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D. Pedro, príncipe regente e, mais tarde, primeiro imperador do Brasil.
Nasceu e faleceu no palácio de Queluz, Portugal (1798-1834)
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A 19 de Junho de 1822, D. Pedro, príncipe regente do Brasil, dirigiu uma carta a seu pai, D. João VI, rei de Portugal, então já fixado em Lisboa.
Oitenta dias depois de ter escrito estas linhas, D. Pedro soltava o grito de Independência ou Morte!, às margens do riacho Ipiranga (São Paulo), e o Brasil viu-se finalmente livre do domínio colonial português.
É dessa carta que apresentamos alguns extractos (com ortografia actualizada).
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"Meu pai e meu senhor:
Tive a honra e o prazer de receber de Vossa Majestade duas cartas, nas quais me comunicava o seu estado de saúde física, a qual eu estimo mais do que ninguém, e em que me dizia: Guia-te pelas circunstâncias, com prudência e cautela. Esta recomendação é digna de todo o homem, e muito mais de um pai a um filho, e de um rei a um súbdito que o ama e respeita sobremaneira.
Eu ainda me lembro e me lembrarei sempre do que Vossa Majestade me disse, dois dias antes de partir, no seu quarto: Pedro, se o Brasil se separar, antes que seja para ti, que me hás-de respeitar, do que para algum desses aventureiros.
Foi chegado o momento da quase separação, e, estribado nas eloquentes e singelas palavras expressadas por Vossa Majestade, eu tenho marchado adiante do Brasil, que tanto me tem honrado.
Pernambuco proclamou-me Príncipe Regente, sem restrição alguma no poder executivo. Aqui consta-me que querem aclamar Vossa Majestade Imperador do Reino Unido [de Portugal e Brasil] e, a mim, rei do Brasil. Eu, senhor, se isto acontecer, receberei as aclamações, porque me não hei-de opor à vontade do povo. Mas sempre, se me deixarem, hei-de pedir licença a Vossa Majestade para aceitar, porque sou bom filho e fiel súbdito. Ainda que isto aconteça, o que espero que não, conte Vossa Majestade que eu serei rei do Brasil, mas também gozarei da honra de ser súbdito de Vossa Majestade.
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D. João VI, rei de Portugal. Nasceu e faleceu em Lisboa (1767-1826) |
Vossa Majestade, que é rei há tantos anos, conhece muito bem as diferentes situações e circunstâncias de cada país. Por isso, igualmente Vossa Majestade conhecerá que os estados independentes (digo, os que de nada carecem, como o Brasil) nunca são os que se unem aos necessitados e dependentes.
Portugal é hoje em dia um estado de quarta ordem e necessitado, por consequência dependente. O Brasil é de primeira ordem e independente. A união é sempre procurada pelos necessitados e dependentes: portanto, a união dos dois hemisférios deve ser (para poder durar) de Portugal com o Brasil, e não deste com aquele, que é necessitado e dependente.
Uma vez que o Brasil todo está persuadido desta verdade eterna, a separação do Brasil é inevitável, se Portugal não buscar todos os meios de se conciliar com ele por todas as formas.
Peço a Vossa Majestade que deixe vir o mano Miguel para cá, seja como for, porque ele é aqui muito estimado, e os brasileiros querem-no ao pé de mim para me ajudar a servir o Brasil e, a seu tempo, casar com a minha linda filha Maria.
Espero que Vossa Majestade lhe dê licença e lhe não queira cortar a sua fortuna futura, quando Vossa Majestade, como pai, deve por obrigação cristã contribuir com todas as suas forças para a felicidade de seus filhos.
Vossa Majestade conhece a razão; há-de conceder-lhe a licença, que eu e o Brasil tão encarecidamente pedimos pelo que há de mais sagrado.
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7 de Setembro de 1822 - Grito do Ipiranga: "Independência ou Morte!"
O Brasil declarava-se independente de Portugal.
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Como filho respeitoso e súbdito constitucional, cumpre-me dizer sempre a meu rei e meu pai aquela verdade que de mim é inseparável. Se abusei, peço perdão, mas creio que falar verdade nunca é abuso, antes obrigação e virtude.
Dou parte a Vossa Majestade que as minhas filhas estão boas. Da Maria remeto um retrato, tal qual ela, e a Princesa [Dona Leopoldina, esposa de D. Pedro] está também boa.
Remeto no meio dos papéis um figurino a cavalo da guarda de honra, formada voluntariamente pelos paulistas mais distintos da província, mas em que têm também entrado desta província. Os de São Paulo têm na correia da canana [cartucheira] S. P.; e os do Rio de Janeiro R. J.
Tenho a honra de protestar novamente a Vossa Majestade os meus sentimentos de amor, respeito e submissão de filho para um pai carinhoso, e de súbdito para um rei justo.
Deus guarde a preciosa vida e saúde de Vossa Majestade, como todos os bons portugueses, e mormente nós brasileiros, havemos mister.
Sou de Vossa Majestade súbdito fiel e filho obedientíssimo, que lhe beija a sua real mão,
Pedro"
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Fonte: ANTÓNIO VIANNA - A Emancipação do Brazil (1808-1825). Editado em Lisboa, Portugal, no ano de 1922 (Págs. 503-507)
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