O zelo dos portugueses pelos serviços divinos revela-se na pontualidade com que os frequentam, pela pompa e brilho com que os celebram e pela riqueza com que ornamentam as suas igrejas.
São particularmente devotos da Virgem Santa e dos Santos, e pode até afirmar-se que quase só a eles prestam culto. O do Deus verdadeiro não é aqui muito praticado."

Fonte - O Portugal de D. João V Visto por Três Forasteiros - Presidência do Conselho de Ministros - Secretaria de Estado da Cultura - Biblioteca Nacional - Lisboa - 1989 (Tradução, prefácio e notas de Castelo Branco Chaves)

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Parábola das Tristes Décadas

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(Escrito no ano de 2010 pelo jornalista Baptista-Bastos, 1933-2017)


Há trinta e cinco anos que vocês nos manipulam,
nos dominam, nos mentem, nos omitem, nos desprezam.

Há trinta e cinco anos que nos roubam,
não só os bens imediatos de que carecemos,
como a esperança que alimenta as almas
e favorece os sonhos.

Há trinta e cinco anos que cometem o pior dos pecados,
aquele que consiste na imolação da nossa vida
em favor da vossa gordura.

Há trinta e cinco anos que traem a Deus e aos homens,
sem que a vossa boca se encha da lama da mentira.

Há trinta e cinco anos que criam
legiões e legiões de desempregados,
de desesperados,
de açoitados pelo azorrague da vossa indignidade.

Há trinta e cinco anos que tripudiam
sobre o que de mais sagrado existe em nós.

Há trinta e cinco anos que embalam as dores
de duas gerações de jovens,
e atiram-nos para as drogas, para o álcool,
para uma existência sem rumo, sem direcção e sem sentido.

Há trinta e cinco anos que caminham,
altaneiros e desprezíveis,
pelo lado oposto ao das coisas justas.
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Há trinta e cinco anos que são desonrados,
torpes, vergonhosos e impróprios.

Há trinta e cinco anos que, nas vossas luras e covis,
se acoitam os mais indecentes dos canalhas.

Há trinta e cinco anos que se alternam no mando,
e o mando é a distribuição de benesses,
prebendas, privilégios
entre vocês.

Há trinta e cinco anos que fazem subir as escarpas
da miséria e da fome
milhões de pessoas que em vocês melancolicamente
continuam a acreditar.

Há trinta e cinco anos que se protegem uns aos outros,
que se não incriminam, que se resguardam,
que se enriquecem,
que não permitem que uns e outros sejam presos
por crimes inomináveis.

Há trinta e cinco anos que vocês são sempre os mesmos,
embora com rostos diferentes.

Há trinta e cinco anos que os mesmos jornais,
sendo outros,
e os mesmos jornalistas de outra configuração,
sendo a mesma,
disfarçam as vossas infâmias,
ocultam as vossas ignomínias,
dissimulam a dimensão imensa dos vossos crimes.

Há trinta e cinco anos
sem vergonha,
sem pudor,
sem escrúpulo
e sem remorso.


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Há trinta e cinco anos que não estão dispostos
a defender coisa alguma
que concilie o respeito mútuo com a dimensão colectiva.

Há trinta e cinco anos que praticam o desacato moral
contra a grandeza da justiça e a elevação do humano.

Há trinta e cinco anos que, com minúcia e zelo,
construíram um país só para vocês.

Há trinta e cinco anos que moldaram a exclusão social,
que esculpiram as várias faces da miséria e, agora,
sem recato e sem pejo,
um de vocês faz o discurso da indignação.

Há trinta e cinco anos começaram a edificar o medo,
e o medo está em todo o lado:
nas oficinas, nos escritórios,
nos entreolhares, nas frases murmuradas,
na cidade, na rua.
O medo está vigilante.
E está aqui mesmo, ao nosso lado.

Há trinta e cinco anos encenaram e negociaram,
conforme a situação,
o modo de criar novas submissões
e impor o registo das variantes que vos interessavam.

Há trinta e cinco anos engendraram,
sobre as nossas esperanças confusas,
uma outra história natural da pulhice.

Há trinta e cinco anos que traíram os testamentos legados,
que traíram os vossos mortos,
que traíram os vossos mártires.

Há trinta e cinco anos que asfixiam
o pensamento construtivo;
que liquidaram as referências norteadoras;
que escarneceram da nossa pessoal identidade;
que a vossa ascensão não corresponde ao vosso mérito;
que ignoram a conciliação entre semelhança e diferença;
que condenam a norma imperativa do equilíbrio social.

