sábado, 22 de novembro de 2025

Blake & Mortimer - O Singular e Assombroso Universo de Edgar Pierre Jacobs




Edgar Pierre Jacobs nasceu a 30 de Março de 1904, em Bruxelas (Bélgica), e aqui faleceu em 20 de Fevereiro de 1987.

Desde muito novo manifestou grande fascínio pelo desenho e pelas representações cénicas.
Os seus cadernos, que deixavam já antever um grande talento, reproduziam cenas quotidianas, batalhas, pormenores arquitectónicos ou de indumentária, a par de uma caligrafia elegantemente apurada.

Em 1919, após concluir a Escola Comercial, começou por trabalhar em publicidade, realizando gravuras para puzzles, álbuns para colorir, jogos, cartazes e catálogos para grandes armazéns, actividade que prosseguiu nos anos 20.




Em simultâneo, Jacobs aspirava a fazer carreira na ópera, tendo começado por ser figurante numa representação de Guilherme Tell, no Teatro de La Monnaie, em 1921.
Chegou a barítono da Ópera de Lille em 1929, ano em que ganhou um grande prémio de canto.

Durante os anos em que sobreviveu neste meio, aproveitou o seu talento gráfico para conceber projectos de indumentárias e maquetas de cenários.

Trabalhou durante dez anos na Ópera de Lille, até ser mobilizado, em 1939, com o eclodir da Segunda Guerra Mundial.

Mortimer (esquerda) e Blake (direita)


Com a Bélgica invadida pela Alemanha nazi, em 1940, recorreu ao desenho como meio de sustento.
Contactou a revista Bravo, para a qual realizou o mais variado tipo de ilustrações.

Em 1942, quando a Bravo deixou de receber as provas da muito popular banda desenhada americana Flash Gordon, Edgar foi desafiado a continuar as suas aventuras, sob o título de "Gordon l'Intrepide".

No entanto, por imposição da censura alemã, teve de concluir precipitadamente o trabalho, que visava dar uma hipotética continuação à história originalmente criada por Alex Raymond.




Entre 1943 e 1944 continuou a trabalhar em BD, tendo sido convidado pela mesma revista a desenvolver uma história que substituísse Flash Gordon.

A sua primeira BD criada de raiz foi Le Rayon "U" (O Raio "U"), estreada na revista Bravo em 1943.
Uma segunda versão apareceu em 1974 na revista Tintin e em álbum da Lombard.

Em simultâneo, começou a colaborar com Hergé, o pai de Tintim, em 1944, quando este necessitou de redesenhar e colorir várias aventuras inicialmente saídas a preto e branco.

Assim sendo, realizou os desenhos dos cenários e a coloração das seguintes histórias de Tintim:
O Lótus Azul, O Ceptro de Ottokar, As 7 Bolas de Cristal e O Templo do Sol.

Como nota do seu bom humor, Jacobs não se coibiu de se desenhar a si próprio, a Hergé e a outras pessoas conhecidas de ambos, entre os "figurantes" de algumas histórias.




Em 26 de Setembro de 1946 surgiu o número inaugural da mítica revista Tintin, que ficou marcado pela estreia da série Blake e Mortimer, de Edgar Pierre Jacobs.
Os protagonistas são um capitão da força aérea ligado aos serviços secretos (Blake) e um físico apaixonado pela arqueologia (Mortimer), ambos cidadãos britânicos, cultivando toda a série um ambiente muito british de meados do século XX.

A história inicial da série, Le Secret de l'Espadon (O Segredo do Espadão), impôs-se rapidamente com sucesso entre os leitores da revista, acabando por ser reunida em dois álbuns, editados em 1950 e 1953.
Assim começou uma das séries de culto da BD europeia.





Depois surgiram Le Mystère de la Grande Pyramide (O Mistério da Grande Pirâmide), história também em duas partes, publicada na Tintin entre 1950 e 1954, e La Marque Jaune (A Marca Amarela), publicada em 1953.

Seguiram-se:
L'Enigme de l'Atlantide (O Enigma da Atlântida), de 1955;
SOS Météores (SOS Meteoros), de 1958;
Le Piège Diabolique (A Armadilha Diabólica), de 1960;
L'Affaire du Collier (O Caso do Colar), de 1965;
Les 3 Formules du Professeur Sato I (As 3 Fórmulas do Professor Sato I), de 1971,

histórias publicadas inicialmente na revista Tintin e posteriormente editadas em álbum pela Lombard.




