sábado, 27 de abril de 2019

Portugal Visto por Estrangeiros (Século XVIII) - Os Portugueses e as Portuguesas




César de Saussure nasceu em Lausanne, no dia 12 de Junho de 1705, e faleceu, na mesma cidade, em 8 de Março de 1783.
Iniciou aos vinte anos as suas viagens, percorrendo sucessivamente a Alemanha, a Holanda e a Inglaterra.
Embarcado num navio da marinha real inglesa em Outubro de 1729, entrou na barra do Tejo, Lisboa, no primeiro dia de 1730, reinando em Portugal D. João V (ocupou o trono de 1706 a 1750).

Saussure deixaria da sua permanência em Portugal umas curiosíssimas anotações. Algumas resultaram da sua própria observação; outras terão decorrido de ter dado ouvidos ao coro de má língua que em muito contribuiu para a "lenda negra" do nosso país no século XVIII.
Transcrevem-se seguidamente as suas impressões sobre os portugueses - e as portuguesas...


"Os portugueses, de uma maneira geral, são excessivamente vaidosos e vãos, gostando de ostentar magnificência. É frequente encontrarem-se simples artífices vestidos como grandes senhores (…). Mas não só na magnificência e no trajo se manifesta a vaidade dos portugueses; revela-se também no desejo de passarem por sábios, embora, na realidade, sejam ignorantes completos.
Nunca tive notícia de um português que houvesse adquirido reputação pelo seu saber, desde há muito tempo para cá, pelo menos.

Os eclesiásticos, os jurisconsultos, os médicos e muitos outros desejam aparentar de estudiosos. Para dar tal efeito usam todos, seja qual for a idade que tenham, um grande par de lunetas encavalitadas no nariz e que nunca tiram, quer vão a pé, a cavalo ou de coche, quer estejam à mesa ou em simples conversa. Pretendem fazer crer que enfraqueceram a vista a estudar. É esta uma mania divertida, para não dizer ridícula, porque é grande extravagância que um rapaz de vinte anos passeie gravemente pelas ruas, e até algumas vezes a cavalo, armado com um grande par de lunetas no nariz.

Se os portugueses apenas tivessem os vícios de serem impostores e vaidosos seria agradável vê-los e conviver com eles, porque, na sua maioria, possuem espírito, ardor, vivacidade. Mas são também extraordinariamente altivos, orgulhosos e arrogantes. Neste particular, parecem-se com os espanhóis.

Não fica, porém, por aqui; são, para mais, velhacos, traiçoeiros, desonestos. Poucos há que tenham escrúpulo de matar um inimigo à traição. Todos estes defeitos fazem com que os ingleses e os franceses aqui estabelecidos para comércio quase não convivam com os portugueses ou tenham pouco trato com eles, excepto no que se refere a negócios, e mesmo assim com cuidado, para não serem enganados. 


As portuguesas são bastante amáveis, espirituosas e muito vivas. Não são tidas como ariscas, mas poucas ocasiões se lhes oferecem para o provar, porque quer os pais, quer os maridos ou mesmo os irmãos, são invulgarmente zelosos, exercendo sobre elas uma fiscalização aturada. De casa só saem para ir à igreja ou para fazer visitas.
Tive ensejo de ver algumas que me pareceram muito bonitas. No geral, não são alvas como as inglesas, mas, pelo contrário, um pouco morenas.
Têm um ar picante que lhes vai a matar.

Eis como se ataviam: desprezando os toucados, usam habitualmente os cabelos frisados aos lados e enfeitados com flores, travessões e pedrarias. Apartam o cabelo pela nuca em três, quatro ou cinco tranças, conforme lhes dá na fantasia, havendo algumas que as deixam caídas pelas costas e outras que as enrolam em carrapitos ou as metem em coifas de cordão de seda ou de veludo brocado de ouro ou de prata.

Quando em trajes menores usam as mulheres portuguesas uma saia, uma camisola ou um colete muito justo ao corpo, e nas mangas e sobre os ombros um mantelete ou xaile curto de seda, veludo ou tecido rico.
Para a rua usam cobrir-se com uma capa comprida de pano preto, que vai da cabeça aos pés, por forma que apenas fica visível uma parte do rosto.




A rainha, as princesas e as damas da corte usam trajos à moda da corte de França, tão decotados no peito e nas costas que mostram totalmente os ombros e quase todo o colo.
Se as senhoras portuguesas vão a pé à igreja, são sempre acompanhadas por um comprido séquito de escravos, criados e açafatas. Os escravos (em Lisboa há pretos e pretas para ali trazidos de África) vão à frente; seguem-se-lhes as criadas, as açafatas, as meninas da família e, finalmente, a Dona ou Senhora. Vão seguindo umas após outras, muito lentamente, numa fila que chega a atingir a extensão de 10, 15 ou 20 pessoas.

Os portugueses são, em geral, muito devotos; melhor direi classificando-os de muito supersticiosos. O seu zelo religioso revela-se no respeito extraordinário que manifestam pelos eclesiásticos e pelos frades.
Quando encontram frade no seu caminho, em vez de o cumprimentarem - como é costume para com as pessoas de outra condição - beijam respeitosamente a manga direita do sujo e repugnante hábito, a qual o frade logo lhes oferece arrogantemente.

(…) O zelo dos portugueses pelos serviços divinos revela-se na pontualidade com que os frequentam, pela pompa e brilho com que os celebram e pela riqueza com que ornamentam as suas igrejas.
São particularmente devotos da Virgem Santa e dos Santos, e pode até afirmar-se que quase só a eles prestam culto. O do Deus verdadeiro não é aqui muito praticado."

Fonte - O Portugal de D. João V Visto por Três Forasteiros - Presidência do Conselho de Ministros - Secretaria de Estado da Cultura - Biblioteca Nacional - Lisboa - 1989 (Tradução, prefácio e notas de Castelo Branco Chaves)

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