quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Grandes fados e canções de Portugal - LUCÍLIA DO CARMO ("Maria Madalena")

 




Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena,
Uma das santas do céu
Foi Maria Madalena

Desse amor que nos encanta
Até Cristo padeceu
Para poder tornar santa
Quem, por amor, se perdeu

Jesus só nos quis mostrar
Que o amor não se condena
Por isso, quem sabe amar,
Não chore, não tenha pena

A Virgem Nossa Senhora
Quando o amor conheceu,
Fez da maior pecadora
Uma das santas do céu

E de tanta que pecou
Da maior à mais pequena
Ai, aquela que mais amou
Foi Maria Madalena...

Aquela que mais amou
Foi Maria Madalena!



Lucília do Carmo (1919-1998),
talentosa mãe do talentoso Carlos do Carmo (aqui 1).
Saiba mais sobre ela (aqui 2)

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Do Amor e das Infidelidades no Portugal do Século XVIII (Primeira Parte)

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“Sabem como no tempo de D. João V se chamava aos maridos infelizes?
É o bispo do Grão-Pará que o diz: chamavam-lhes “cucos”.
Porquê?
Frei Joseph Queiroz não entra em pormenores. Mas sabe-se.

O cuco é uma ave que tem o mau costume de pôr os ovos no ninho dos outros – por antítese, o século XVIII chamou “cuco” ao marido que deixava entrar os outros no ninho dele.

Havia, segundo os papéis dos conventos e as mercuriais do tempo, muitas espécies de “cucos”.

Os maridos infelizes foram pitorescamente classificados pelos moralistas portugueses de 1700, existindo ainda, nalgumas terras da Beira, a tradição remota dessa classificação.

"Cuco", em geral, era o marido duma mulher infiel;

ante-cuco”, o homem casado com mulher que fora doutro antes do casamento, mas que se portava bem depois de casada;

recuco”, o marido de mulher que fora doutro ou doutros antes do casamento e que continuava a portar-se mal depois de casada;

chiscismelro”, o marido que sabia das infidelidades da companheira e não se importava com elas;

ribeirinho”, o marido consentidor, que ainda por cima recebia e obsequiava os amantes da mulher;

finalmente, “assombrado”, o marido que estivera para ser “cuco” por um triz, mas que o não chegara a ser por milagre.


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Desde as salas do Paço até às vielas da Madragoa, desde as casas solarengas de cunhais de armas, até às hortas do Ducado gralhantes e bezoantes de povo, a Lisboa fidalga do século XVIII transbordou de “cucos” e de “recucos”, de “chiscismelros” e de “ribeirinhos”, de “ante-cucos” e de “assombrados”.

Foram tantas, entre nós, as intrigas amorosas, tantos os maridos infelizes e tão frequentes os escárnios públicos a que eles estavam sujeitos, que as circunstâncias aconselharam a publicação do alvará de 26 de Setembro de 1769 e obrigaram o marquês de Pombal a mandar proibir, sob pena de Aljube, por outro alvará célebre, que se persistisse na brincadeira de mau gosto de andar a pendurar chavelhos, de noite, pelas portas de toda a gente.





Como explicar a revoada de infelicidades dos maridos setecentistas?

Pela frágil virtude da mulher portuguesa, que, na opinião do duque de Châtelet, “excedia no galanteio todas as mulheres da Europa"? Decerto.

Mas não lhe façamos a injustiça de a culpar a ela só. A grande razão dos desastres conjugais na sociedade lisboeta do século XVIII está, mais ainda, no ciúme dos maridos.

No ciúme? Mas o ciúme não é um efeito?
Não. Foi uma causa.

Os portugueses passaram sempre por ser os homens mais ciumentos do mundo. “Ciumentos e beatos”, diz Montesquieu, em 1723.

Muito dados a ciúmes”, insiste Dalrymple, que nos visitou em 1774.

«Vis, soberbos, escarnecedores, presunçosos, ignorantes e excessivamente ciumentos das mulheres”, acrescenta o duque de Châtelet, espécie de jornalista impertinente que visitou em 1777 o marquês de Pombal.

E o alemão Link conclui, em 1797, num repelão de mau humor: “ciumentos e tenebrosos”.



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Há nestas impressões dos estrangeiros que nos visitaram, nem sempre rigorosamente delicadas, uma evidente sugestão da Espanha; mas ainda fica uma grande parte de verdade para Portugal.

O português do tempo de D. João V e de D. José foi ciumento por índole, por fatalidade, por herança, por carácter, por essa desconfiança taciturna que lhe adveio da sua hereditariedade torva de beatos e de inquisidores, por essa orgulhosa hipertrofia do sentimento da posse que constituiu nele a noção fundamental da honra.

O seu ciúme obstinado e violento explica todos os seus desastres matrimoniais.