Riam-se, riam-se.
Vocês são uma gente que não presta para nada;
que não vale nada.

Malditos sejam!
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Baptista-Bastos

(Jornal de Negócios - Lisboa - Portugal - 23-Dez-2010)

segunda-feira, 22 de abril de 2019

A Morte de Custer (ou: A Grande Vitória dos Índios na Batalha de Little Bighorn) (1876)

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George Armstrong Custer, militar norte-americano, nasceu em 5 de Dezembro de 1839 e morreu em luta contra os índios, aos 36 anos de idade, no dia 25 de Junho de 1876.
Formado na Academia de West Point, não se distinguiu particularmente nem pela aplicação nos estudos nem pela rígida observância das regras.


Sobressaiu, pela bravura, durante a Guerra Civil travada nos Estados Unidos (1861-1865), na qual integrou, como oficial de Cavalaria, as forças do Norte.
Teve a vida por um fio em diversas ocasiões. Contam-se episódios de cargas de cavalaria em que as montadas lhe caíram fulminadas pela metralha inimiga, enquanto ele saía miraculosamente ileso do campo de batalha.

O seu desempenho em campanha foi de tal forma meritório que lhe valeu uma célere ascensão na hierarquia militar, tendo chegado ao generalato (por graduação).
Após o termo da Guerra Civil, e como era de regra, a graduação foi revista e Custer retrocedeu vários postos, retomando a “carreira normal”.
Quando morreu, detinha o posto de tenente-coronel, mas ficará para sempre nas memórias, por boas ou más razões, como o General Custer.

Os êxitos do seu histórico de guerra deram-lhe porventura a convicção de que beneficiava de uma qualquer protecção sobrenatural, sentimento de resto comum aos que se imaginam eleitos dos deuses.
Talvez por isso, a palavra que mais ocorre quando evocamos Custer é a de desprezo.
Desprezo pelos cânones regulamentares, desprezo pelo perigo, desprezo pelos inimigos, desprezo pela própria vida.


.O derradeiro desafio de Custer – e o seu definitivo abandono pelos deuses da guerra - ocorreu nos territórios de Montana, no Noroeste dos Estados Unidos. É uma região limitada pelo Canadá, Idhao, Wyoming, Dakota do Norte e Dakota do Sul.

Era o tempo das Guerras Índias, destinadas a conquistar territórios aos naturais do País. Na peugada (ou às vezes adiante) do Exército avançavam os garimpeiros, os criadores de gado, os povoadores de novos centros urbanos, os empresários, as linhas do caminho-de-ferro. As descobertas de minérios preciosos, de terras de bons pastos e de excelentes oportunidades de negócio significavam, inapelavelmente, o termo do modo de vida índio e, ao fim e ao cabo, o epílogo de uma civilização.

A lógica do desenvolvimento capitalista era incompatível com a presença dessa gente de pele avermelhada, altiva e indómita, que percorria livremente as grandes planícies na perseguição das manadas de búfalos de que dependia, em grande parte, a sua sobrevivência.

Os índios poderiam ficar - decidira Washington - mas apenas em espaços limitados, claustrofóbicos, traçados a regra e esquadro pelos invasores – as reservas.


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Algumas tribos índias já se tinham submetido às imposições dos invasores. Definhavam tristemente nas reservas, muitas vezes à mercê da falta de escrúpulos e da ganância dos responsáveis governamentais que superintendiam nesses campos.
Outros grupos, porém, continuavam a resistir com obstinação. Quando o Exército progrediu para Noroeste, a sua incumbência era exactamente a de suprimir esses obstáculos incómodos, forçando os índios a recolherem às reservas que lhes haviam sido fixadas.


Nesse ano de 1876, em que os Estados Unidos se preparavam para celebrar o centésimo ano da sua independência, os serviços do Exército não tinham conseguido obter informação precisa sobre um facto de grande relevância: Sioux e Cheyenne tinham concordado em unir as suas forças para enfrentarem juntos a ameaça.
O ponto de encontro situava-se nas margens de uma modesta corrente de água, o rio Little Bighorn – afluente do Bighorn, por sua vez afluente do Yellowstone, o qual vai por seu turno desaguar no grande rio Missouri.


