Pequenas e grandes histórias da História e mensagens mais ou menos amenas sobre vidas, causas, culturas, quotidianos, pensamentos, experiências, mundo...
segunda-feira, 30 de novembro de 2020
O CORO ("Boychoir") - Um filme que vale a pena ver...
sábado, 28 de novembro de 2020
Nos tempos de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal - A Morte de Gonçalo Mendes da Maia, o "Lidador" (1170)
Expansão territorial portuguesa a partir do Condado Portucalense. |
"Num dia do mês de Julho, duas horas depois da alvorada, no ano de 1170, tudo estava em grande
silêncio dentro da cerca de Beja, no Alentejo. Batia o sol nas pedras
esbranquiçadas dos muros e torres que defendiam a cidade. Ao longe, pelas
imensas campinas vizinhas, ondeavam as searas maduras, cultivadas por mãos de
muçulmanos para os seus novos senhores cristãos.
Nestas
terras disputadas, a cruz impusera-se outra vez ao crescente; os topos das
mesquitas convertiam-se em campanários de igrejas e a voz do almoadém era
substituída pela toada dos sinos que chamavam à oração. Era esta a resposta
dada pela raça goda aos filhos de África e do Oriente que diziam, mostrando os
alfanges: “é nossa a terra de Espanha”. O dito árabe foi desmentido; mas a
resposta gastou oito séculos a escrever-se.
Nesta luta de vinte gerações andavam lidando as gentes do Alentejo. O servo mouro olhava todos os dias para o horizonte, a sul, onde se viam as serranias do Algarve: de lá esperava ele a salvação ou, ao menos, a vingança. E este ameno dia de Julho devia ser um desses momentos por que suspirava o muçulmano: Almoleimar, o famoso guerreiro mouro, subira com os seus cavaleiros às terras de de Beja.
Como era Portugal um pouco antes deste episódio. Beja foi conquistada aos mouros em 1162. |
Nesse dia, em que Gonçalo Mendes da Maia, o velho fronteiro de Beja - conhecido por O Lidador -, cumpria os noventa e cinco anos de idade, trinta fidalgos portugueses corriam à rédea solta por essas mesmas campinas de Beja. Trinta, não mais, eram eles, mas andavam por trezentos os homens de armas, os escudeiros e os pajens que os acompanhavam.
Entre
todos avultava em robustez e grandeza de membros o Lidador, cujas barbas
brancas lhe ondeavam, como flocos de neve, sobre o peitoral da cota de armas; a
seu lado, cavalgava também o valente Lourenço Viegas, a quem, pelos espantosos
golpes da sua espada, chamavam o Espadeiro.
Ao largo, muito ao largo dos muros de Beja, vai a atrevida cavalgada à procura de mouros; mas, por enquanto, não se avistam senão os topos pardo-azulados das serras do Algarve, que parecem fugir tanto quanto os cavaleiros avançam. Nem um pendão mourisco, nem um albornoz branco alvejam ao longe.
Os espiões cristãos seguem na frente da linha dos cavaleiros, correm, cruzam para um e outro lado, embrenham-se nos matos e transpõem-nos em breve. A terra que pisam é já dos mouros. Tinha passado meia hora.
Por mandado do velho fronteiro de Beja, um guerreiro acercou-se à rédea solta de um bosque extenso que surgia à direita. Pouco, porém, progrediu: uma flecha despedida dos bosques sibilou no ar. O homem gritou por Jesus: a flecha tinha-se-lhe embebido no lado. O cavalo parou de repente, e ele, erguendo os braços ao ar, com as mãos abertas, caiu de bruços, tombando no chão.
"A cavalo! a cavalo!" — bradou a uma voz toda a companhia do Lidador. Uma gritaria medonha soou ao mesmo tempo, vinda do pinhal da direita. “Alá! Almoleimar!” — era o que diziam os gritos.
Enfileirados em extensa linha, os cavaleiros muçulmanos
saíram do escuro arvoredo que os encobria. O seu número excedia cinco vezes o
dos soldados da cruz. As suas armaduras lisas e polidas contrastavam com a
rudeza das dos cristãos, apenas defendidos por pesadas cervilheiras de ferro e
por grossas cotas de malha do mesmo metal. Mas as lanças destes eram mais
robustas e as suas espadas mais volumosas do que as cimitarras mouriscas.
