segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

António Costa e Partido Socialista - Uma vitória eleitoral esmagadora!

 


António Costa e o Partido Socialista (PS) obtiveram nas eleições antecipadas de ontem um triunfo espectacular, recebendo do povo a maioria parlamentar absoluta que lhes vai permitir governar Portugal sem dependências de forças políticas irresponsáveis e bloqueadoras.

Essas tais forças políticas - o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista (PC) - têm constituído o indispensável aliado da direita para esta se alcandorar ao poder (sucedeu em 2011 e muitos esperavam que ocorresse agora).

Ombro a ombro com a direita, BE e PC ajudaram mais uma vez a derrubar o governo, provocando estas eleições. Foram, por isso, exemplar e muito justamente punidos pelo eleitorado, farto de os ver "apunhalar pelas costas" o melhor primeiro-ministro que o país teve em democracia. Perderam votos, perderam deputados e, agora, quando se deslocarem até à Assembleia da República, já nem conseguem encher três táxis...

A direita clássica (Partido Social-Democrata) teve uma derrota de dimensão não prevista por nenhuma das cada vez mais surpreendentes (e suspeitas) sondagens. Custa a crer que seja só incompetência...

O pobre CDS desapareceu. Era de prever, dada a sua subalternidade em relação ao PSD.

Voltando a António Costa: ele confirmou, nos seis anos que leva de governo (em que, nos dois últimos, teve de acumular as funções "normais" com a luta contra uma pandemia devastadora), a enorme qualidade que se lhe reconhece como político e governante (reveja aqui 1 e aqui 2).

É inteligente, honesto, humanista, dialogante, resistente e, sobretudo, digno de confiança. A sua maioria absoluta não mete medo a ninguém e confere ao país a estabilidade de que necessita para enfrentar as dificuldades e rumar firmemente a um futuro melhor para todos os portugueses.

Hino do Partido Socialista
("Socialismo em Liberdade"):

A Internacional:



sábado, 29 de janeiro de 2022

Melodias Eternas - "I Put a Spell on You"

 


Canção: I Put a Spell on You (Lancei-te um Feitiço)
Intérprete: Nina Simone (1933-2003)
Pesquisa e apresentação: Albina de Castro

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

A Grande Música Portuguesa - ANA MOURA ("Desfado")

 


Desfado:


Desfado (ao vivo):


Quer o destino que eu não creia no destino

E o meu fado é nem ter fado nenhum Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido Senti-lo como ninguém, mas não ter sentido algum Ai que tristeza, esta minha alegria Ai que alegria, esta tão grande tristeza Esperar que um dia eu não espere mais um dia Por aquele que nunca vem e que aqui esteve presente Ai que saudade Que eu tenho de ter saudade Saudades de ter alguém Que aqui está e não existe Sentir-me triste Só por me sentir tão bem E alegre sentir-me bem Só por eu andar tão triste Ai se eu pudesse não cantar "ai se eu pudesse" E lamentasse não ter mais nenhum lamento Talvez ouvisse no silêncio que fizesse Uma voz que fosse minha cantar alguém cá dentro Ai que desgraça esta sorte que me assiste Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada Na incerteza que nada mais certo existe Além da grande incerteza de não estar certa de nada

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Jô Soares entrevista Ana Moura

(No Brasil - Ano de 2011)

Saiba mais sobre Ana Moura aqui

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Filmes para sempre - "Sansão e Dalila" ("Samson and Delilah")

 


Trailer oficial:


Trilha sonora:



Saiba mais sobre a história de Sansão e Dalila:  aqui


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Na Juventude de Eça de Queiroz (2)





(Continuação de 8-Janeiro-2022 - aqui)


“Muitas coisas preocupavam o Eça de Queiroz quando trabalhava.

Durante tempos só pôde escrever em certo almaço, que ele próprio ia comprar a uma pequena loja de chá e papel selado, no n.º 41 da Rua Larga de S. Roque.

Havia de sempre entrar no meu quarto com o pé direito, suspendendo-se por isso, no último momento, recuando o agourento pé esquerdo, quando este já inoportunamente se adiantasse (…).

Aterravam-no as correntes de ar, e andava continuamente a fechar a janela, ou as portas, a mudar a posição da cadeira onde se sentava, murmurando em voz cava:
- É a pneumonia, a congestão pulmonar fulminantea morte, menino!