A publicação do segundo tomo As 3 Fórmulas do Professor Sato foi sendo protelada até à sua morte, ocorrida em 1987.

Em 1986 criou a chancela Éditions Blake et Mortimer, que editou todos os álbuns num outro formato, com nova coloração e páginas suplementares, como sucedeu em O Segredo do Espadão, agora editado em três volumes.

Depois de vários problemas de saúde, que marcaram os seus últimos anos de vida, faleceu vítima da doença de Parkinson, em 1987, deixando uma obra pequena pelo número de títulos mas de inegável qualidade narrativa e plástica, que se tornou uma importante referência da BD franco-belga.
 

O derradeiro álbum, Les 3 Formules du Professeur Sato II (As 3 Fórmulas do Professor Sato II), cujos esboços deixou terminados, viria a ser concluído por Bob de Moor, sendo editado em 1990.

Em 1996, Jean Van Hamme e Ted Benoit prosseguiram a série com grande êxito, a que se juntou, mais tarde, outra dupla de autores, Yves Sente e André Juillard.




Em Portugal, antes da edição em álbuns, a série Blake & Mortimer foi publicada na década de 50 do século passado na revista semanal Cavaleiro Andante, da Empresa Nacional de Publicidade (em sistema de continuação).
O mesmo ocorreria duas décadas mais tarde na revista Tintim (em português).


Tema musical:



sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Bertolt Brecht - "Perguntas de um trabalhador que lê"





"Perguntas de um trabalhador que lê"


Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
arrastaram eles os blocos de pedra?

E a Babilónia várias vezes destruída:
quem a reconstruiu tantas vezes?

Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros,
na noite em que a Muralha da China ficou pronta?

A grande Roma está cheia de arcos do triunfo:
quem os ergueu?
Com quem triunfaram os Césares?

A decantada Bizâncio
tinha somente palácios para os seus habitantes?

Mesmo na lendária Atlântida,
os que se afogavam
gritaram por seus escravos
na noite em que o mar a tragou?

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?

César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?

Filipe da Espanha chorou,
quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?

Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória:
quem cozinhava o banquete?

A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias...
Tantas questões...

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Saiba mais sobre Bertolt Brechtaqui
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"Canto por todos los muertos"
(Carlos Puebla)

sábado, 8 de novembro de 2025

Uma Burla Fantástica: Os "Diários Secretos de Hitler"

 

À direita: capa da revista Stern, de 25 de Abril de 1983,
com a manchete explosiva: "Descobertos os Diários de Hitler"


Gerd Heidemann, nascido em 1931, foi um repórter da revista alemã Stern, para a qual trabalhou durante mais de 30 anos. Uma das suas ocupações favoritas consistia no estudo afincado do regime nazi, que dominou a Alemanha de 1933 a 1945.

Na década de 1970, Heidemann vendeu uma casa que possuía em Hamburgo e, com o dinheiro recebido, adquiriu um iate, o Carin II, outrora pertencente a Hermann Göering, poderoso número 2 de Adolf Hitler.

Por essa altura conheceu Edda, a filha de Göering, e com ela iniciou uma relação sentimental que duraria cinco anos. O casal organizou no Carin II alguns eventos sociais, aos quais compareciam, entre outras figuras, algumas testemunhas oculares de importantes episódios do III Reich. Os generais da SS Karl Wolff e Wilhelm Mohnke, por exemplo, estiveram entre os convidados. Mohnke, recorde-se, participou na derradeira defesa de Berlim, tendo comandado a resistência nas imediações do "bunker" de Hitler quando o Exército Russo já apertava o cerco final.

Gerd Heidemann com o seu iate "Carin II"

Foi através de um dos antigos oficiais nazis que Heidemann conheceu, nos começos de 1981, Konrad Kujau, nascido em 1938, exótica personagem que ganhava a vida vendendo recordações do III Reich numa loja de Estugarda.

Um dia, Kujau contou ao repórter da Stern uma estranha e surpreendente história. Um seu irmão, oficial do Exército da Alemanha Oriental, tivera acesso aos diários manuscritos de Adolfo Hitler e conseguira fazê-los passar para a Alemanha Ocidental. Agora, pretendia vendê-los por bom preço, tendo Kujau como intermediário.