Como longa fita de muitas cores, a extensa e profunda linha dos cavaleiros mouros sobressaía na veiga entre as searas que cobriam o campo. Diante deles, os trinta cavaleiros portugueses, com os seus trezentos acompanhantes, esperavam o brado de atacar, num combate de um contra dez.
As armas estavam preparadas: o Lidador bradara por Santiago, e o nome de Alá
soara num só grito por toda a fileira mourisca. Chocaram-se as hostes
finalmente, como duas muralhas sacudidas por violento terramoto. As lanças, batendo
em cheio nos escudos, tiravam deles um som profundo, que se misturava com o
estalar das que voavam despedaçadas. Do primeiro encontro muitos cavaleiros
vieram ao chão, de um lado e do outro.
Gonçalo Mendes da Maia avistou de súbito o terrível Almoleimar. As lanças dos dois contendores haviam-se feito em pedaços no choque inicial, pelo que o alfange do mouro se cruzou com a espada toledana do fronteiro de Beja.
Cerrando os dentes
com força, o chefe mouro descarregou um golpe tremendo sobre o seu adversário.
O Lidador recebeu-o no escudo, onde o alfange se embebeu por inteiro, e
procurou ferir Almoleimar entre o fraldão e a couraça; mas a pancada falhou, e
a espada desceu pelo coxote do mouro, que já desencravara o alfange.
Almoleimar
atingiu a cervilheira de Gonçalo da Maia com violência. O velho fronteiro vacilou,
deu um gemido, e os braços ficaram-lhe pendentes. A sua espada teria caído no
chão se não estivesse presa ao punho do cavaleiro por uma cadeia de ferro. O
ginete, sentindo as rédeas frouxas, fugiu pelo campo, a todo o galope. Mas o
Lidador tornou a si: um forte puxão avisou o animal de que o seu cavaleiro não
morrera.
À
rédea solta, lá volta ao combate o fronteiro de Beja. Escorre-lhe o sangue pelos cantos da
boca. Traz os olhos torvos de ira. Os dois inimigos correram um para o outro.
As espadas reluziram no ar. Mas o golpe do Lidador era simulado, e o ferro,
mudando de movimento no ar, foi bater de ponta no gorjal de Almoleimar, que
cedeu à violenta estocada; e o sangue, saindo às golfadas, cortou a derradeira
maldição do muçulmano.
Todavia, o golpe deste também não errara o alvo: vibrado com ânsia, colhera pelo ombro esquerdo o velho fronteiro e, rompendo a grossa malha do lorigão, penetrara na carne até ao osso. Ainda mais uma vez a mesma terra bebeu o sangue godo misturado com sangue árabe.
O Lidador caiu amortecido. Um dos seus homens de
armas voou a socorrê-lo. Mas o último golpe de Almoleimar fora o brado da
sepultura para o fronteiro de Beja: os ossos do seu ombro estavam como
triturados, e as carnes rasgadas pendiam-lhe para um e para outro lado envoltas
nas malhas descosidas do lorigão.
O
Lidador foi posto em cima de umas andas feitas de troncos de árvores, e quatro
escudeiros que restavam vivos dos dez que consigo trouxera tinham-no transportado
para a cauda da cavalgada. Quando ele caiu, o grosso da hoste moura, vencida, fugia
já para além do pinhal. Mas os mais valentes pelejavam ainda à roda do seu capitão
moribundo. A vitória não saíra barata aos portugueses. Viam perigosamente ferido
o seu velho capitão e tinham perdido alguns dos melhores cavaleiros e a maior
parte dos homens de armas.
Foi
nesta altura que se viu erguer ao longe uma nuvem de pó, que voava rápida para
o lugar da batalha. Os mouros que fugiam deram meia volta e gritaram: Ali-Abu-Hassan!
Só Alá é Deus, e Maomé o seu profeta!
Era, com efeito, Ali-Abu-Hassan, rei de Tânger, no norte de África, que chegava com mil
cavaleiros em socorro de Almoleimar. Cansados de combater, reduzidos a menos de
metade e cobertos de feridas, os cavaleiros de Cristo invocaram o seu nome e
fizeram o sinal da cruz. O Lidador perguntou com voz fraca a um pajem que barulheira
era aquela. “Os mouros foram socorridos por um grosso esquadrão”, respondeu
tristemente o pajem. Gonçalo Mendes da Maia cerrou os dentes com força e levou a mão à cinta:
buscava a sua boa espada toledana.