A luz do candeeiro de petróleo que eu usava feria-lhe a vista; de modo que, a fim de concentrar a claridade sobre o papel em que escrevia, ou sobre o livro em leitura, prolongava, do seu lado, o abat-jour, com longas tiras de papel.

Não podia suportar poeira nas mãos e erguia-se amiúde da mesa para – interrompendo a composição, mas recitando em voz alta as frases já escritas – ir, cuidadosamente, lavar as pontas dos dedos.




Fumava cigarros sem cessar, enquanto compunha, inclinado sobre o papel que olhava muito de perto.

E, uma vez embebido nas suas criações, não falava, não escutava, não atendia a coisa alguma – embrulhando o cigarro, indo lavar as mãos ou fechar a porta, passeando pela casa, muito curvo, dando passadas altas e largas, fazendo gestos de dialogar com alguém invisível, resfolegando ruidosamente, abrindo muito os olhos, elevando e baixando nervosamente as sobrancelhas, as pálpebras, e as rugas horizontais da testa, onde ondulava, convulsa, a sua madeixa corredia, negra e triangular.

Escrevia com extrema facilidade e, nesta época, emendava muito pouco. As imagens, os epítetos ocorriam-lhe abundantes, tumultuosamente, e ele redigia rápido, insensível a repetições de palavras e rimas ou a desequilíbrio de períodos, sem exigências críticas de forma, aceitando, comovido, o que tão espontaneamente, tão sinceramente lhe ocorria.




Quando, nessas noites, ele me lia alguns dos seus Contos, a figura e a voz completavam-lhe as fantásticas criações.

Erguia-se quase nos bicos dos pés, de uma magreza esquelética, lívido – na penumbra das projecções do candeeiro – os olhos esburacados por sombras ao fundo das órbitas, sob as lunetas fumadas de aros pretos, o pescoço inverosimilmente prolongado, as faces cavadas, o nariz afilado, os braços lineares, intermináveis.

Então, com gestos de aparição e espanto, a voz lúgubre, sentimental – enfaticamente patética, ou gargalhando sinistramente – declamava.

Alta noite, quando a excitação do trabalho e do café nos havia quase alucinado, saíamos pelas ruas desertas do Bairro Alto – ou estendíamos as nossas explorações à Mouraria, à Alfama, em volta da Sé e pelas encostas mouriscas e fadistas do Castelo de São Jorge, a examinar a fisionomia fantástica, e quase humana, das casas antigas, algumas ainda então, nesses bairros, mais ou menos medievais.




(…) De ordinário, nas noites de composição e conversa mais absorventes, ou em seguida às nossas divagações peripatéticas, o Eça de Queiroz dormia em minha casa.

E havia, para ele, ritos determinados no modo de dispor a roupa que despia, antes de se deitar, colocando os punhos sobre uma mesa pela ordem por que os tinha usado, no braço direito e esquerdo, respectivamente, e dispondo as botas à porta – também, pelo mesmo método, ordenadamente emparelhadas - para que o meu criado as limpasse, de manhã, sem nos acordar.

E ao meter-se na cama, para explicar os seus movimentos supersticiosos, murmurava persignando-se:
- É preciso obedecer com fé e sem exame às leis subtis das coisas. Ninguém sabe exactamente, menino, de que possa depender o curso dos acontecimentos e o mistério complicado dos fados.




(…) De tempos a tempos, o Eça de Queiroz dizia-me:

- Estamo-nos tornando impressos. Basta de ler e imaginar. Precisamos dum banho de vida prática. É-nos indispensável o acto humano – inverosímil, se for possível –, a aventura, a lenda em acção, o herói palpável.
Vamos, pois, cear com o capitão João de Sá – o João de Sá Nogueira, d’Artagnan de África em Lisboa, com licença registada.

E íamos, com efeito, encontrar este nosso amigo, oficial do Ultramar, que à ceia nos contava – durante o bacalhau com batatas, o meio bife e o vinho Colares – as pitorescas aventuras das suas viagens pelos sertões de Angola.”


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FONTE: Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis – Cartas e Recordações do seu Convívio
Lello & Irmão – Editores – Porto (Portugal) – 1966 (Págs. 118 a 123)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

"Rumba des Îles" (Marguerite Duras-Jeanne Moreau)

Marguerite Duras (1914-1996)
Escritora e directora de cinema.




Jeanne Moreau (1928-2017)
Actriz e cantora.



