quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Pizarro e a Conquista Espanhola do Peru (3.ª Parte)


(A partir da obra de William H. Prescott - History of the Conquest of Peru, With a Preliminar View of the Civilization of the Incas - New York - 1843)
(Tradução e adaptação da Torre da História Ibérica)

Ver:
1.ª parte - 06-Fevereiro-2019
2.ª parte - 14-Fevereiro-2019

"A vinda de Almagro modificou consideravelmente os cálculos de Pizarro, pois este ficava em condições de empreender operações activas e de prosseguir a conquista. O único obstáculo era o resgate pedido em troca do Inca, Atahualpa, que os espanhóis tinham esperado pacientemente. O tesouro aumentou muito quando regressaram os emissários enviados a Cuzco para esse efeito, embora não se alcançasse ainda o limite estipulado. Mas a cobiça dos conquistadores esgotou-lhes a paciência, e passaram quase todos a reclamar com veemência a imediata repartição do ouro. Esperar mais expô-los-ia a um ataque dos inimigos, que não deixariam de se sentir atraídos por tal engodo. A maior parte dos ocupantes queria abandonar Caxamalca e marchar directamente para Cuzco, acreditando que encontrariam mais ouro na capital. E insistiam que não havia tempo a perder, para impedirem que os habitantes escondessem os seus tesouros.

Esta última consideração fez com que Pizarro se decidisse, pois não tinha dúvidas de que não conseguiria assenhorear-se do império sem se apoderar da capital. Determinou, assim, sem mais demora, que se procedesse à distribuição do tesouro. No entanto, tornava-se necessário reduzi-lo a barras de igual tamanho, peso e qualidade, uma vez que o saque se compunha de uma infinita variedade de objectos em que o ouro apresentava diferentes graus de pureza. Viam-se bandejas, taças, jarros e vasos de todas as formas e tamanhos, ornamentos e utensílios dos templos e dos palácios reais, curiosas imitações de plantas e animais diversos. Entre os vegetais mais representados figurava o milho, com os seus grãos dourados cobertos de largas folhas de prata, das quais pendiam fios do mesmo metal. Também era notável uma fonte com o seu brilhante jorro de ouro e pássaros e animais da mesma matéria brincando nas águas do recipiente. A delicadeza do trabalho de alguns objectos e a beleza e a naturalidade da sua forma cativaram a admiração geral.

Confiou-se aos ourives índios a tarefa de fundir o tesouro, forçando-os a desfazer o que com as suas próprias mãos haviam produzido. Eles trabalharam dia e noite, mas tal era a quantidade do material que gastaram no trabalho um mês inteiro. Quando tudo ficou reduzido a barras de igual valor, procedeu-se à verificação do peso na presença dos inspectores reais. A importância total ascendia a um milhão, trezentos e vinte e seis mil e quinhentos e trinta e nove pesos de ouro (o que equivaleria actualmente - 1843 - a cerca de três milhões e meio de libras esterlinas).

A História não oferece outro exemplo de semelhante saque, todo em metal precioso, ganho por uma pequena tropa de aventureiros como eram os conquistadores do Peru. O grande objectivo das expedições espanholas no Novo Mundo foi o ouro; e é espantoso que tão completamente o lograssem. É igualmente notável que a riqueza tão repentinamente adquirida, afastando-os das fontes menos copiosas mas mais seguras da prosperidade nacional, se lhes tivesse escapado mais tarde por entre os dedos, transformando-os numa das nações mais pobres da Cristandade.


Pizarro preparou com toda a solenidade a distribuição do tesouro. Reuniu as tropas na grande praça e invocou o auxílio do céu para executar aquele acto com consciência e justiça. Deduziu-se primeiro o quinto real (que incluía as peças retiradas do tesouro para serem enviadas como presente ao imperador, em Espanha). A parte de Pizarro ascendeu a cerca de cinquenta e sete mil pesos de ouro e dois mil e trezentos e cinquenta marcos de prata. Para seu irmão, Hernando, foram perto de trinta e dois mil pesos de ouro e a mesma importância de prata que reservara para si. Muitos dos restantes cavaleiros, que eram sessenta, receberam, individualmente, oito mil e oitocentos pesos de ouro e trezentos e sessenta e dois marcos de prata. A infantaria compunha-se de cento e cinco homens, e cada um recebeu, com pequenas variações, cerca de metade do que foi atribuído aos cavaleiros.

