sábado, 21 de março de 2020

Como atribuir nomes às pessoas... (Stanislaw Ponte Preta - Brasil)

 
No capítulo dos nomes difíceis têm acontecido coisas das mais pitorescas.
Ou é um camarada chamado Mimoso que tem físico de mastodonte, ou é um sujeito fraquinho e insignificante chamado Hércules.
Os nomes difíceis, principalmente os nomes tirados de adjetivos condizentes com seus portadores, são raríssimos, e é por isso que minha avó paterna dizia:
Gente honesta, se for homem deve ser José, se for mulher, deve ser Maria!

É verdade que Vovó não tinha nada contra os joões, paulos, mários, odetes e — vá lá — fidélis.
A sua implicância era, sobretudo, com nomes inventados, comemorativos de um acontecimento qualquer, como era o caso, muito citado por ela, de uma tal Dona Holofotina, batizada no dia em que inauguraram a luz elétrica na rua em que a família morava.

Acrescente-se também que Vovó não mantinha relações com pessoas de nomes tirados metade da mãe e metade do pai.
Jamais perdoou a um velho amigo seu — o "Seu" Wagner — porque se casara com uma senhora chamada Emília, muito respeitável, aliás, mas que tivera o mau-gosto de convencer o marido de batizar o primeiro filho com o nome leguminoso de Wagem — "wag" de Wagner e "em" de Emília.
É verdade que a vagem comum, crua ou ensopada, será sempre com "v", enquanto o filho de "Seu" Wagner herdara o "w" do pai. Mas isso não tinha nenhuma importância: a consoante não era um detalhe bastante forte para impedir o risinho gozador de todos aqueles que eram apresentados ao menino Wagem.

Mas deixemos de lado as birras de minha avó — velhinha que Deus tenha em Sua santa glória — e passemos ao estranho caso da família Veiga, que morava pertinho de nossa casa, em tempos idos.
"Seu" Veiga, amante de boa leitura e cuja cachaça era colecionar livros, embora colecionasse também filhos talvez com a mesma paixão, levou sua mania ao extremo de batizar os rebentos com nomes que tivessem relação com livros.
Assim, o mais velho chamou-se Prefácio da Veiga; o segundo, Prólogo; o terceiro, Índice e, sucessivamente, foram nascendo o Tomo, o Capítulo e, por fim, Epílogo da Veiga, caçula do casal.

Lembro-me bem dos filhos de "Seu" Veiga, todos excelentes rapazes, principalmente o Capítulo, sujeito prendado na confecção de balões e papagaios. Até hoje (é verdade que não me tenho dedicado muito na busca) não encontrei ninguém que fizesse um papagaio tão bem quanto Capítulo. Nem balões.
Tomo era um bom extrema-direita e Prefácio pegou o vício do pai - vivia comprando livros. Era, aliás, o filho querido de "Seu" Veiga, pai extremoso, que não admitia piadas.

Não tinha o menor senso de humor. Certa vez ficou mesmo de relações estremecidas com meu pai, por causa de uma brincadeira. "Seu" Veiga ia passando pela nossa porta, levando a família para o banho de mar.
Iam todos armados de barracas de praia, toalhas etc. Papai estava na janela e, ao saudá-lo, fez a graça:
Vai levar a biblioteca para o banho?
"Seu" Veiga ficou queimado durante muito tempo.

Dona Odete — por alcunha "A Estante" — mãe dos meninos, sofria o desgosto de ter tantos filhos homens e não ter uma menina "para me fazer companhia" - como costumava dizer. Acreditava, inclusive, que aquilo era castigo de Deus, por causa da idéia do marido de botar aqueles nomes nos garotos.
Por isso, fez uma promessa: se ainda tivesse uma menina, havia de chamá-la Maria.
As esperanças estavam quase perdidas. Epílogozinho já tinha oito anos, quando a vontade de Dona Odete tornou-se uma bela realidade, pesando cinco quilos e mamando uma enormidade.

Os vizinhos comentaram que "Seu" Veiga não gostou, ainda que se conformasse, com a vinda de mais um herdeiro, só porque já lhe faltavam palavras relacionadas a livros para denominar a criança.
Só meses depois, na hora do batizado, o pai foi informado da antiga promessa. Ficou furioso com a mulher, esbravejou, bufou, mas — bom católico — acabou concordando em parte.
E assim, em vez de receber somente o nome suave de Maria, a garotinha foi registrada, no livro da paróquia, após a cerimônia batismal, como Errata Maria da Veiga.
Estava cumprida a promessa de Dona Odete, estava de pé a mania de "Seu" Veiga."
 
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Texto extraído do livro "A Casa Demolida" - Rio de Janeiro, 1963, pág. 175.

Sérgio Marcus Rangel Porto (Rio de Janeiro, 11 de Janeiro de 1923 — Rio de Janeiro, 30 de Setembro de 1968) foi um cronista, escritor, radialista, e compositor brasileiro.
Era mais conhecido por seu pseudónimo, Stanislaw Ponte Preta.

Sérgio começou sua carreira jornalística no final dos anos 40,
actuando em publicações como as revistas Sombra e Manchete e os jornais Última Hora, Tribuna da Imprensa e Diário Carioca.
Foi aí que surgiu o personagem Stanislaw Ponte Preta e suas crónicas satíricas e críticas (…).

Sérgio era boémio, de um admirável senso de humor, e a sua aparência de homem sisudo escondia um intelectual peculiar capaz de fazer piadas corrosivas contra a ditadura militar e o moralismo social vigente, que fazem parte do FEBEAPÁ - Festival de Besteiras que Assola o País, uma de suas maiores criações.

FEBEAPÁ - Festival de Besteiras que Assola o País tinha como característica simular notas jornalísticas, parecendo noticiário sério.
Era uma forma de criticar a repressão militar, já presente nos primeiros Actos Institucionais (que tinham a sugestiva sigla de AI).

Um deles noticiou a decisão da ditadura militar brasileira de mandar prender o autor grego Sófocles, que morreu há séculos, por causa do conteúdo subversivo de uma peça que ele teria encenado na ocasião (anos 60 do século passado).
Sérgio Porto, ou Stanislaw Ponte Preta alcançou a fama por seu senso de humor refinado e a crítica mordaz aos costumes nos livros Tia Zulmira e Eu e, também, FEBEAPÁ.

A sua jornada diária nunca era inferior a 15 horas de trabalho.
Escrevia para o rádio, para a TV, onde chegou a apresentar programas, e também para revistas e jornais, além de idealizar seus livros.
O excesso de obrigações seria demais para o cardíaco Sérgio, que morreu de enfarte aos 45 anos de idade.

(Extraído e adaptado de Wikipédia)

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