sábado, 27 de fevereiro de 2021

A trágica história de Olive Oatman entre os índios do Sudoeste dos Estados Unidos


Olive Oatman (1837-1903)
com a famosa tatuagem dos Mojave


Olive Ann Oatman nasceu a 7 de Setembro de 1837 no Illinois, Estados Unidos da América, no seio de uma família mórmon.
Seus pais foram Royce e Mary Ann Oatman. Tinha seis irmãos com idades compreendidas entre 1 e 17 anos, sendo Lucy Oatman a mais velha. A mãe, Mary Ann, estava grávida do oitavo filho quando ocorreram os acontecimentos abaixo relatados.

Em 1850, a família Oatman decidiu juntar-se a uma caravana liderada por James Brewster, um dissidente mórmon que havia rompido com a chefia de Brigham Young, no Utah. A ideia de Brewster consistia em reunir os seus cerca de noventa seguidores em Independence, no Missouri, para depois os conduzir até à Califórnia.
A caravana pôs-se em marcha, rumo a oeste, no dia 5 de Agosto de 1850.


Maricopa Wells

Aquela longa viagem, que era fruto de uma dissensão, experimentaria meses mais tarde os seus próprios desentendimentos internos. O grupo inicial acabou por se fraccionar perto de Santa Fé (Novo México): James Brewster decidiu tomar uma rota mais a norte, enquanto Royce Oatman e os seus se juntaram a outras famílias para marcharem pelo sul, via Socorro e Tucson.

O território do Novo México foi alcançado pelo grupo dos Oatman (de que Royce assumira entretanto a liderança) nos princípios de 1851. A terra e o clima desiludiram os viajantes, que foram aos poucos desistindo de seguir até à foz do rio Colorado.

O grupo restante acabou por chegar, com os Oatman, a Maricopa Wells (Arizona), um ponto de paragem provido de água e mantimentos onde os viajantes costumavam acampar para dar descanso e alimentação a pessoas e animais.
Em Maricopa Wells, os mórmons souberam que o trilho era, dali em diante, muito árido e desconfortável. Pior do que isso: informaram-nos de que se cruzariam provavelmente com índios hostis e que teriam, por isso, as vidas em grande risco.


O local do massacre da família Oatman

Perante as informações aterradoras, as famílias resolveram não ir mais além. Mas Royce Oatman, levado porventura pela fé e pela confiança na protecção divina, optou por seguir viagem com os seus.
A 18 de Fevereiro de 1851, os Oatman chegaram às proximidades do rio Gila (afluente do Colorado), a leste de Yuma, num ponto situado entre Tucson e Phoenix (Arizona). Aí encontraram o seu trágico destino.

Um bando de índios aproximou-se deles com intenções aparentemente pouco pacíficas. Foram mais tarde erradamente identificados como Apaches (aqui), quando tudo aponta para que se tratasse de Tolkepaya (subdivisão da tribo Yavapai). 

Começando por exigir alguma comida e tabaco, os índios foram subindo as exigências. Royce Oatman, que lutava com escassez de mantimentos para sustentar a numerosa família, terá procurado argumentar contra o que era, indubitavelmente, um assalto impiedoso. Os Tolkepaya reagiram com extrema violência, atacando toda a família.

Royce Oatman e a esposa, com mais quatro dos seus filhos, foram brutalmente massacrados. Olive Oatman, de 13 anos, e a sua irmã Mary Ann, de 7, foram aprisionadas e levadas pelos assaltantes.

Para trás, entre os cadáveres da família, ficou caído um outro irmão, Lorenzo Oatman, de 15 anos, que os Tolkepaya tinham ferido gravemente e deixado como morto.
Mas Lorenzo recuperaria os sentidos e sobreviveria ao ataque. Partiu em busca de auxílio e voltou com alguns homens para dar sepultura aos pais e aos irmãos. Dando pela falta de Olive e de Mary Ann, não mais deixaria de procurá-las, solicitando para isso o auxílio das autoridades americanas.


Olive Oatman entre os índios Mojave (Mohave), depois de resgatada aos Tolkepaya.

Os Tolkepaya (Yavapai) saquearam os bens dos Oatman e levaram Olive e Mary Ann para o seu aldeamento, nas montanhas Harquahala. Durante cerca de um ano, reduzidas à escravidão, as meninas sofreram maus tratos dos captores, para os quais eram forçadas a trabalhar duramente, carregando água e lenha e prestando-lhes outros serviços domésticos. Eram frequentemente espancadas e, pelo menos no início, receavam ser mortas a qualquer instante.

Um dia, os Tolkepaya tiveram a visita de um grupo de índios Mojave (Mohave), cujo chefe era conhecido por Espaniole entre os brancos. A filha deste, Topeka, testemunhou o tratamento que as meninas brancas recebiam dos Tolkepaya e condoeu-se delas, pressionando para que fossem resgatadas. Ofereceu alguns produtos aos raptores para que lhas vendessem, mas eles recusaram. Topeka foi insistindo e subindo as ofertas, até que os interlocutores cederam: as meninas foram trocadas por dois cavalos, algumas mantas e um lote de bugigangas.


