Do Jornal de Notícias (4 de Junho de 2007):
Galiza deixa o Norte para trás
Os indicadores económicos mais recentes não deixam margem para dúvidas, a Galiza atravessa o período mais próspero da sua história e promete, até, superar todos os índices de crescimento de Espanha. A produtividade dispara, impulsionada pelos sectores da indústria e serviços.
O contraste com a crise que se vive na Região Norte de Portugal é evidente. Dois exemplos: o salário médio galego já vai nos 1240 euros, o dobro da Região Norte, que se fica pelos 635 euros. A taxa de desemprego da Galiza desceu para o nível mais baixo dos últimos 25 anos, enquanto no Norte continua a subir e a bater recordes pela negativa.
"O Norte de Portugal e a Galiza estão a viver dois ciclos completamente diferentes. Enquanto aqui se viveu um ciclo de recessão e de estagnação económica que perpassou pelo país a partir de 2001, a Galiza viveu o ciclo de crescimento de que a Espanha gozou nos últimos três anos", explica o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), Carlos Lage, evidenciando que a prosperidade galega de hoje resulta de "boas opções em matéria de política macro-económica e de despesa pública", aplicadas ao território espanhol no seu todo.
O mais recente relatório sobre a conjuntura económica divulgado pela Junta da Galiza confere o cenário de franca expansão económica. "Ao longo de 2006, a economia galega evoluiu muito favoravelmente. A taxa de crescimento do PIB atingiu 4,1%, superando a do conjunto da economia espanhola (3,9%)", relata o documento, onde consta, também, que rompendo tendências anteriores, o sector da indústria é o que apresenta maior dinamismo.
"A produção industrial registou uma sensível recuperação, com uma variação média durante 2006 em relação ao ano anterior de 7,7%, o que, além de dobrar a média espanhola (3,7%), constitui o nível mais alto de sempre", lê-se no relatório. (...)
A Galiza está com uma pujança económica, política, cultural e com uma capacidade de afirmação muito grande. Já não é aquela Galiza que a Rosalia de Castro cantava, um território pobre, de emigrantes, subalterno", explica Lage, vincando que os "progressos extraordinários" dos vizinhos galegos não passam despercebidos. Outro sinal da prosperidade galega é o facto de a taxa de desemprego, sempre elevada e que há muito trazia os galegos com o coração nas mãos, ter caído de 9,9% (2005) para, pela primeira vez no último quarto de século, os 8,5%.
Carlos Lage entende que, associada a outros factores, esta reabsorção do desemprego, que "era massivo", indica que a Galiza "passa pelo seu pequeno milagre económico", num evidente desfasamento face ao Norte de Portugal.
Lage acrescenta que, apesar das vincadas desigualdades, Portugal beneficia dos bons ventos que sopram do outro lado da fronteira.
"O galego tem hoje um maior poder de compra e isso também é bom para o Norte. Vê-se muito galego que frequenta as nossas cidades, restaurantes e equipamentos culturais", sustenta, referindo também que "o mercado galego é fundamental para a exportações do Norte de Portugal e até do país".
Uma das grandes surpresas que porventura deixaram boquiabertos analistas e estudiosos que trabalham em Lisboa foi ter percebido que a Galiza é o quinto mercado para as exportações portuguesas", diz Lage, concluindo que a situação galega proporciona "esperança" que o mesmo aconteça no Norte de Portugal. "O pêndulo vai e vem. É possível que entremos num ciclo económico ascendente e possamos recuperar", nomeadamente se a Região Norte adquirir "mais autonomia política e administrativa". Uma das vias para o "progresso e o êxito".
Automóveis na vanguarda
O sector automóvel garante todos os anos à Galiza receitas de milhões de euros, estimula o emprego e o crescimento do PIB. Uma indústria que não pára de crescer e que tem cada vez mais peso na economia local. Segundo dados oficiais do Governo Regional, o "cluster" da indústria automóvel inclui mais de 70 empresas, que representam uma facturação anual superior a 2600 milhões de euros. No que toca a componentes, a fábrica da Citroën (grupo PSA) de Vigo absorve 36% do total da produção das várias empresas da região, 21% destinam-se a outras unidades de Espanha e os restante 43% seguem para exportação.
