"(...) Os ambós de Angola surgiram da miscigenação de um povo de caçadores nómadas - saídos, por volta do século XVII, da Donga, no Sudoeste Africano - com pastores estabelecidos entre os rios Cunene e Cubango.
Desse obscuro encontro teriam brotado as cinco tribos angolanas do grupo - Cuanhamas, os mais numerosos, e Cuamatos, Evales, Cafimas e Dombondolas -, todas aparentadas com as tribos da Ovambolândia, no Sudoeste.
Estes povos orgulhosos, de elevadíssima estatura, ocupam ainda hoje um território de planuras levemente descaídas para sul, ao correr de outeiros de contornos suaves e de enormes clareiras escavadas no chão arenoso - as chanas -, cingidas por manchas de vegetação onde sobressaem os mutiatis, as acácias e os espinheiros.
Na época seca as chanas revestem-se de tufos de arbustos mirrados e de mantos de capim ressequido. Quando dominam as chuvas, de Outubro a Maio, a correnteza do rio Cuvelai transpõe as margens baixas e derrama-se pela terra sequiosa, inundando as depressões.
Numa explosão deslumbrante de odores e de verdes, as chanas transformam-se numa intrincada rede de lagoas, cujas águas, agitadas por turbilhões de peixes e de rãs, escorrem de modo quase imperceptível para sul, isolando as povoações e os homens, rumo à grande cova de Etosha, na Namíbia.
Dedicando os dias à caça, à agricultura de subsistência e, sobretudo, ao pastoreio de numerosas manadas de gado bovino, os Ambós aguardavam com ansiedade a chegada do tempo seco, a meio do ano, para soltarem o poderoso impulso da sua vocação guerreira. Capitaneados pelos lengas - chefes-de-guerra e conselheiros dos sobas -, realizavam expedições de guerrilha e saque num raio de centenas de quilómetros.
Ficaram sobretudo memoráveis as incursões dos Cuanhamas. Eles optavam com frequência por surtidas limitadas a oeste - na direcção do Humbe, da Camba ou do Quiteve -, e a nordeste, no país dos Ganguelas. Noutras ocasiões ousavam levar as razias a locais tão remotos como o Quipungo e Caconda, onde os brancos saídos do mar se esforçavam por firmar posições.
Armados até aos dentes, os guerreiros viajavam protegidos por amuletos suspensos dos pescoços - chifres de bambi recheados de cinzas obtidas dos destemidos corações de companheiros mortos em combate. Beneficiavam ainda da protecção do ondiai, um homem de virtude e magia.
O ondiai caminhava na dianteira com a sua moca enfeitiçada, coroada por uma pele de focinho de hiena. A moca girava no ar, apontando em todas as direcções, livrando a expedição de perigos potenciais e fazendo com que se erguesse, quando necessário, um vento forte e rumoroso, que abafava os passos dos guerreiros.
Depois de homenagens rituais aos antepassados, as hordas caíam como maldições sobre os aldeamentos desprevenidos, espalhando o pavor e a morte. Retornavam quase sempre em triunfo aos eumbos, com ricos espólios de escravos e gado. (...)". (*)
(*) - FONTE - Senhores do Sol e do Vento - Histórias Verídicas de Portugueses, Angolanos e Outros Africanos - José Bento Duarte - Editorial Estampa - Lisboa - 1999) (1.ª edição)
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