 
Numa aldeia erguida ao longo das margens do rio, a concentração atingiu um efectivo de milhares de pessoas, entre homens, mulheres e crianças.
Admite-se que tenham estado presentes, no dia decisivo, para cima de 3000 guerreiros, o que deu aos resistentes uma superioridade numérica estimada em cinco para um.
Viam-se pessoas das mais diversas tribos – oglalas, hunkpapas, brulés, sans arcs, miniconjoux, etc.

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As forças de George Armstrong Custer – cerca de 600 homens – constituíam o famoso 7.º Regimento de Cavalaria do Exército dos Estados Unidos. As tropas receberam ordens para avançar na direcção das montanhas sagradas dos índios, as Black Hills, perto do Little Bighorn, onde recentemente se descobrira ouro.
O 7.º de Cavalaria era apenas uma das três colunas que, separadamente, e a larga distância umas das outras, convergiam para o objectivo.

Custer, para além das batalhas travadas no decurso da Guerra Civil, possuía já farta experiência de guerra com os índios. A sua fama confirmara-se em diversos combates, e, nalguns deles, afirmou-se por uma particular dureza para com os vencidos. Nalgumas ocasiões registaram-se, mesmo, massacres – que não pouparam nem mulheres nem crianças.
.A figura de Custer não era, de facto, o mito em que a transformou a historiografia norte-americana. Mas estava igualmente distante do oficial grotesco e apatetado que surge retratado no filme Little Big Man (O Pequeno Grande Homem), onde ficou eternizada uma fabulosa interpretação de Dustin Hoffman.
Custer era realmente - numa expressão concisa - um convicto profissional da guerra e da morte.


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Nesse mês de Junho de 1876, os índios acampados junto do Little Bighorn montaram um eficiente sistema de espionagem. Dia a dia, milha a milha, a progressão do inimigo foi atentamente seguida e os pormenores de imediato comunicados aos chefes.


.Custer dispunha também de batedores índios, que procuravam incessantemente sinais da presença inimiga.

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Um dia, na última semana de Junho, os batedores do Exército trouxeram novidades. Disseram a Custer que o inimigo - Sioux, Cheyennes - estava muito perto, num grande acampamento junto da margem do rio. Mas vinham aterrorizados e afirmaram que nunca antes tinham visto uma tal concentração de adversários.
Eles aludiam à presença de milhares de guerreiros. Mais tarde, comentando entre si o que haviam observado, previram que as tropas brancas se abeiravam de um desastre.
E em breve fizeram subir aos céus, como era hábito, as suas canções de morte.


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Para além do número, os índios tinham na aldeia os seus chefes mais famosos, alguns deles peritos em tácticas de guerra. A começar por Sitting Bull (Touro Sentado), sábio e ponderado...


.... ou o célebre Crazy Horse (Cavalo Louco), destemido e exímio nas movimentações bélicas...


.... ou, ainda, Gall, um chefe hercúleo e corajoso, experimentado nas lutas contra os brancos.


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Conscientes do seu poderio, os índios alimentavam, nesse Verão de 1876, uma inabalável convicção de vitória.
Falava-se de sinais promissores, de agouros favoráveis.
Por exemplo, poucos dias antes de 25 de Junho, Sitting Bull fora visitado por uma das suas frequentes visões. Ele divisara claramente o avanço inimigo e, de repente, "observara" um campo repleto de soldados brancos sem vida.
Sitting Bull tinha acabado de antever um espantoso triunfo dos Sioux e dos Cheyennes sobre o Exército dos Estados Unidos!


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Os chefes reuniram no acampamento. É apenas provável que eles tenham comentado a extraordinária visão de Sitting Bull. Mas é certo que analisaram minuciosamente as notícias dos espiões. Sabiam de quantos soldados dispunham os invasores e a que armamento poderiam eles recorrer. E é hoje seguro que prepararam, com antecedência, diversas hipóteses tácticas de resposta às alternativas de ataque do Exército.


Major Reno
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Custer incorreu em vários erros, ou, pelos menos, cometeu algumas imprudências naquele fatídico 25 de Junho de 1876.
Ele parece ter desvalorizado as informações dos seus batedores e tudo leva a crer que tenha estimado mal o efectivo inimigo.
Acostumara-se a que os índios entrassem em pânico sempre que a cavalaria se aproximava e a que eles procurassem a salvação na fuga. Era nessas alturas que os homens do 7.º desencadeavam a acção final, aniquilando impiedosamente gente em fuga.
Por isso engendrou um plano que partia do princípio de que desta feita se passaria o mesmo.