Konrad Kujau e um dos 62 volumes

Nunca antes se ouvira falar de tais diários. Mas Kujau forneceu uma explicação. Nos derradeiros dias de Abril de 1945, pouco antes do suicídio do ditador alemão (ocorrido a 30 desse mês), os diários tinham sido apressadamente metidos, com outros pertences pessoais do chanceler, num dos últimos aviões que conseguiram sair da capital germânica. O objectivo era fazê-los chegar a Berchtesgaden, nos Alpes Bávaros - onde Hitler mandara edificar o seu refúgio particular -, colocando-os aí a bom recato.

As coisas, todavia, não correram como havia sido planeado. O avião acabou por despenhar-se nas proximidades de Dresden, tendo sobrevivido apenas um dos passageiros. Acorrera então um agricultor local, que conseguiu salvar parte da carga, incluindo os diários de Hitler - nada mais nada menos do que 62 volumes encadernados em couro artificial preto.
Esta preciosidade tinha ficado escondida durante anos, até chegar às mãos do actual proprietário - o irmão de Kujau.


Gerd Heidemann exibe também um dos volumes dos diários


Gerd Heidemann tomou como boa a história do seu interlocutor. E não mais descansou até conseguir convencer os seus patrões da Stern de que valia a pena um considerável esforço financeiro para obterem e publicarem os ambicionados diários.

Foi assim que 9,3 milhões de marcos mudaram repentinamente de mãos. Depois, no dia 25 de Abril de 1983, a capa da Stern surgiu com uma manchete explosiva: tinham sido finalmente descobertos os diários secretos do ditador alemão!

No interior da publicação, mais de 40 páginas de extractos constituíam o prato forte de um artigo em que se anunciavam, para os próximos 18 meses, mais 27 publicações sobre o mesmo tema.

A revista não tinha dúvidas de que, face ao caudal e à natureza da informação assim alcançada, a biografia do ditador nazi teria de ser forçosamente reescrita. Com isso, a história da Alemanha nazi adquiriria novos e inesperados contornos.


Hugh Trevor-Roper (esquerda) e Gerhard Weinberg (direita)

Na conferência de imprensa efectuada nesse dia na sede da revista, em Hamburgo, Gerd Heidemann pôde ufanar-se do seu feito. E Peter Koch, o editor-chefe, dissertou largamente sobre o triunfo da Stern. Revelou, entre outros pormenores, que, sem que alguém suspeitasse, Adolf Hitler tinha escrito diligentemente os seus diários à mão, desde 1932 até umas poucas semanas antes do suicídio no "bunker".

Em matéria de tal melindre, a Stern procurou acautelar-se com algumas opiniões de peso. E obteve-as da parte de Hugh Trevor-Roper, historiador britânico, e de Gerhard Weinberg, americano da Universidade da Carolina do Norte. Após uma consulta breve dos volumes em causa, ambos afirmaram que os consideravam genuínos.

As cautelas eram mais do que justificadas, face ao interesse que o assunto logo despertou por toda a parte, designadamente entre alguns prestigiados representantes da imprensa mundial.

Por exemplo, o Sunday Times, de Londres, pagou o equivalente a 400 000 dólares pelos direitos de publicação na Grã-Bretanha e na Commonwealth. A Paris Match, de França, e a Panorama, de Itália, dispuseram-se a publicar os diários.

A americana Newsweek apresentou um artigo extenso sobre a matéria, embora tenha hesitado em adquirir os direitos de publicação. Entre outras razões, porque achava indispensável uma autenticação mais segura dos volumes em causa.


Algumas das folhas apresentadas

As dúvidas sobre a autenticidade dos diários tinham sido suscitadas logo no momento da sua apresentação. O controverso historiador David Irving fez uma pergunta embaraçosa, querendo saber se fora efectuada uma análise química da tinta dos documentos para tentar datá-la. Na verdade, não fora.

Para desconforto da Stern, começaram a acumular-se as dúvidas. Como é que Hitler conseguira ocultar de todos os seus próximos, ao longo de 13 anos, que andava a escrever um diário? Por outro lado, sabia-se que ele não gostava de escrever, optando por ditar os seus textos a dactilógrafas. Nas raras ocasiões em que escrevia, utilizava preferentemente o lápis. Acresce que, a partir de certa altura, padecia de violentas tremuras nas mãos, o que o teria com certeza impedido de produzir manuscritos tão cuidados.

Perante o coro crescente de dúvidas e desconfianças, Trevor-Roper e Gerhard Weinberg começaram a vacilar nas suas opiniões. O primeiro chegou a dizer que o melhor era considerar que os documentos eram forjados "até prova em contrário". Weinberg, por seu turno, sugeriu à Stern que recorresse a grafólogos e que permitisse aos historiadores um exame integral dos 62 volumes dos diários.