“Pajem,
quero um cavalo. Onde está a minha espada?” O pajem deu-lhe a espada e foi pelo
campo buscar um ginete, dos muitos que por ali vagueavam já sem dono. Quando
voltou com ele, o Lidador, pálido e coberto de sangue, estava em pé. O pajem
ajudou-o a montar a cavalo. E lá foi de novo o velho fronteiro de Beja! Parecia um
espectro erguido em campo de finados, dirigindo-se para onde mais acesa andava
a peleja.
Os cristãos afrouxavam diante daquela nova multidão de infiéis. Dois cavaleiros, porém, com vulto feroz e as armaduras crivadas de golpes, sustinham grande parte do peso da batalha. Eram estes o Espadeiro e Mem Moniz.
Quando o fronteiro assim os viu,
algumas lágrimas lhe caíram pelas faces. Esporeando o ginete, com a espada
erguida, abriu caminho por entre infiéis e cristãos e chegou aonde os dois,
cada um com seu montante nas mãos, se batiam rodeados de inimigos. "Bem vindo,
Gonçalo Mendes! — disse Mem Moniz. — Quiseste assistir connosco a esta festa de
morte?"
E
os três cavaleiros atiraram-se rijamente aos mouros. Depois de deixar amolgadas
muitas armaduras mouriscas, o Lidador manejou pela última vez a espada e abriu o
elmo e o crânio de um cavaleiro inimigo. O violento abalo que experimentou
fez-Ihe contudo rebentar em torrentes o sangue da ferida que recebera das mãos
de Almoleimar e, cerrando os olhos, caiu morto ao pé do Espadeiro e de Mem
Moniz. Repousou, finalmente, Gonçalo Mendes da Maia de oitenta anos de combates!
Já a este tempo cristãos e mouros haviam descido dos cavalos e pelejavam a pé. Aumentava a crueza da batalha. Entre os cavaleiros de Beja espalhou-se logo a notícia da morte do seu capitão, e não houve olhos que ficassem enxutos. “Vingança!”, bradou o Espadeiro com voz rouca e rangendo os dentes.
Descobrindo Ali-Abu-Hassan ali
perto, encaminhou-se para ele e atingiu-o com o seu montante. O elmo do rei
mouro faiscou, voando em pedaços pelos ares, e, com o crânio fendido, ele
tombou para sempre. "Lidador! Lidador!", gritou Lourenço Viegas, com voz comovida.
As lágrimas misturavam-se-lhe nas faces com o suor, com o pó e com o sangue do adversário.
E não pôde dizer mais nada.
Tão
espantoso golpe, que implicou a perda do seu líder, aterrou os mouros. Os
portugueses seriam já apenas sessenta, entre cavaleiros e homens de armas, mas
continuavam a pelejar como desesperados. A morte de Ali-Abu-Hassan foi,
todavia, o sinal de debandada para os muçulmanos.
Os
portugueses, senhores do campo, celebraram com prantos a vitória. Poucos havia
que não estivessem feridos; e nenhum que não tivesse as armas danificadas.
O Lidador, e os demais cavaleiros que naquela memorável jornada tinham acabado
os seus dias, foram conduzidos a Beja atravessados em cima dos ginetes."
Estátua de Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, na cidade de Beja (Alentejo - Portugal) |
quarta-feira, 25 de novembro de 2020
Waris Dirie - É urgente acabar com a criminosa barbaridade da mutilação genital feminina!
Oiça abaixo o que ela disse:
Tradução:
terça-feira, 24 de novembro de 2020
sábado, 21 de novembro de 2020
Alexandre Quintanilha - Viva quem sabe e, sobretudo, quem sabe ensinar assim...
... A Terra dos primórdios com cheiro a ovos podres, o oxigénio, o envelhecimento, o lixo das manchas de pele e (tenham medo, mas mesmo muitíssimo medo...) os dois terços das células do nosso corpo que não são humanas.
Nove minutos de erudição tranquila e despretensiosa, servida por uma capacidade de comunicação que nos faz ganhar o dia...
sexta-feira, 20 de novembro de 2020
quarta-feira, 18 de novembro de 2020
A luta contra o coronavírus em Portugal - Os cumpridores e os destravados mentais...
