I - O Galego em Lisboa
(por: Princesa Rattazzi)
(por: Princesa Rattazzi)
A Princesa Rattazzi (1831-1902), como era designada, foi publicista, romancista, poetisa, autora também de textos dramáticos e tradutora, mas não entrou certamente para a galeria dos autores literários de grande, médio ou pequeno relevo.
Todavia, em 1879 escreveu um livro ("Portugal de Relance"), que desencadeou uma verdadeira tempestade em Portugal, na qual intervieram, entre muitos outros, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Ramalho Ortigão.
Espelho da sociedade portuguesa do século XIX, nele ainda hoje se reflecte arrebatadamente o país.
Todavia, em 1879 escreveu um livro ("Portugal de Relance"), que desencadeou uma verdadeira tempestade em Portugal, na qual intervieram, entre muitos outros, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Ramalho Ortigão.
Espelho da sociedade portuguesa do século XIX, nele ainda hoje se reflecte arrebatadamente o país.
"Em todas as esquinas de Lisboa deparam-se-nos moços de fretes e recados e aguadeiros, oriundos da Galiza. Os seus trabalhos aqui correspondem aos dos auvernianos e saboianos em Paris.
São montanheses robustos, pacientes, corajosos, que não se recusam a nenhum trabalho penoso a troco de algumas moedas de cobre, aumentando assim o seu pequeno tesouro, que vão mandando para o torrão natal com o fim de comprarem algumas jeiras de terra.
Gozam da fama de honestos, merecidamente adquirida; muitos têm o encargo de cobrarem somas importantes para os patrões, e é um facto extraordinário queixar-se alguém da probidade do galego.
Laboriosos e honrados, estão, ainda assim, sob a completa dependência dos Portugueses. Basta a sua qualidade de espanhóis para serem asperamente tratados pelas pessoas que os empregam. É um galego!, dizem. Isto é: um ente grosseiro, desprezível, que não merece consideração nem delicadeza de espécie alguma.
Um português compra uma ninharia qualquer, um objecto pequeníssimo: não querendo dar-se ao trabalho de o levar, chama um galego, entrega-lhe o embrulho - que pesa às vezes três gramas -, e é seguido pelo moço até ao seu domicílio.
Assim pratica ele um acto de soberania e de supremacia - e tudo isto a troco de 30 ou 40 réis! Só quem está em muito más circunstâncias é que não goza de tão modesto prazer.
Não há para um português injúria mais grosseira do que compará-lo a um galego!"
(Maria Rattazzi - Portugal de Relance - Ano de 1879)
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II - O Galego em Lisboa (por: Alfredo Saramago)
"(...) Galegos são mesmo os naturais da Galiza, na Lisboa antiga era nome dado a moços de fretes, recados, e moços de esquina (o que quer que tal signifique...).
Venho a descobrir, com esgar triste e repelente, que em sentido figurativo, o dicionário refere o uso de galegos para pessoas ordinárias, fracas, de pequeno valor.
Creio estar perdido há muito este valor do termo.
Em geral o som da palavra coloca um sorriso na face. Do outro lado do oceano, porém, a palavra adquiriu sentidos diversos. Não vou verificar, refiro só o que recordo. Recordo que é adjectivo aplicado a pessoas que trabalham muito (como aliás também sucedia em Portugal, (...)embora geralmente poucos jovens o saibam) (...)
(...) Os senhores da água, os galegos, merecem uma nota que os separe dos que aparecem sempre na sua companhia, como negros, mulatos, mouros, etc... Por duas razões: porque em finais do século XVIII já eram 60 000, número considerável em relação à população total de Lisboa, e porque a sua acção foi importante na história da alimentação da cidade, tão importante que essa acção chegou aos nossos dias transmitindo usos que se transformaram em emblema da cidade como, por exemplo, as populares "iscas com elas".
Era gente forte, muito robusta, preparada para trabalhos pesados, que tinham como característica principal serem muito económicos. Não se metiam em brigas, e nunca eram tidos como culpados de qualquer roubo ou crime.
Eram orgulhosos e desembaraçados e raramente ofereciam os seus préstimos, aguardavam que alguém os pedisse. Os galegos em Lisboa eram vendedores de água, moços de frete de corda ao ombro, moços de lojas e armazéns, criados de hospedarias e casas particulares, cocheiros, trintanários, varredores de ruas e empregados das tabernas e casas de pasto. Foi nesta actividade, e na de aguadeiro, que se tornaram conhecidos e que se enraizaram na cidade.
Trabalhavam muito, viviam economicamente e, depois de juntar algum dinheiro, partiam para as suas terras e compravam um terreno.
Em 1801 houve uma tentativa de os expulsar por causa da guerra, mas o Intendente Geral da Polícia avisou que, expulsando-os, deixava de haver quem servisse a cidade. Foram deixados em paz e continuaram.
Em relação aos criados portugueses, mais subservientes, os galegos eram mais orgulhosos, mais limpos, mais fiéis e mais sóbrios. Quando chovia e a lama deixava as ruas da cidade em estado lastimável, eram eles que carregavam as pessoas. Os que vendiam água iam encher as suas barricas decoradas aos chafarizes e depois apregoavam a "áááágua freeesca, frisquinha, quem quer beber áugua freeesca?". Vendiam cada copo de água a 5 réis. [...]
(Alfredo Saramago, Para Uma História da Alimentação de Lisboa e Seu Termo)
(Blogue Quiromancias - 22 deAgosto de 2006)
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