O escândalo começou a ganhar enormes proporções. Um grafólogo americano, contratado pela Newsweek, analisou em Nova Iorque dois dos volumes e concluiu estar-se perante falsificações - ainda por cima "más falsificações".

Na Alemanha, exames técnicos rigorosos provaram que o papel e a tinta dos diários, a cola das encadernações, as capas de couro artificial e as fitas vermelhas com selos de lacre de alguns volumes datavam inequivocamente de um período posterior à 2.ª Guerra Mundial.

Foi mesmo possível demonstrar que o autor da falsificação seguira fielmente, nos seus textos, uma obra de Max Domarus - Hitler: Discursos e Proclamações, 1932-1945. Até os erros de Domarus se achavam transpostos para os famosos diários.

Já não restava qualquer dúvida: a Stern caíra numa burla fantástica e o seu prestígio ficaria abalado durante décadas. Os seus empregados, indignados com o caso, fizeram uma greve de zelo. Peter Koch pediu a demissão. Gerd Heidemann acabou despedido. E Henri Nannen, editor, proclamou: "temos razão para nos envergonharmos".


Kujau com a famosa capa da Stern. À direita, os livros de Max Domarus que lhe serviram de guião para os diários.

As investigações posteriores conduziram rapidamente ao laborioso falsificador - o exótico Konrad Kujau. Ele confessou tudo, procurando - e conseguindo - implicar Gerd Heidemann no golpe. O repórter defendeu-se dizendo que tinha sido ludibriado, mas a verdade é que se havia locupletado, a título de comissão, com um milhão e meio de marcos (do total de 9,3 milhões pagos pela Stern).

Em 1985, após um mediático julgamento que se arrastou por dois anos, foram ambos considerados culpados de fraude. Kujau foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão. Heidemann sofreu uma pena um pouco superior (mais dois meses de prisão).

Quando recuperou a liberdade, Kujau dedicou-se ao que melhor sabia fazer: falsificações. Mas, desta vez, procurou não infringir a lei. Passou a reproduzir e a vender quadros de pintores famosos, como Van Gogh, Rembrandt e Monet, entre outros. Assinava cada um dos quadros de duas maneiras: com a sua firma pessoal e com a do artista original. A sua obra  tornou-se tão famosa que - ironia suprema - começaram a surgir no mercado "falsificações das suas próprias falsificações".

Faleceu no ano de 2000.

Quanto a Gerd Heidemann, continuou incansavelmente a reafirmar a sua inocência.



Recentemente  (15 de Setembro de 2018) a Stern organizou uma exposição, na sua sede em Hamburgo, com sete dos 62 falsos diários de Hitler. Foram igualmente mostrados alguns objectos relacionados com o escândalo, como o ferro de engomar que Kujau utilizou para "envelhecer" o papel.

O chefe de redacção da revista, Christian Krug, afirmou: "estamos a expor a nossa maior ferida". O vice-chefe, Thomas Ammann, disse que o caso dos diários hitlerianos foi "a mãe de todas as fake news".

Alguns diários, anteriormente doados pela Stern a museus e instituições científicas, já tinham sido expostos ao público. Mas esta foi a primeira vez em que a própria revista o fez. Krug adiantou que os exemplares ainda na posse da Stern serão doravante expostos em eventos especiais.





sábado, 1 de novembro de 2025

O Bom, o Mau e o Vilão...



… pela Orquestra Sinfónica Nacional da Dinamarca:



Maestrina: Sarah Hicks

Compositor: Ennio Morricone

Chefe de coro: Edward Ananian-Cooper
Soprano: Christine Nonbo Andersen
Mezzo-soprano: Tuva Semmingsen
Saxofone, harmónica, flauta: Hans Ulrik
Guitarra, banjo, bandolim: Mads Kjølby

sábado, 25 de outubro de 2025

Napoleão Bonaparte, imperador dos Franceses, terá sido envenenado?

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Depois dos tempos de glória, os últimos anos de Napoleão Bonaparte foram vividos em exílio, na ilha de Santa Helena, em pleno Atlântico Sul, sob apertada vigilância inglesa (1815-1821).
Foi o segundo e último exílio do imperador francês.