                (Vídeo de La Mansarde étoilée)


As palavras que elas dizem:

{Jeanne} Cette lumière?
{Marguerite} La mousson, dessous : le Bengale
{Jeanne} Cette poussière là-bas?
{Marguerite} Calcutta Central
{Jeanne} Cette rumeur?
{Marguerite} Le Gange
{Jeanne} Où est-on?
{Marguerite} L'Ambassade de France aux Indes
{Jeanne} Il y a comme une odeur de fleurs?
{Marguerite} La lèpre


{Jeanne} Cette couleur verte, elle grandit
{Marguerite} L'océan Indien
{Jeanne} Ces jonques?
{Marguerite} Le riz. Elles vont vers le grand Mandel
{Jeanne} Sur les talus, ces taches sombres?
{Marguerite} Les gens. La densité la plus élevée du monde
{Jeanne} Ces miroirs noirs?
{Marguerite} La rizière indienne
{Jeanne} Ces lueurs là-bas? On brûle les morts de la faim?
{Marguerite} Oui. Le jour vient

{Jeanne} Cet amour?
{Marguerite} L'amour
{Jeanne} On danse à l'autre bout du hall?
{Marguerite} Des touristes de Ceylan
{Jeanne} Qu'elle est blanche! Qu'elles sont blanches les femmes de Calcutta!
{Marguerite} Pendant six mois, elles ne sortent qu'avec le soir, fuient le soleil
{Jeanne} Morte là-bas?
{Marguerite} Aux îles, trouvée morte, une nuit


{Jeanne} Ce mot?
{Marguerite} Désir


{Jeanne} Celle qui vient dans cette odeur de fleurs?
{Marguerite} Une mendiante
{Jeanne} Folle?
{Marguerite} C'est ça! Elle vient de Birmanie
{Jeanne} Maigre!
{Marguerite} La faim
{Jeanne} À Calcutta, elles étaient ensemble?
{Marguerite} Oui, c'était pendant les mêmes années

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Saiba mais sobre Marguerite Duras - aqui

Saiba mais sobre Jeanne Moreau - aqui

sábado, 8 de janeiro de 2022

Na juventude de Eça de Queiroz (1)

Eça de Queiroz (1845-1900)


“Uma noite, no Verão de 1867 ou 1868, depois de cear, o Eça de Queiroz, o Salomão Saragga e eu (Jaime Batalha Reis) fomos de passeio, conversando, até Belém.

A noite estava muito quente. Havia uma grande claridade de Lua cheia. Seriam umas duas horas da madrugada quando chegámos à Praia da Torre.

Quase varado na areia, havia um barco. Metemo-nos dentro. A maré enchente fez-nos flutuar. Aí continuámos a nossa conversação até que o dia apareceu e o Sol se levantou por detrás do casario e dos altos de Lisboa.

Desembarcámos então e dirigimo-nos para Belém, com fome, em busca duma taberna ou restaurante. Queríamos almoçar ali mesmo, continuando, à beira do rio, a nossa discussão. Mas conhecíamos os nossos três apetites, e verificámos, reunindo todo o dinheiro, que ele apenas pagaria um insuficiente repasto.
Que fazer?

- Tenho uma ideia – disse o Eça de Queiroz, fazendo o gesto consagrado de bater na testa. – Tenho uma ideia genial – acrescentou, erguendo tremulamente os braços ao céu: - Sigam-me.

E negro, linear, curvo, agitando a badine na mão como se esgrimisse, com passos largos e rítmicos, que pareciam saltar obstáculos invisíveis, a sombra da figura esguia e imensa projectada pelos raios horizontais do Sol nascente, Eça de Queiroz adiantou-se em direcção à calçada que leva de Belém à Ajuda.

Salomão Saragga e eu íamos atrás, famélicos, murmurando.
Seriam quase cinco horas da manhã.


Torre de Belém - Lisboa - Portugal


Junto da Igreja da Memória o Eça de Queiroz dirigiu-se a uma casa baixa, de janelas cerradas, e bateu.
Os habitantes da casa estavam ainda evidentemente no melhor dos seus sonos.

O Eça de Queiroz explicou-nos:
- Mora aqui o Mancília, a quem vamos dar um tiro. Só ele nos pode salvar neste deserto.
E continuou a bater durante minutos.

Por fim ouviu-se falar dentro da casa. Alguém abriu a porta resmungando, e vimos diante de nós uma cara larga, um bigode castanho, e uns olhos, entre terríveis e risonhos, sob uma grande trunfa de caracóis desordenados.
Era o Lourenço Malheiro.