Os postos de trabalho que a indústria automóvel emprega na Galiza ronda os 20 mil. Destes, metade respeita ao Centro de Vigo do grupo PSA e o restante às fábricas de componentes. O progresso desta indústria na Galiza há muito que tem reflexos na economia portuguesa, com a implantação de um grande número de fábricas de componentes para automóveis, principalmente na Região Norte.
"Vigo é uma cidade de trabalho" (José Pastor, empresário português na Galiza).
O clima de prosperidade que transpira da Galiza captou, há sete anos, a atenção do fotógrafo português José Pastor, 50 anos, que desde essa altura se divide entre Viana do Castelo e Vigo, onde criou, com a desenhadora de moda galega Rita Vidal, uma empresa de fotografia de moda e de publicidade. Admite que a opção pelo mercado do outro lado da fronteira aconteceu "por intuição", mas hoje em dia Pastor apresenta muitas razões racionais para a justificar.
Um livro com imagens suas, intitulado "Vigo, cidade de trabalho", resume-as de uma penada "Os galegos sabem que é pelo trabalho que ficarão grandes", conta o fotógrafo. "Nunca trabalhei tanto na minha vida. Os ritmos de trabalho são totalmente distintos, os tempos, a qualidade que é pedida, tudo é diferente".
José Pastor critica a "falta de alma" do português e não se cansa de elogiar o espírito aberto, o empreendedorismo e a capacidade de trabalho galegos. Confessa que devido à "concorrência feroz" que caracteriza qualquer mercado na Galiza a sua implantação não foi fácil.
"Os galegos falam grosso e buzinam muito e pensamos que é por nós sermos portugueses, mas não. É assim entre eles. Concorrem entre si, porque o galego está habituado a lutar pelas coisas. As empresas trabalham para estar à frente umas das outras em qualidade, embora de forma leal".
Pastor acrescenta que ainda há "duas Galizas": "Uma que é quase uma extensão do nosso país, que pensa que nós, como eles, não temos nada. Outra, que se afasta de Portugal, mais cosmopolita, urbana, inovadora, criativa, empreendedora… E essa é cada vez mais a Galiza de hoje".
"Hoje sou um médico português" (Carlos Salgado, galego)
Carlos Salgado, médico galego em Portugal.Carlos Salgado, 50 anos, clínico de medicina familiar, natural de Ourense, trocou a sua residência na cidade de Santiago de Compostela por Tui, para poder viver - com a mulher, enfermeira, e os seus três filhos - mais próximo de Ponte de Lima, onde exerce a profissão há sete anos.
Salgado integrou a leva de médicos espanhóis que rumou a Portugal na última década à procura de melhores condições de trabalho. "Naquela altura havia muitas dificuldades de trabalho na Galiza e víamos Portugal como uma oportunidade. Era um mercado que nos criava grande expectativa", conta o médico. A tentativa de encontrar "estabilidade" fê-lo arriscar uma mudança que acabou por se revelar positiva.
"Hoje em dia não sou um médico espanhol, sou um médico português", afirma, frisando "Passo mais tempo em Portugal que na Galiza". De resto, as semelhanças entre a terra que o viu nascer e aquela onde actualmente se sente "perfeitamente integrado" não serão assim tantas. "Sou galego de pura cepa. Se tiver de escolher, escolho a Galiza, mas se há algo parecido com a Galiza neste mundo é Portugal. Ali só não temos tanto sarrabulho", brinca.
Carlos Salgado, coordenador da Urgência do Hospital de Ponte de Lima, faz questão de lembrar que a afluência de profissionais de saúde espanhóis ao Norte de Portugal foi vantajosa para os médicos que, como ele, finalmente encontraram condições de trabalho dignas, mas também para a população portuguesa. "Quando cheguei a Ponte de Lima havia 10 mil utentes sem médico de família. Hoje isso já não acontece, também graças aos médicos espanhóis", refere.
(Ana Peixoto Fernandes in Jornal de Notícias de 4 de Junho de 2007)
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