terça-feira, 7 de abril de 2009

Cuanhamas do Sul de Angola (2) - Os Começos da Vida



“(…) As mulheres cuanhamas, como aliás todas as mulheres das tribos da região, com excepção das Bochimanes, recolhem às suas cubatas para terem os filhos, a não ser que as dores do parto as surpreendam longe de casa.
Durante a operação a parturiente é assistida por uma ou mais mulheres velhas, geralmente próximas parentes, que fazem as vezes de parteiras. É facilmente admitida mais uma ou outra espectadora – poucas, porque a cubata cuanhama é de dimensões muito reduzidas. Aos homens é vedada a entrada antes de tudo estar acabado.



A posição da parturiente é a “de joelhos”, com as nádegas apoiadas sobre os calcanhares. Ao referirem-se a um parto prolongado dizem (por exemplo): “Ela esteve de joelhos desde o nascer do Sol até ao meio-dia”, ou coisa parecida.
As secundinas (ositungwa) são enterradas na cabana. Se tardam a sair, chama-se uma especialista, que administra à parturiente um remédio, em cuja composição entram flores secas de uma variedade de aloés.
O cordão umbilical é cortado à faca e o umbigo da criança é esfregado com o fruto oleaginoso assado do arbusto omupeke.
Tratam, logo depois, de untar todo o corpo da criança com lukula (mistura de manteiga e de pó do cerne da árvore omuuva, de cor vermelho-vivo).


Uma vez que dentro da cubata tudo tenha decorrido normalmente, o pai da criança pode enfim entrar nela.
O que lhe interessa saber, em primeiro lugar, é o sexo do seu filho. Tratando-se de um rapaz, diz-se que nasceu um omu-kwati womafuma (ou seja, um “apanha rãs”).
Sendo rapariga, a ela se referem chamando-lhe omu-twi wouvalelo (isto é, uma “moleira de farinha para o jantar”).
Quatro dias depois do parto, pode a mãe sair da cubata. Antes, porém, já o pai procedeu à imposição de nome ao recém-nascido. Para esse efeito, veio ele tomar lugar no grande pátio, enquanto a mãe e as outras mulheres soltam gritos de alegria dentro da cubata da parturiente.

Os Cuanhamas não se embaraçam grandemente para encontrarem nomes.
Alguém que nasceu durante a noite (oufiku) será Haufiku (tratando-se de um rapaz), e Naufiku (sendo rapariga).
O mesmo acontece com a palavra ongula (“a manhã"), e teremos pois: Hangula (rapaz) e Nangula (rapariga).
Nandyala será alguém que veio ao mundo num ano de fome (ondyala).
Haimbodi é nome de rapaz cuja mãe teve de tomar muitos remédios (oimbodi) durante o período da gravidez. Uma rapariga será nesse caso Naimbodi.



Passado um mês ou mais, realiza-se a cerimónia do corte de cabelos (ekululo).
Chamam-se os convidados, de entre os parentes e os vizinhos. Todos se reúnem no pátio grande. O pai pega na criança e, com uma navalha bem afiada, corta-lhe os cabelinhos.
Senta-se a mãe em frente e vai recebendo pedaços de pirão preparados especialmente para ela, e que ela se esforça por engolir sem mastigar. É um ritual a que atribuem mágico poder.
As parentes e amigas acompanham a manducação da mãe da criança com gritos e cantos de alegria em que inúmeras vezes se repete o estribilho: Oike setueta oludalo? (“Que é que nos trouxe este parto?”).
Em seguida a mãe coloca em volta do pescoço e dos pulsos do pequeno um ou dois fios de missanga e cinge-o na mesma ocasião com uma cinta em volta do meio do corpinho.
Para uma rapariguita, acrescentará dois fios de missanga chamada ondyeva, fabricada com casca de ovos de avestruz. À medida que a rapariga cresce irá aumentando o número das fiadas, e isto até à festa da puberdade. É, com efeito, esta missanga o sinal distintivo da rapariga solteira.

A cerimónia do ekululo acaba num banquete geral para todos os convidados. Já antes disto foi necessário arranjar a pele com que a mãe traz os filho às costas (odikwa).
Ficam os filhos ao cuidado da mãe, que os amamenta durante um ano ou dois. Se o leite for insuficiente, ou se a mãe ficar grávida antes de o filho estar bastante forte, procura-se criá-lo com leite de vaca.

Neste último caso, o filho será quase sempre entregue a uma irmã ou prima da mãe que não tenha meninos pequenos. Sendo rapariga, a criança ficará geralmente a viver com a tia até ao casamento.
Quando os rapazes tiverem 4 ou 5 anos, acompanharão os mais velhos ao pascio de cabritos ou vitelos. As rapariguitas ajudam a mãe nos trabalhos caseiros (…)” (*)



(*) Extraído e adaptado de: Padre Carlos Estermann - Etnografia do Sudoeste de Angola (Vol. I) – Os Povos Não-Bantos e o Grupo Étnico dos Ambós – Junta de Investigações do Ultramar – Lisboa – Portugal – 1960.

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