Nestes dois poemas, Fernando Pessoa evoca a espantosa aventura marítima portuguesa dos séculos XV e XVI, assim como o notável soberano que em grande parte a idealizou e preparou: D. João II (relembre aqui e aqui).
No primeiro poema avultam os terrores que o oceano desconhecido inspirava aos marinheiros lusitanos (o medonho Mostrengo) e que eles conseguiram valorosamente superar; no segundo, os lutos dolorosos que a nação teve que padecer para realizar o seu sonho...
1 - O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse:
Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?
E o homem do leme disse, tremendo:
El-Rei D. João Segundo!
De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou, imundo e grosso.
Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?
E o homem do leme tremeu, e disse:
El-Rei D. João Segundo!
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!
Oiça este poema
dito por João Villaret:
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2 - MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado,
quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,
quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Oiça este poema
dito pelo actor brasileiro Sílvio Matos...
...e escute-o, aqui, em cinco idiomas
(português, espanhol, inglês, italiano e francês):
Saiba mais sobre Fernando Pessoa: aqui
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