Alberto Pimentel viveu entre 1849 e 1925.
Dedicou-se ao romance, ao teatro, à história, ao ensaio, à poesia, à intervenção política.
Esgrimia com pena afiadíssima e certeira.
O País, claro, era outro, os homens eram outros, as aflições, as injustiças e as desigualdades eram outras.
Eram?
"Mas isto é um país delicioso, que não precisa de governo para coisa nenhuma! Isto é um país que a si mesmo se governa com tanta alegria como juízo! E quando os povos são alegres, são felizes. Viva Deus! Mas que importa o déficit de 6.000 contos! Até lhe podemos dar licença de ser de 7.000 como a expedição dos bravos do Mindelo ou de 10.000 como os soldados de Artaxerxes.
Oh! que delicioso país!, oh! que grande pena que eu teria se, em vez de haver nascido em Portugal, fosse francês, e tivesse agora a entristecer-me o espírito a medonha trapalhada do istmo do Panamá! Mas que vi eu que pudesse justificar este veemente solilóquio?
Ah! sabem o que eu vi? Duzentas, trezentas carruagens, brilhantes de vernizes e de brasões, tiradas por cavalos magníficos, governadas por cocheiros encadernados em boas librés, subir a Avenida, descer a Avenida, tornar a subir, tornar a descer, passar, voltar, a trote moderado, para que a gente pudesse ver à vontade as caras felizes, resplendorosas das pessoas que essas centenas de carruagens conduziam.
Ah! ele é isto!, disse eu com os meus botões. Então não é realmente preciso que todos façam o sacrifício de apertar os cordões à bolsa para salvar o País?! Não há necessidade de que o Estado faça uma emissão de papel-moeda, nem é necessário tributar os filhos varões? Não tem razão o Comércio do Porto para se retrair, nem os Bancos motivo justificado para pedirem mais do que um auxílio moral?! É certo que não temos por cá Panamás, nem outros istmos escandalosos, mas que, pelo contrário, navegamos em mar de rosas, com vento fresco?
Pois bem! Senhor Ministro da Fazenda, carregue-lhe na mola, que isto ainda tem muito que dar; aperte o fiado, que isto ainda pode render muito. E não trate de outra coisa, Senhor Ministro da Fazenda, senão de restaurar a debilidade do Tesouro, porque decretos, portarias e regulamentos não são cá precisos.
Isto é um país que se governa por si mesmo, principalmente ao domingo. Aqui há ainda muita vida, muito miolo, muita matéria colectável.
Carregue-lhe, Senhor Ministro da Fazenda!
O Governo que faça uma experiência. Cerceie mais os juros das inscrições, aumente as décimas, reduza os ordenados dos funcionários a 50 por cento e verá que, logo no domingo seguinte, à mesma hora, à hora aristocrática, quatro da tarde, duzentas carruagens sobem a Avenida, descem a Avenida, passam para cima, passam para baixo, passam e repassam cheias de pessoas ricas, de pessoas felizes, cheias de contribuintes contentes como umas páscoas.
E deixem chegar a Lisboa os deputados sem subsídio. Vê-los-ão de carruagem aos três em cada banco - única economia que tenho visto fazer agora aos que pagam contribuição sumptuária - alegres, bem dispostos, de violetas ao peito, de charuto na boca, passeando na Avenida o seu único diploma ou o seu duplicado de diploma, sem sequer se lembrarem do subsídio que Deus lá tem, vai para dois meses.
Isto é que é!, e o mais são Panamás, misérias da França e dos outros países pobres. As libras não fazem cá falta, as pautas não estragaram nada, as reduções e deduções ainda não fizeram uma vítima.
Aqui há massa, aqui há miolo.
Carregue-lhe, Senhor Ministro da Fazenda, que é o que o país precisa!"
(Alberto Pimentel - Vida de Lisboa - Parceria António Maria Pereira, 1900)
(Alberto Pimentel - Vida de Lisboa - Parceria António Maria Pereira, 1900)
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