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O embaixador Francisco Seixas da Costa publicou hoje no seu blogue (duas ou três coisas) um texto notável sobre a devastadora governação a que o povo português pôs finalmente termo nas eleições de 4 de Outubro findo.
Todos os colaboradores da Torre da História Ibérica subscrevem o que abaixo - com a devida vénia - se transcreve.
(Ilustrações, destaques e arrumação de texto da responsabilidade da Torre).
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"Não lhes perdoo!
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Acaba hoje aquela que constitui a mais
penosa experiência política a que me foi dado assistir na minha vida adulta em
democracia. Salvaguardadas as exceções que sempre existem, quero dizer que
nunca me senti tão distante de uma governação como daquela que este país sofreu
desde 2011.
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Não duvido que alguns dos governantes
que hoje transitam para o passado tentaram fazer o seu melhor ao longo destes
cerca de quatro anos e meio.
Em alguns deles detetei mesmo competência técnica
e profissional, fidelidade a uma linha de orientação que consideraram ser a
melhor para o país que lhes calhou governarem.
Mas há coisas que, na
globalidade do governo a que pertenceram, nunca lhes perdoarei.
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Desde logo, a mentira, a descarada
mentira com que conquistaram os votos crédulos dos portugueses em 2011, para,
poucas semanas depois, virem a pôr em prática uma governação em que viriam a
fazer precisamente o contrário daquilo que haviam prometido. As palavras fortes
existem para serem usadas e a isso chama-se desonestidade política.
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Depois, a insensibilidade social.
Assistimos no governo que agora se vai, sempre com cobertura ao nível mais
elevado, a uma obscena política de agravamento das clivagens sociais,
destruidora do tecido de solidariedade que faz parte da nossa matriz como país,
como que insultando e tratando com desprezo as pessoas idosas e mais frágeis,
desenvolvendo uma doutrina que teve o seu expoente na frase de um anormal que
jocosamente falou, sem reação de ninguém com responsabilidade, de "peste
grisalha".
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Vimos surgir, escudado na cumplicidade objetiva do
primeiro-ministro, um discurso "jeuniste" que chegou mesmo a procurar
filosofar sobre a legitimidade da quebra da solidariedade inter-geracional.
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Um dia, ouvi da boca de um dos
"golden boys" desta governação, a enormidade de assumir que
considerava "legítimo que os reformados e pensionistas fossem os mais
sacrificados nos cortes, pela fatia que isso representava nas despesas do
Estado mas, igualmente, pela circunstância de a sua capacidade reivindicativa e de
reação ser muito menor do que os trabalhadores no ativo", o que suscitava
menos problemas políticos na execução das medidas.
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Essa personagem foi ao ponto
de sugerir a necessidade de medidas que estimulassem, presumo que de forma não
constrangente, o regresso dos velhos reformados e pensionistas, residentes nas
grandes cidades, "à província de onde tinham saído", onde uma vida
mais barata poderia ser mais compatível com a redução dos seus meios de
subsistência.
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Fui testemunha de atos de desprezo por
interesses económicos geoestratégicos do país, pela assunção, por mera opção
ideológica, por sectarismo político nunca antes visto, de um desmantelar do
papel do Estado na economia, que chegou a limites quase criminosos.
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Assisti a
um governante, que hoje sai do poder feito ministro, dizer um dia, com ar
orgulhosamente convicto, perante investidores estrangeiros, que "depois
deste processo de privatizações, o Estado não ficará na sua posse com nada que
dê lucro".
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Ouvi da boca de outro alto
responsável, a propósito do processo de privatizações, que "o encaixe de
capital está longe de ser a nossa principal preocupação. O que queremos mostrar
com a aceleração desse processo, bem como com o fim das "golden
shares" e pela anulação de todos os mecanismos de intervenção e controlo
do Estado na economia, é que Portugal passa a ser a sociedade mais liberal da
Europa, onde o investimento encontra um terreno sem o menor obstáculo, com a
menor regulação possível, ao nível dos países mais
"business-friendly" do mundo".
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Assisti a isto e a muito mais.
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Fui
testemunha do desprezo profundo com que a nossa Administração Pública foi
tratada, pela fabricação artificial da clivagem público-privado, fruto da
acaparação da máquina do Estado por um grupo organizado que verdadeiramente o
odiava, que o tentou destruir, que arruinou serviços públicos, procurando que o
cidadão-utente, ao corporizar o seu mal-estar na entidade Estado, acabasse por
se sentir solidário com as próprias políticas que aviltavam a máquina pública.
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No Ministério dos Negócios
Estrangeiros, fui testemunha de uma operação de desmantelamento criterioso das
estruturas que serviam os cidadãos expatriados e garantiam a capacidade mínima
para dar a Portugal meios para sustentar a sua projeção e a possibilidade da
máquina diplomática e consular defender os interesses nacionais na ordem
externa.
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Assisti ao encerramento cego de estruturas consulares e diplomáticas
(e à alegre reversão de algumas destas medidas, quando conveio), à retirada de
meios financeiros e humanos um pouco por todo o lado, à delapidação de
património adquirido com esforço pelo país durante décadas, cuja alienação se
fez com uma irresponsável leveza de decisão.
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Nunca lhes perdoarei o que fizeram a
este país ao longo dos últimos anos.
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E, muito em especial, não esquecerei que a
atuação dessas pessoas, à frente de um Estado que tinham por jurado inimigo e
no seio do qual foram uma assumida "quinta coluna", conseguiu criar
em mim, pela primeira vez em mais de quatro décadas de dedicação ao serviço
público - em que cultivei um orgulho de ser servidor do Estado, que aprendi com
os exemplos do meu avô e do meu pai -, um sentimento de desgostosa
dessolidarização com o Estado que lhes coube titular durante este triste
quadriénio.
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Por essa razão, neste dia em que, com
imensa alegria, os vejo partir, não podia calar este meu sentimento profundo.
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Há dúvidas quanto ao futuro que aí vem?
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Pode haver, mas todas as dúvidas serão
sempre mais promissoras que este passado recente que nos fizeram atravessar.
Fosse eu católico e dir-lhes-ia: vão com deus.
Como não sou, deixo-lhes apenas o
meu silêncio."
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