O seu errado conceito da nobreza do lar e do respeito patriarcal da família, levando o português a fechar a mulher a sete chaves, a guardá-la estiolada em recâmaras e oratórios, a mandá-la espiar por lacaios e mochilas, a acusá-la da sua própria beleza como dum crime, a afligi-la de desconfianças que eram vexames, a torturá-la de suspeitas que eram afrontas — foi criando pouco a pouco, mesmo nas mais dóceis, mesmo nas mais recatadas, um natural instinto de revolta, um irreprimível sentimento de dignidade ofendida, que foi a razão suprema de todos os adultérios e a dolorosa justificação de todos os crimes.

Refugiado na noção estreita de moral conjugal que lhe apresentava a mulher como uma baixela de prata, fechada e aferrolhada todo o ano para só sair da arca por festas — o marido português do século XVIII, na preocupação absorvente de não ser enganado, fez tudo quanto era preciso para não poder deixar de o ser.

Foi à sua educação de cavalariça e de mosteiro, de picadeiro e de oratório; foi à sua falsa noção do respeito pela mulher; foi, acima de tudo, ao supersticioso horror que à sua fidalguíssima carcaça causava a ideia de ser “cuco” – que ele deveu, incontestavelmente, a glória de o ter sido.”


Os Contos de Offmann
(Barcarolle - Belle Nuit)
(Offenbach)
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Fonte: Júlio Dantas, “O Amor em Portugal no Século XVIII”, Livraria Chardron, Porto, Portugal, ano de 1916, págs. 215-218.

(Conclui em 2 de Outubro de 2021)
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sábado, 25 de setembro de 2021

A Grande Música de Manuel de Falla - "Noches En Los Jardines de España" e outras composições...


Manuel de Falla foi um dos compositores mais destacados do século XX, criador genial de peças envolventes, sensuais e misteriosas, poderosamente evocadoras dessa Espanha profunda e telúrica onde ele nasceu (Cádiz, 23 de Novembro de 1876).

Em criança estudou música com sua mãe e outros professores da sua cidade natal.

De 1905 a 1907 ensinou piano em Madrid, e entre 1907 e 1914 estudou e trabalhou em Paris.

No período que vai de 1914 a 1938 viveu e compôs, sobretudo, em Espanha. Em 1939 fixou residência na Argentina, onde faleceu em 14 de Novembro de 1946.



Sob a influência de Felipe Pedrell, defensor de que as bases da música de um país devem provir do seu próprio folclore, Falla desenvolveu um estilo claramente nacionalista, que caracterizou praticamente todas as suas composições.

Não obstante, não costumava utilizar as canções folclóricas espanholas de forma directa nos seus temas, incorporando, antes, o seu espírito.
Isso é particularmente perceptível na famosíssima Dança Ritual do Fogo, do Amor Brujo.

Comprove aqui...


... e também no vídeo abaixo, com a inesquecível Pantomima (incluída no mesmo Amor Brujo):



No seu tempo, Manuel de Falla foi o inspirador de um movimento contra a influência da música alemã e italiana na ópera espanhola e contra a esterilidade da música de câmara e orquestral que então imperava.

Entre as suas mais famosas composições contam-se:

Noches en los Jardines de España (1909-1915), para orquestra e piano; a ópera La Vida Breve (1913); os ballets El Amor Brujo (1915) e El Sombrero de Tres Picos (1919); a Fantasía Bética para piano (1919); El Retablo de Maese Pedro (1924); o Concierto para Clave y 7 Instrumentos (1923-1926); e sica para Guitarra.



Sobre as fantásticas Noches En Los Jardines de España, transcreve-se parte de um artigo que Daniel Eisenberg lhes dedicou:

"Os jardins espanhóis que interessavam a Falla eram todos andaluzes.
A peça foi o primeiro disco de música espanhola que possuí. Causou-me calafrios desde o primeiro momento.

Entre todas as peças do compositor, foi aquela cujo sentido mais me custou a encontrar, isto é, descobrir o que se passava de noite nos jardins de Espanha.
Manuel de Falla pinta um mundo formoso, emocional e violento, acaso perigoso, mas, por fim, aprazível e espiritual.

Segundo Joaquín Turina, esta é a obra mais triste de Falla, na qual ele expressa um drama íntimo.

Os três movimentos que a compõem são:

1 - En los Jardines del Generalife;
2 - Una Dansa Lejana
3 - En los Jardines de la Sierra de Córdoba.

Jardins do Generalife (Granada - Espanha)

Os dois últimos movimentos tocam-se sem pausa. O dedicado ao Generalife foi para mim, desde o princípio, o mais compreensível, pois este é o jardim andaluz mais bem conservado.

O Generalife, o lugar mais agradável que conheço no planeta, foi um jardim dedicado ao amor e, ao mesmo tempo, constitui uma expressão dele.

Segundo Santiago Rusiñol, "assim como há artistas que do amor fazem poesia, ou música ou obra de arte, houve quem do amor fizesse jardins, e foi o artista enamorado quem idealizou o Generalife".

Naturalmente, não se trata do amor conjugal ou procriativo: foi "ninho de amores, mansão de sultana favorita, refúgio de reis, retiro acariciado pelo perfume das flores, os misteriosos sussurros do bosque e o murmúrio das fontes".