A atitude mais prudente teria consistido em acampar, com guardas reforçadas, até que confluíssem para o local as duas colunas que completavam o dispositivo militar americano. Mas Custer decidiu investir, provavelmente ansioso por obter um triunfo retumbante antes do aniversário da Independência, com o qual pudesse suportar as suas ambições políticas (dizia-se que ele tinha como objectivo a própria Presidência dos Estados Unidos).
Cometeu então o erro de fraccionar as suas forças, repartindo os 600 homens do regimento em três corpos de ataque.
O comando de um deles foi confiado ao major Reno, que atacaria os índios pelo sul…

Capitão Benteen
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O segundo corpo foi entregue ao capitão Benteen, que atacaria também pelo sul, um pouco à direita de Reno. No seu avanço, os dois comandantes inflectiriam subitamente para manobras de flanco em relação à aldeia, atingindo-a, à direita e à esquerda, como as pontas de uma pinça mortífera. Isso deveria provocar a dispersão do inimigo e, esperava Custer, a sua fuga precipitada.

George Armstrong Custer
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Custer reservou para si o comando do terceiro corpo de ataque.
Como se pode ver no esquema abaixo, ele planeava avançar à direita de Reno e de Benteen, progredindo para norte muito mais rapidamente do que eles.
A ideia era a de inflectir repentinamente o sentido da marcha, atacando a aldeia a partir do norte para apanhar os índios que, fustigados por Reno e por Benteen, se achassem nessa altura em fuga.

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Esquema gráfico da batalha de Little Big Horn

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Nada se passou como fora projectado por Custer e o desenrolar das operações provaria a eficácia da preparação dos índios..Ao contrário do que era esperado, estes não fugiram - e o avanço do major Reno foi detido por um contingente especificamente destinado a esse fim.

O contra-ataque índio (provavelmente comandado por Gall nesta área de combate) adquiriu tais proporções que Reno se viu forçado a retirar para a direita, na direcção leste, atravessando o rio com pesadas baixas. Procurou então um local de onde pudesse resistir aos ataques do inimigo.

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Por sua vez, o capitão Benteen, na sua marcha para a aldeia, acabou repelido por guerreiros vindos do rio, talvez também pertencentes ao contingente de Gall.
Na impossibilidade de chegar sequer ao rio, e na iminência de um desastre, Benteen bateu em retirada e acabou por encontrar-se com as forças de Reno em fuga.
Admite-se que esta junção dos dois destacamentos os tenha salvado a ambos de um aniquilamento total. Reno e Benteen escaparam-se então para um morro onde se entrincheiraram, com os seus feridos, quase sem água e sob os efeitos de um calor abrasador.
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Não se conhecem exactamente todos os pormenores sobre o fim de Custer. Muito do que se julga saber resulta de relatos dos próprios índios.
À semelhança do que ocorreu com Reno e Benteen, ele tinha à sua espera uma força organizada, provavelmente chefiada por Crazy Horse, que logo nos primeiros momentos logrou deter o ataque dos soldados.
Custer terá perdido no primeiro embate a maior parte das duas centenas de homens que comandava. Procurou então resistir, com a gente que lhe sobrava, no cimo de uma pequena colina.

Perante as forças esmagadoras que defrontava, enviou um soldado com um bilhete na direcção das tropas de Benteen, ordenando-lhe que viesse em seu socorro. Está provado que Benteen recebeu a mensagem. Porém, num dos episódios mais controversos desse dia, o capitão julgou não ter condições para prestar auxílio ao seu comandante e resolveu manter-se associado a Reno, no morro, de onde ambos puderam escutar distintamente o som dos disparos do último combate de Custer.

Os peritos ainda hoje se dividem acerca da atitude de Benteen. A maioria pensa que ele cometeria um suicídio se tivesse seguido as ordens contidas na mensagem.
Custer, entretanto, estava à beira do fim. Parece que o seu derradeiro núcleo de resistência não ultrapassava as três dezenas de soldados. Sem outras defesas, alguns dos homens abatiam os cavalos e entrincheiravam-se por detrás das carcaças para daí ripostarem ao fogo inimigo.