Casal de índios Mojave, com suas tatuagens características.


As duas crianças caminharam com os Mojave durante dias a fio até chegarem a um aldeamento próximo do rio Colorado (onde posteriormente se situaria a cidade californiana de Needles). Foram bem acolhidas pelo chefe Espaniole e pela mulher deste, Aespaneo, e continuaram a merecer a simpatia da filha deles, Topeka, que fora decisiva para o seu resgate.
Vários anos mais tarde, após regressar ao convívio com os brancos, Olive referir-se-ia sempre aos Mojave com afecto e gratidão, destacando especialmente Aespaneo e Topeka.

De facto, a sorte das meninas mudou por completo na aldeia mojave. Deixaram de ser maltratadas, podiam movimentar-se livremente e receberam pedaços de terreno que podiam cultivar à sua vontade. Com a passagem dos anos foram adquirindo hábitos próprios dos seus anfitriões.

Olive e Mary Ann não pareciam contrariadas por viverem com os índios, ao ponto de não denunciarem a sua presença quando o aldeamento era episodicamente visitado por homens brancos.
A prova de que os Mojave tinham passado a considerá-las como membros da tribo foi a tatuagem que lhes fizeram, com tinta azul de cacto, no queixo, nos braços e nas pernas. A tatuagem não era um sinal de propriedade, mas uma protecção para depois da morte: quando deixassem esta vida, seriam reconhecidas e protegidas no Além pelos Mojave já falecidos, achando assim a felicidade através de todas as eternidades.

Para além disso, Olive - pelo menos ela - recebeu dos índios uma identificação tribal, passando a chamar-se Oach Spantsa...


Recriação imaginária da morte de Mary Ann Oatman

A eventual felicidade de Olive sofreria um golpe profundo quando, por volta de 1855, a região foi assolada por uma grande seca, que provocou  terrível escassez de alimentos e a morte de muitos Mojave, especialmente crianças. A pequena Mary Ann, que contaria na altura cerca de 11 anos, foi uma das vítimas, para grande desgosto da irmã e enorme consternação dos índios. Olive sobreviveu graças à papa especial (mingau) que Aespaneo, a mulher do chefe Espaniole, lhe forneceu como alimento.

Enquanto tudo isto ocorria, Lorenzo Oatman tinha prosseguido ininterruptamente as suas diligências para encontrar as irmãs desaparecidas naquele 18 de Fevereiro fatídico, sendo nisso auxiliado por elementos do Exército dos Estados Unidos.
Certo dia, em 1856, chegou a Fort Yuma o rumor de que vivia uma mulher branca num aldeamento Mojave. Um mensageiro do forte avistou-se com os índios e confirmou a notícia. Após algumas conversações, que serviram para que os protectores das meninas ultrapassassem o receio de serem punidos pelas autoridades dos brancos, Olive Oatman - agora uma mulher de quase vinte anos - deixou aquela que fora a sua segunda família e voltou para o que restava da primeira: o seu irmão Lorenzo.

Topeka, a sua amiga índia, acompanhou-a até Fort Yuma numa viagem de três semanas. Antes de dar entrada no forte, Olive vestiu as roupas que lhe foram emprestadas pela esposa de um oficial. Com efeito, até àquela altura, ela apresentava-se sempre à maneira das mulheres mojave: uma saia curta e o tronco completamente desnudado. Mas as tatuagens, irremovíveis, continuariam com ela até ao último dos seus dias.

Olive Oatman

Diz-se que Olive Oatman, nesta nova fase da sua existência, nunca conseguiu ultrapassar os traumas ocasionados pela perda das duas famílias, a branca e a índia. Nos muitos anos que lhe faltava viver, sentiu dores de cabeça frequentes e sofreu depressões difíceis de superar.

Mas tratava-se de uma jovem dotada de grande força de carácter. Abafando dores e pesadelos, colaborou na escrita de livros e notícias sobre a sua vivência entre os índios. Com os proventos daí decorrentes, pagou não só os seus estudos universitários como os do irmão.
Anos mais tarde, avistou-se com um chefe Mojave em New York, e com ele recordou os velhos tempos que tinha passado com os índios...

Em 1865, Olive casou com o fazendeiro John B. Fairchild, de quem enviuvaria ao fim de uma dúzia de anos. Não tiveram filhos, mas adoptaram uma menina, Mary Elizabeth. 

Lorenzo Oatman morreu em Outubro de 1901.

Olive sobreviveu-lhe cerca de ano e meio: faleceu, de ataque cardíaco, em Março de 1903, com 65 anos.
Ficou sepultada no cemitério de West Hill, em Sherman (Texas) para onde fora viver com o marido.

No Arizona tinha entretanto surgido uma pequena cidade cujo nome homenageava a família tão tragicamente colhida pelo destino naquele 18 de Fevereiro de 1851: Oatman, assim foi chamada a povoação...

Lorenzo Oatman




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