sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Manuel Bandeira, Sophia de Mello Breyner e as Três Mulheres do Sabonete Araxá


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Num dia de 1931, em Teresópolis,
o poeta brasileiro Manuel Bandeira assinou este poema:

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Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá


As três mulheres do sabonete Araxá me invocam,
me bouleversam,
me hipnotizam.


Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata

Oh celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro
só pelas três mulheres do Sabonete Araxá!

São amigas, são irmãs, são amantes
as três mulheres do Sabonete Araxá?
São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?
São as três Marias?

Meu Deus, serão as três Marias?

A mais nua é doirada borboleta.
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida,
dava pra beber e nunca mais telefonava.

Mas se a terceira morresse...
Oh, então nunca mais
a minha vida outrora teria sido um festim!

Se me perguntassem:
Queres ser estrela?
queres ser rei?
queres uma ilha no Pacífico?
um bangalô em Copacabana?

Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca.
Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá:

O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

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Num outro dia, bastante mais tarde,
a nossa Sophia de Mello Breyner Andresen
celebrou assim esse saudoso poema da sua juventude:
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Manuel Bandeira

Este poeta está
do outro lado do mar
Mas reconheço a sua voz há muitos anos
E digo ao silêncio os seus versos devagar
Relembrando o antigo jovem tempo

quando pelos sombrios corredores da casa antiga
nas solenes penumbras do silêncio
eu recitava
"As três mulheres do sabonete Araxá"
E minha avó se espantava

Manuel Bandeira era o maior espanto da minha avó
Quando em manhãs intactas e perdidas
No quarto já então pleno de futura saudade
Eu lia a canção do "Trem de ferro"
e o "Poema do beco"
 
Tempo antigo
lembrança demorada
Quando deixei uma tesoura esquecida
nos ramos da cerejeira

Quando me sentava nos bancos pintados de fresco
e no Junho inquieto e transparente
as três mulheres do sabonete Araxá me acompanhavam
tão visíveis
que um eléctrico amarelo as decepava

Estes poemas caminharam comigo e com a brisa
Nos passeados campos da minha juventude
Estes poemas poisaram a sua mão sobre o meu ombro
E foram parte do tempo respirado.


Sophia de Mello Breyner Andresen (aqui)
(Portugal)




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