quarta-feira, 11 de julho de 2007

António Carlos Manso Pinheiro: partiu o Grande Almirante da Estampa


Zarpou aos sessenta e cinco anos, em meados de Março, no dia seguinte ao do seu aniversário, rumo às estrelas em que tanto acreditava...

Conheci-o numa tarde quente do Verão de 1998, na salinha pequena mas hospitaleira da Rua da Escola do Exército onde se acolheu com a Editorial Estampa - magnífica caravela de cultura de que ele foi, desde os primeiros e arrojados dias de bolina literária, o Grande Almirante. Com o desfiar da conversa fui colhendo os indícios fortes de uma personalidade multifacetada e rara, começando a descobrir nele aquilo que pelos anos fora autenticaria vezes sem conta - a generosidade desarmante, o humor culto e subtil, a delicadeza educada, as crenças profundas.
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Homem de afectividades, de convicções e de nobres causas, era muitíssimo capaz de "obrigar" os astros a pressagiarem, através de cartas geometricamente complexas - que ele mesmo se encarregava de confeccionar -, futuros esplendorosos àqueles necessitados e deprimidos que tinham a ventura de lhe passar ao alcance da bondade proverbial e do sentido de inesgotável solidariedade. Singular conduta a deste editor, que parecia por vezes acreditar mais em certos originais do que os seus mesmos autores, e que, a partir de miraculosos lances de gestão em que era pródigo, conseguia a margem financeira bastante para lançar ao grande mundo obras consabidamente pouco vendáveis - mas de que ele tinha gostado e que, portanto, olimpicamente decretava deverem ser dadas a conhecer ao País...
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Na bela homenagem que alguns dos seus muitos amigos e admiradores lhe fizeram a 31 de Maio na última Feira do Livro de Lisboa - Feira de que ele foi defensor esclarecido e firme -, um dos oradores lembrou que este homem possuía o estranho condão de fazer sentir a qualquer mortal, por mais sumidas que fossem as qualidades deste, que ele, Manso Pinheiro, o reputava tão importante como ao Presidente da República... Posso prestar sobre isso testemunho pessoal e reforçado: a mim, a quem não conhecia de lado nenhum, acolheu-me, sorridente, prestável e empenhadíssimo, como se lhe tivesse acabado de entrar portas adentro, na tarde cálida daquele Verão de há nove anos, alguém ainda mais importante do que o Presidente da República.
O próprio Óscar Wilde.
Ou Jorge Luís Borges.
Ou Aquilino Ribeiro.
Ou os três juntos...
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António Carlos Manso Pinheiro, da Editorial Estampa, foi um grande português, um grande homem e um ser humano de eleição.
Adeus, Grande Almirante. A caravela continua, todavia, a vogar triunfalmente de velas pandas - tendo certos os destinos traçados por ti. Como estava, de resto, garantido, a partir da infalível interpretação das estrelas, nas tuas cartas astrais. Naturalmente...

1 comentário:

Anónimo disse...

Também estive na homenagem, pois admirava António Manso Pinheiro, que foi editor corajoso e que, no outro tempo, passou as passas do Algarve com a PIDE, "estagiando" mesmo uns dias em Caxias, pouco antes do 25 de Abril. Na homenagem da Feira do Livro gostei especialmente das intervenções de Fernando Rosas, de Artur Salada Ferreira e de Fernando Cardoso, seus amigos...