O primeiro ocorrera na ilha de Elba (1814), de onde ele conseguira evadir-se para uma efémera retomada do poder, até à derrota definitiva de Waterloo, diante dos exércitos Britânico e Prussiano (1815).
Seguira-se a etapa final: a residência de Longwood House, na ilha de Santa Helena.

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Durante muito tempo, a morte de Napoleão Bonaparte foi atribuída à acção de um cancro no estômago. Até que, mais recentemente, o canadiano Ben Weider e o toxicólogo sueco Sten Forshufvud efectuaram uma descoberta sensacional.

Examinando cinco fios de cabelo do imperador, eles acharam uma concentração anormalmente elevada de arsénico.
As concentrações de veneno tinham variado consideravelmente de dia para dia (de 5 a 38 vezes do padrão normal).
A precisão desta análise seria corroborada em 1995 pelo Departamento de Venenos do FBI.


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As suspeitas foram convincentemente confirmadas pela análise dos depoimentos das pessoas que tinham acompanhado Napoleão no exílio, destacando-se o diário de Louis Marchand, o seu criado de confiança.

Confrontando-se este diário com outros registos, tornou-se possível detectar mais de 20 sintomas característicos do envenenamento por arsénico. Com um pormenor sinistro: comparados os registos escritos com as análises do cabelo, pôde concluir-se que os períodos de maiores queixas de Napoleão coincidiram com aqueles em que lhe terá sido ministrado o arsénico.

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Tudo indica que o arsénico foi dado a Napoleão durante um período de tempo muito longo (de 1816 a 1821). O intuito terá sido o de fazer parecer que a morte do imperador se devera a causas naturais.
Na fase final, a partir de Março de 1821, a acção do veneno foi complementada (por acaso ou não) pela administração de tártaro emético, uma substância receitada ao doente pelo seu médico, doutor Antommarchi, para o obrigar a vomitar.

Sabe-se que o emético, ingerido durante um período prolongado, destrói o revestimento do estômago até que desaparece o reflexo do vómito.
Deste modo, o veneno entra no organismo sem que o estômago tenha possibilidade de expeli-lo.

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Nos últimos dias, fizeram com que Napoleão bebesse orchata (uma mistura de água de flor de laranjeira e amêndoas amargas), para combater a terrível sede que o afligia (um sintoma da presença de arsénico).
E, a 3 de Maio, ministraram-lhe também calomelano, para lhe aliviar a prisão de ventre (outro sintoma).

Acontece que os dois preparados (orchata e calomelano) reagiram conjuntamente no estômago do paciente, transformando-se num veneno letal – o cianeto de mercúrio.


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Acabou por sobrevir a crise final.
Após uma agonia extremamente dolorosa, Napoleão Bonaparte, imperador dos Franceses, expirou um pouco antes das seis da tarde do dia 5 de Maio de 1821. Tinha 51 anos de idade.

Quando o doutor Antommarchi realizou a autópsia, verificou a corrosão do estômago do imperador e a existência de um tumor na sua base.
O veredicto foi “morte por cancro”.
Mas o doutor notou uma coisa surpreendente: Napoleão estava praticamente sem pêlos no corpo.
Antommarchi não o sabia, mas a perda de pêlos do corpo é outro dos sintomas característicos do envenenamento por arsénico...

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Túmulo de Napoleão, nos Inválidos, Paris, França
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Hoje, é geralmente aceite que a morte de Napoleão não ficou a dever-se a causas naturais.
Mas, se ele foi assassinado, quem terá sido o culpado?
As análises a respeito são fortemente especulativas, sendo impossível chegar a uma certeza.
A lista de suspeitos aparece encabeçada por duas personagens.

A primeira é o conde de Montholon, um dos cortesãos que fizeram companhia a Napoleão na residência de Longwood House.
O conde parece ter acumulado razões de ressentimento contra o imperador.
Por outro lado, se o veneno foi ministrado nas garrafas de Vin de Constance (um vinho que só Napoleão bebia), salienta-se o facto de que Montholon era o responsável pela garrafeira do ilustre prisioneiro.

O outro suspeito é Sir Hudson Lowe, o governador britânico da ilha.
Admite-se que os Ingleses tivessem interesse em fazer desaparecer de vez o seu temível inimigo, entretanto transformado num incómodo símbolo vivo.

Conta-se que Napoleão Bonaparte dissera um dia ao governador inglês: Acredito que haveis recebido ordem para me matardes – sim, para me matardes!

Montholon?
Hudson Lowe?
Outro ainda?

Eis um mistério da História que ficará talvez irresolúvel para sempre…