Portugal enfrenta, nos dias sombrios que vão passando, a mortífera segunda vaga da pandemia trazida pelo famigerado coronavírus. Sucedem-se, por isso, e muito bem, as medidas de segurança e contenção que a prudência, o bom-senso e a gravidade do caso impõem. Registam-se em paralelo os apelos, designadamente do Primeiro-Ministro, para que todos as cumpram na medida das suas possibilidades. E, para moralizar as tropas ainda nas primeiras horas da batalha, António Costa até já veio enaltecer a exemplaridade do comportamento geral.
O PM tem porventura
razão em elogiar a esmagadora maioria dos cidadãos e cidadãs do país. Mas, para além desses, subsiste a perigosíssima franja dos incumpridores, espécie de destravados mentais ou de
sociopatas em potência, que teimam em assumir-se, de peito feito e boca
destapada, como os maiores aliados da propagação do vírus. Todos os podemos ver por aí,
boçalmente ousados numa inconsciência que pode tornar-se assassina. É preciso agir, e agir depressa e eficazmente, em relação a tais comportamentos.
A este propósito, a excelente senhora que escreve no blogue Um Jeito Manso ofereceu-nos um texto – no seu habitual estilo desempoeirado, acutilante e inteligente – que não só ilustra a
situação como mostra o caminho a seguir.
Podem ler o texto aqui.
Quanah Parker - Grande Chefe Comanche, filho da americana Cynthia Ann
terça-feira, 17 de novembro de 2020
segunda-feira, 16 de novembro de 2020
Mais Blues - Merline Johnson
Uma das vozes mais poderosas do blues norte-americano. Mudou-se para Chicago na década de 1930 e o sucesso não tardou.
I - Got a Man in the 'Bama Mine
II - Love With a Feeling
III - Bad Whiskey Blues
sábado, 14 de novembro de 2020
A última carta de Maria Antonieta, rainha da França, escrita na prisão (1793) - 2.ª e Última Parte
(Conclusão da postagem de ontem - aqui)
Maria Antonieta na prisão da Conciergerie, aos 37 anos. Abatida, cabelos embranquecidos, prematuramente envelhecida. |
"É a ti, minha querida irmã, que escrevo pela última vez.
Acabo de ser condenada, não a uma morte vergonhosa, que só o é para os criminosos, mas para me ir juntar a teu irmão.
Maria Antonieta nos tempos áureos. Está acompanhada por três dos seus quatro filhos (Maria Teresa, Luís Carlos e Luís José). Falta apenas Sofia, que faleceu com 11 meses de idade. |
Nota final
Esta derradeira carta de Maria Antonieta faz sobressair um perfil bastante diverso daquele que lhe foi sendo criado pela propaganda revolucionária e por alguns elementos da sua própria família (do lado francês), atribuindo-lhe comportamentos que nunca teve e frases que jamais disse. E demonstra a força inesperada de um carácter que, na sua miséria e por entre humilhações cruéis, ela tudo fez para manter nas últimas horas que viveu.
Fustigada por emoções brutais que, alterando-lhe o processo fisiológico normal, lhe provocaram grandes perdas de sangue durante a madrugada, ela achava-se em grave estado de fraqueza quando amanheceu. Não obstante, ingeriu apenas uma pequena porção do caldo que lhe foi levado pela criada do carcereiro. Foi também esta criada que, colocando-se à sua frente, permitiu que ela se lavasse e vestisse com algum decoro, protegida da curiosidade morbidamente ofensiva dos guardas ali presentes.
Estando carregada de luto pela morte do seu marido, executado havia nove meses, proibiram-na de que assim continuasse, pois isso poderia "irritar o povo". Ela envergou então o vestido branco com que enfrentaria a morte. Mandaram-lhe depois um padre, Girard, o qual, para se salvar dos furores revolucionários, tinha oportunamente jurado fidelidade à República: por isso, Maria Antonieta não só recusou confessar-se-lhe como dispensou todo o conforto espiritual que ele pretendesse oferecer-lhe. Quando Girard lhe perguntou se ao menos o deixava acompanhá-la até ao cadafalso, ela retorquiu-lhe que fizesse como entendesse. E ele optou por seguir com ela.
Túmulos e memorial de Luís XVI e de Maria Antonieta. Basílica de Saint-Denis, Paris, França. |