terça-feira, 2 de julho de 2019

Sophia de Mello Breyner e a Grécia, por entre odores de resina e mel...

Sophia (n. 6 de Novembro de 1919 - f. 2 de Julho de 2004)

No dia em que se completam quinze anos sobre a sua partida e cinco sobre a justíssima trasladação para o Panteão Nacional (ver "Sophia no Panteão"), a Torre presta-lhe uma pequena homenagem com a transcrição de parte do texto que ela certo dia compôs sobre a sua amada Grécia.
A sensibilidade e o talento descritivo de Sophia emergem em quase tudo quanto escreveu, em verso ou em prosa, como se comprova na seguinte carta (dirigida a Jorge de Sena):
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"Não tento descrever-lhe a Grécia nem tento dizer-lhe o que foi ali a minha total felicidade. Foi como se eu me despedisse de todos os meus desencontros, todas as minhas feridas, e acordasse no primeiro dia da Criação num lugar desde sempre pressentido.
Sobre a Grécia só o Homero me tinha dito a verdade: mas não toda.

O primeiro prodígio do mundo grego está na Natureza: no ar, na luz, no som, na água. É uma natureza mitológica onde as montanhas e as ilhas têm um halo azul que não é imaginado, mas sim fenómeno físico objectivo, que, segundo me disse o padre Manuel Antunes (…), já era um fenómeno notado e discutido na antiguidade.

Sob o sol a pique, numa claridade azul indescritível, o ar é tão leve que nos torna alados e o menor som se recorta com uma inteira nitidez.
As enormes e constantes montanhas povoam tudo de solenidade. Cheira a resina e a mel e há uma embriaguez austera e lúcida.
Mas tanto como a natureza - e ligada à natureza - espantou-me a incrível religiosidade de tudo (…). Pois o que ali há, além de tudo o mais, é uma intensa felicidade de existir que nos lava de tantas feridas." (*)




(*) - Texto extraído da obra "Sophia de Mello Breyner Andresen - Actas do Colóquio Internacional", publicada pela Porto Editora em Dezembro de 2013 (pág. 71).

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