- Menino – começou o Eça de Queiroz – estamos esfomeados após muitas horas de incalculável criação romântica. Jurámos não morrer antes de produzirmos três obras de génio. Dá-nos entretanto dinheiro para almoçar. Mas olha lá… Comunicámos toda a noite, espectralmente, no Restelo, com as armadas portuguesas que dali foram ao descobrimento da Índia e do Brasil: dá-nos pois dinheiros antigos e sugestivos – sequins, dobrões, florins, ducados, escudos, peças, ou, quando menos, pintos…

O Malheiro foi dentro e trouxe três moedas de cinco tostões.

- Ouvirás falar da tua generosa dádiva, Mancília – disse o Eça de Queiroz, apertando-lhe as mãos com comoção e solenidade.




Voltámos a Belém.

E, enquanto na cozinha da taberna, onde bebiam marinheiros e uma guitarra gemia frases lancinantes do fado, se preparava a pescada com batatas e a caldeirada que encomendáramos, o Eça de Queiroz e eu, num quarto do primeiro andar, organizávamos o seguinte problema cuja glosa e solução seria enviada ao providencial Lourenço Malheiro:



“Cristo deu-nos o amor
Robespierre a liberdade;
Malheiro deu-nos três pintos:
Qual deles deu a verdade?”



(…) Almoçando, o Eça de Queiroz e eu glosámos e resolvemos o problema em quatro quadras e décimas, cantadas ali logo, ao acompanhamento do fado que continuava a ouvir-se chorar na cozinha do rés-do-chão.

Existem as minhas quadras (ver Nota, no fim), mas perderam-se as décimas de Eça de Queiroz, que com efeito sobrescritámos para o Lourenço Malheiro, décimas cheias de graça e fantasia.



Jaime Batalha Reis (1847-1935)


De outra vez, dois dos nossos amigos – o capitão João de Sá e o Zagalo – convenceram-nos a irmos com eles a uma espera de touros.

Na volta, pela madrugada, abancámos a cear numa tasca do Arco do Cego. Éramos, a esse tempo, um grupo numeroso. 

Apareciam amigos, conhecidos, desconhecidos.
Nós, expansivamente, íamos convidando. Eles iam comendo, bebendo, desaparecendo.

Quando rompeu o dia e quisemos nós mesmos partir, descobrimos que havíamos gasto, em bacalhau, iscas de fígado, azeitonas e vinho Colares, um dinheirão que não tínhamos na algibeira.

Comêramos num pátio onde havia galinhas, e uma horta com couves e parreira.
Ao lado, dava para esse pátio uma casa estreita, de janelas sem vidraças, onde se guardavam frutas, legumes secos e feno.
Era madrugada.

O Eça de Queiroz e eu, já sonolentos, resolvemos esperar ali, até à tarde seguinte, que o João de Sá e o Zagalo nos viessem desempenhar com o dinheiro necessário a pagar as nossas dívidas.





Cerca do meio-dia acordámos sobre os molhos aromáticos do feno, rodeados por galinhas e pombos familiares. As paredes da casa onde dormíramos eram caiadas.

Então – depois de almoçarmos ainda a crédito – com dois lápis, devorando fruta, principiámos a cobrir as paredes dum longo poema, difuso, indeterminado, lírico, humorístico, tristíssimo e hilariante (…).

Este exercício durou quatro ou cinco horas. Duas das paredes da casa ficaram, até à altura de um homem, cinzentas de versos.

Sinto hoje não haver copiado, e ter completamente esquecido, a parte do Eça de Queiroz nesta colaboração extravagante.

Lembro-me nitidamente de que havia nessa parte trechos espantosos pelas imagens originais, pela fantasia, pela graça, pelo imprevisto.”



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N
OTA – Entre os papéis de Jaime Batalha Reis encontraram-se as seguintes três quadras:


“Declamador tremebundo,
Tirano atroz, por bondade,
Deu-nos, matando meio mundo,
Robespierre, a liberdade.
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Maior que a lenda e a retórica,
Ao ver-nos, aos três famintos,
Com mão magnífica, e histórica,
Malheiro deu-nos três pintos.
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Com este dom de fartar,
E peixe frito à vontade,
É inútil perguntar
Qual deles deu a verdade.



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Conclui na próxima 4.ª feira, 12-Janeiro-2022 - aqui


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FONTE: Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis – Cartas e Recordações do seu Convívio”
Lello & Irmão – Editores – Porto (Portugal) – 1966 (Págs. 118 a 123)