Representação índia da batalha de Little Bighorn
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Duas Luas, um chefe índio que se juntou a Crazy Horse no ataque final a Custer, relataria mais tarde sobre esses momentos terríveis: O tiroteio era muito rápido. Alguns soldados apoiavam-se nos joelhos, outros estavam de pé. A fumaça era como uma grande nuvem cor-de-rosa. Os Sioux chegavam de todos os lados e a poeira envolvia tudo. Nós circulávamos ao redor deles girando como a água do rio ao redor da pedra. Atirávamos, cavalgávamos rápido e atirávamos de novo. Os soldados caíam e os seus cavalos caíam por cima deles.

Por fim, não restou um único militar vivo. Estava concretizada a espantosa visão de Sitting Bull. Custer tinha morrido, ingloriamente, com todos os seus homens, no topo daquela pequena colina de Montana. E tudo se desenrolara com incrível celeridade. Calcula-se que o seu último combate não durou mais do que quinze a vinte minutos.

Consumado o massacre, os índios percorreram o campo de batalha recolhendo os seus mortos (que não ultrapassaram a meia centena) e pilhando os despojos dos inimigos.
As mulheres vieram reunir-se aos guerreiros na recolha de troféus. Levaram armas, binóculos, peças de vestuário, clarins, estandartes.

Quase todos os soldados mortos foram despidos, mutilados e escalpados. Custer, curiosamente, não foi molestado dessa maneira, apresentando apenas, quando o seu cadáver foi recuperado, as duas ou três feridas que lhe ocasionaram a morte.
Ainda hoje não se consegue explicar satisfatoriamente por que motivo foi poupado.

Alguns investigadores opinam que Custer não foi escalpado porque usava o cabelo curto, como era seu hábito durante os combates (ao contrário do que geralmente se supõe e se representa nas gravuras). Mas isso não esclarece, obviamente, a razão por que não foi mutilado, tal como os companheiros de infortúnio. Outros salientam que ele não vestia como os restantes militares (envergava roupas claras, de pele de antílope) e que, por isso, os índios o terão supersticiosamente tomado como “um homem especial”, evitando tocar-lhe. Jamais se saberá ao certo.
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Entretanto, no seu morro, Reno e Benteen tiveram de suportar esporádicas investidas inimigas durante o resto desse dia e no dia seguinte. Eles temiam um ataque em massa, a que não poderiam certamente resistir.
Mas em breve chegou uma notícia miraculosa: os índios retiravam! Os seus chefes não tinham dúvidas de que a resposta dos brancos não tardaria e, previdentemente, tratavam de colocar a salvo a sua gente. Isto livrou de um trágico fim o que restava do 7.º de Cavalaria que Custer tão orgulhosamente comandara.
Tinham desaparecido em combate mais de 260 homens do Exército dos Estados Unidos, o que, à escala daqueles tempos, representava uma catástrofe.


Alguns chefes índios acabaram tragicamente, quando ocorreu a esperada resposta do Governo americano.
Crazy Horse foi aprisionado e, logo no ano seguinte, acabou abatido pelos militares, que alegaram uma tentativa de fuga.
Sitting Bull retirou para as terras do Canadá, tendo posteriormente regressado aos Estados Unidos. Exibiu-se no espectáculo de Buffalo Bill (William Frederick Cody) sobre o Oeste Selvagem, e acabaria também abatido, em 1890, após um incidente na reserva em que vivia.
Little Bighorn fora realmente o canto do cisne dos índios livres das Grandes Planícies!

Do 7.º de Cavalaria, para além das fotos cor-de-sépia e das memórias escritas e orais, ficaram as sepulturas, as lápides e os museus entre as colinas fulvas contíguas ao rio Little Bighorn. E ficou também, como um relâmpago caprichoso dos deuses da guerra, a lendária recordação da curta e ambígua carreira militar de George Armstrong Custer…


Desse 25 de Junho de 1876 ficaram as memórias míticas. Os índios, como os brancos, passaram de geração em geração as histórias dos seus heróis.

Texto ---- Torre da História Ibérica
Pinturas --- Howard Terpning
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.ELEMENTO ADICIONAL

Marcha do 7.º Regimento de Cavalaria de Custer - Garry Owen
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Ouça esta música célebre. Custer participou pessoalmente na escolha do hino do seu regimento. Muitas das suas cargas de cavalaria foram precedidas pela execução desta peça.
Aqui:

… ou, numa versão mais moderna, aqui:

… ou, ainda, com as magníficas ilustrações de History Boy, aqui: