“Tarde da noite nasceu a criança numa rica família do Sudoeste.
A mãe estava deitada e em sonolência; mas quando o primeiro grito do recém-nascido ressoou no quarto – um vagido doce e lamentoso – ela, com os olhos fechados, começou a agitar-se no leito.
A mãe estava deitada e em sonolência; mas quando o primeiro grito do recém-nascido ressoou no quarto – um vagido doce e lamentoso – ela, com os olhos fechados, começou a agitar-se no leito.
Os lábios murmuraram qualquer coisa e no seu rosto pálido, de traços quase infantis, esboçou-se um esgar de sofrimento impaciente, como um bebé mimado quando experimenta um desgosto inesperado.
A parteira inclinou o ouvido para os lábios balbuciantes da jovem mãe.
- Porquê?... Porque está ele assim? – perguntou ela com voz mal perceptível.
A parteira não compreendeu a pergunta.
A parteira não compreendeu a pergunta.
A criança gritou de novo.
O reflexo duma viva dor percorreu a face da parturiente e uma grossa lágrima deslizou dos seus olhos fechados.
- Porquê? Porquê? – murmuravam-lhe os lábios muito docemente.
Desta vez a parteira percebeu a pergunta e respondeu serenamente:
- Quer saber porque chora o menino? É sempre assim, tranquilize-se. (…)
(…) O coração da mãe pressentia, sem dúvida, que, juntamente com a criança, acabava de nascer um destino votado a uma infelicidade obscura e inexorável – suspenso por sobre o berço – para escoltar aquela nova vida até à sepultura.
Talvez fosse pura imaginação.
De qualquer maneira, porém, a criança nasceu cega. (…)”
Ao princípio, ninguém notou. O pequenito olhava as pessoas com um olhar vago e indefinido, natural em todos os renascidos até uma certa idade.
Passaram-se dias, e a vida do novo ser contava já semanas. Os seus olhos clarearam, a névoa opalina que os cobria tinha desaparecido e já se via nitidamente a pupila.
Mas a criança não voltava a cabeça quando um raio de luz claro e vivo penetrava no quarto, juntamente com o alegre gorjeio dos pássaros e o murmúrio das faias verdes, que se balançavam, pertinho da janela, no jardim cerrado.
A mãe, que se tinha restabelecido, notou ao princípio, com inquietação, a expressão estranha daquela figurinha sempre imóvel, e cuja seriedade não era natural na sua idade; e então ela olhava as pessoas, como uma pomba assustada, e perguntava:
- Digam-me: porque é ele assim?
- Como? - retorquiam-lhe, indiferentes, os estranhos. - Nada o distingue das outras crianças da mesma idade...
- Mas reparem no ar esquisito que ele toma para pegar em qualquer coisa.
- O menino não sabe coordenar o movimento das mãos com as impressões visuais - respondeu-lhe o médico.
- Então, porque olha ele sempre na mesma direcção? Ele... ele é cego?
E, subitamente, a verdade terrível brotou no peito da mãe, que ninguém mais conseguiu acalmar.
O médico pegou na criança, virou-a vivamente para a claridade e fixou-lhe os olhos. Perturbou-se ligeiramente e, depois de proferir algumas frases insignificantes, partiu, com a promessa de voltar dentro de dois ou três dias.
A mãe chorava e gemia como uma ave ferida de morte. Apertava o filho contra o coração, enquanto os olhos do pequenito olhavam com o mesmo olhar imóvel e triste.
Conforme prometera, o médico voltou alguns dias depois com um oftalmoscópio. Acendeu uma vela, e ora a aproximava ora a afastava dos olhos da criança. Olhava-a no fundo das pupilas. Por fim, com ar embaraçado, confessou:
- Minha senhora... infelizmente não se enganou. Na verdade, o seu filho é cego, e sem nenhuma esperança.
A mãe ouviu o diagnóstico com uma tristeza serena.
- Já o sabia há muito tempo - disse ela docemente."
..........
O Músico Cego – Vladimir Korolenko (1853-1921) (Conforme edição de 1971 - Publicações Europa-América, Lisboa)
Sem comentários:
Enviar um comentário