Finda a repartição do tesouro, parecia que já nada se opunha à marcha sobre Cuzco. Mas que havia de fazer-se de Atahualpa? Dar-lhe a liberdade seria deixar à solta o mais perigoso dos inimigos, um homem que não tardaria a ter ao seu redor toda a nação e cujas palavras seriam capazes, só por si, de dirigir toda a energia do seu povo contra os espanhóis, dilatando por muito tempo, ou mesmo frustrando, o processo de conquista. Mas mantê-lo cativo oferecia não menores dificuldades, pois a guarda de tão importante presa requeria a utilização de muita gente, o que prejudicava o esforço militar. E mesmo assim não se evitaria o perigo de que o prisioneiro fosse resgatado nas perigosas passagens das montanhas por onde teriam de marchar.


Enquanto isto, o Inca reclamava insistentemente a libertação. Embora não tivesse entregue a totalidade do resgate combinado, havia feito chegar às mãos dos espanhóis uma quantia imensa. E Atahualpa alegava que poderia ter entregue bastante mais, não fora a impaciência dos seus carcereiros. O resgate fora, sem dúvida, magnífico, e jamais qualquer potentado havia cumprido daquela forma. Atahualpa expunha as suas razões a muitos dos cavaleiros, especialmente a Hernando de Soto, com o qual ganhara alguma familiaridade. Soto falou do assunto a Pizarro, mas este não se abriu, encobrindo as intenções que lhe iam germinando no íntimo. Pouco tempo depois fez com que se preparasse um documento, no qual se dispensava o Inca do pagamento da parte restante do resgate. E ordenou que esse documento fosse publicamente apregoado, declarando ao mesmo tempo que a segurança dos espanhóis exigia que o Inca permanecesse na prisão até que aqueles recebessem novos reforços.

Entretanto, voltaram a correr rumores de que se preparava um levantamento geral dos índios e que isso era inspirado por Atahualpa. Pizarro confrontou-o com o que se dizia, mas ele negou tranquilamente, protestando a sua inocência. O Inca percebeu porém rapidamente as causas destas acusações e adivinhou-lhes muito provavelmente as consequências, vendo então o abismo que se lhe cavava diante dos pés. Estava rodeado de estrangeiros e de nenhum deles poderia esperar conselho ou protecção. Ele sabia que é geralmente curta a vida de um monarca prisioneiro. Fez tudo para convencer Pizarro que não representava qualquer ameaça e que não tinha nada a ver com os rumores que corriam entre os soldados: Não sou um pobre cativo nas tuas mãos? Como posso alimentar tais desígnios sabendo que seria eu a primeira vítima da insurreição?

Estes protestos de inocência produziram pouco efeito entre as tropas espanholas, que acreditavam ter-se já reunido um grande exército índio em Guamachucho, a menos de cem milhas dali. Dobraram-se as patrulhas e a cavalaria mantinha os cavalos sempre selados, ao mesmo tempo que a infantaria dormia de armas ao lado. Pizarro rondava de quando em quando, cuidando de que as sentinelas estivessem permanentemente a postos. Enfim, o pequeno exército espanhol achava-se preparado para resistir ao ataque que se esperava a todo o momento.
Os que têm medo não costumam ser muito escrupulosos quanto à escolha dos meios para afastar as causas do seu temor. Ouviram-se murmúrios misturados com terríveis ameaças contra o Inca, que consideravam autor destas maquinações. Muitos pediam a sua morte como necessária à segurança do exército."

Continua na 4.ª e última parte (em 28-Fevereiro-2019)

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