Ciprestes, frescura, exclusão dos ruídos do mundo. Tanques e cascatas, fontes, repuxos: água, flores e frutos por todo o lado. A água, símbolo da vida, foi o principal elemento decorativo.

"Hoje mesmo, as suas ruínas possuem a vaga tristeza dos lugares que foram teatro de antigas felicidades, e tudo canta o prazer perdido, nessa linguagem muda das coisas que transportam consigo a recordação."




Naturalmente, uma obra assim deixou-me encantado, ainda que a não entendesse até há pouco tempo.

Em Noches en los Jardines de España, Falla passa do existente ao desaparecido, do presente ao passado, do amor humano ao amor divino, do leste ao oeste, de Granada a Córdoba, do último reduto do Islão hispânico à sua plenitude.

Recria um mundo apaixonado e apaixonante, não só desaparecido mas também oculto. A sua evocação musical contribuiu muito para que eu me dedicasse ao estudo da cultura hispânica. Mas as minhas aulas de literatura e história espanholas - nas quais a Espanha se identificou completamente com Castela - não me esclareceram.
Tive que descobri-lo à minha custa."

E nós também o podemos descobrir no vídeo seguinte (interpretação da Sinfonieorchester - Frankfurt Radio Symphony):



sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Mário Viegas - Os "ais" deste país...

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Recorde Mário Viegas - aqui...
...e escute-o no vídeo abaixo:

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Cantiga dos Ais

Os ais de todos os dias,
os ais de todas as noites.

Ais do fado e do folclore,
o ai do ó ai ó linda.

Os ais que vêm do peito,
ai pobre dele, coitado,
que tão cedo se finou!

Os ais que vêm da alma.
Ais d'amor e de comédia,

ai pobre da rapariga
que se deixou enganar...
ai a dor daquela mãe.

Os ais que vêm do sexo,
os ais do prazer na cama.

Os ais da pobre senhora
agarrada ao travesseiro

ai que saudades, saudades,
os ais tão cheios de luto
da viúva inconsolável.

Ai pobre daquele velhinho:
- ai que saudades, menina,
ai a velhice é tão triste.

Os ais do rico e do pobre
ai o espinho da rosa
os ais do António Nobre.

Ais do peito e da poesia
e os ais de outras coisas mais.

Ai a dor que tenho aqui,
ai o gajo também é,

ai a vida que tu levas,
ai tu não faças asneiras,

ai mulher, és o demónio,
ai que terrível tragédia,
ai a culpa é do António!

Ai os ais de tanta gente...
ai que já é dia oito
ai o que vai ser de nós.

E os ais dos liriquistas
a chorar compreensão?
ai que vontade de rir.

E os ais de D. Dinis
Ai Deus e u é...

Triste de quem der um ai
sem achar eco em ninguém.
Os ais da vida e da morte
Ai os ais deste país...

......

(Poema de Armindo Mendes de Carvalho)
(Declamador Mário Viegas)
(Vídeo -  Gonçalo Silva)

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Aberturas de Grandes Livros - "As Vinhas da Ira" (John Steinbeck - Estados Unidos)






“Para a região vermelha e parte da região cinzenta de Oklahoma, as últimas chuvas caíram suavemente, sem penetrarem fundo na terra escalavrada.
Os arados cruzaram e recruzaram os campos molhados. As últimas chuvas deram um avanço rápido ao milho e espalharam à beira das estradas moitas de ervas daninhas e de relva, de modo que a região vermelha e a região cinzenta começaram a desaparecer sob um tapete verde.

Nos últimos dias de Maio, o céu tornou-se pálido, e as nuvens, que tinham pairado em altos flocos por tanto tempo, durante a Primavera, dissiparam-se. O Sol faiscava sobre o milho em crescimento dia após dia, até que, ao longo do gume de cada baioneta verde, se estendeu uma linha acastanhada. (…)

(…) Chegou Junho. O Sol queimava mais incisivamente. A linha acastanhada das folhas do milho alargava-se, deslocando-se para o centro. As ervas daninhas tombavam enlanguescidas. O ar era transparente, e o céu estava mais pálido, e, de dia para dia, a terra perdia cor.

Nas estradas, onde o gado transitava e onde as rodas dos carros moíam o chão e as patas dos cavalos calcavam a terra, rompia-se a crosta de lama e formava-se a poeira.
Tudo o que se movia lançava a poeira no ar; um viandante levantava uma camada, que lhe chegava à cintura, uma carroça fazia-a subir até aos taipais e um automóvel deixava uma nuvem atrás de si. E só muito tempo depois a poeira acabava por assentar.

Em meados de Junho, apareceram dos lados do Texas e do Golfo nuvens muito densas, carregadas de chuva. Os homens, nos campos, olhavam para as nuvens, fungavam e estendiam os dedos húmidos, a ver de onde soprava o vento. (…)”

(As Vinhas da Ira - John Steinbeck - Editado por Livros do Brasil, Lisboa, Portugal, 1963)


Filme: The Grapes of Wrath

I - Da trilha sonora
(Red River Valley)


II - Cena final


John Steinbeck (1902-1968)
(Saiba mais sobre ele - aqui)
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