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Quando lhes pôs a vista em cima, quis saber quem eles eram e o que faziam ali, com aquelas armas, na terra dela, onde tinham irrompido sem ser convidados.
Um deles respondeu (envergonhadamente?) que estavam só em exercícios.
Ela perguntou-lhe que tipo de exercícios eram aqueles e, perdendo a paciência, passou a tratá-los como merecem - abaixo de cão!
Chamou-lhes invasores e fascistas, acabando por oferecer-lhes sementes para meterem nos bolsos: quando morrerem (presume-se que em breve e em combate) dos seus cadáveres vencidos brotarão girassóis.
Vocês são ocupantes!
Vocês são inimigos!
E, a partir deste momento, estás amaldiçoado! Estou a dizer-te!
E ele, encostado às cordas, em tom comprometido a cada golpe - Da - Da - Da (Sim - sim - sim)
E ela, com ar de desprezo, virando-lhe as costas em mais uma saída épica:
General venezuelano José Rafael Montilla (1859-1907)
Ao estado a que chegou Montilla!
Ao estado a que ele chegou...
Um homem tão valoroso
y a Montilla lo han matado!
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"Montilla" é uma peça musical, de anónimo compositor, pertencente ao rico folclore venezuelano. Surgiu nos princípios do século XX.
Muita gente a ouve, a canta e a dança sem fazer a mais pequena ideia de que nos seus versos se contempla a vida e o trágico fim do general venezuelano José Rafael Montilla, também conhecido, pela sua bravura, como "El Tigre de Guaitó".
José Rafael Montilla nasceu em San Miguel, estado de Trujillo (Venezuela) no dia 16 de Setembro de 1859, sendo filho de Custodio Montilla e de Juana Natividad Petaquero.
Desde muito novo se distinguiu pela determinação e valentia com que defendia os camponeses oprimidos do seu país, cujas reivindicações apoiava. Durante as duras batalhas em que participou, do lado dos Liberais, ascendeu a general perante o delírio dos soldados que o acompanhavam.
Recolhido a certa altura na povoação de Guaitó (estado de Lara, no noroeste do país), determinou o que considerava uma justa repartição de terras por aqueles que as trabalhavam. Em breve se tornou uma dor de cabeça - e um alvo - para os Conservadores.
Vários presidentes venezuelanos tentaram a sua prisão, mas o "Tigre de Guaitó" mostrou-se indomável.
Mudando de táctica, Cipriano Castro ofereceu-lhe importantes cargos públicos. O objectivo consistia em afastá-lo das regiões em conflito, mas Montilla cedo se apercebeu da armadilha e recusou.
Venezuela com os seus estados
A partir dessa altura, intensificou-se o assédio com que procuravam capturá-lo ou, mesmo, eliminá-lo fisicamente. Contra ele marcharam forças poderosas, sobretudo a partir do sul, dos estados de Barinas, Cojedes e Portuguesa.
Mas Montilla resistiu e não foi aprisionado. Juan Vicente Gómez ofereceu-lhe garantias para que se entregasse, mas o general, naturalmente desconfiado, tornou a recusar. Finalmente, no dia 21 de Novembro de 1907, chegou ao seu termo a vida aventurosa de José Rafael Montilla, então com 48 anos de idade.
Foi apanhado à traição por um dos seus próprios soldados, quando, à beira de um curso de água, se preparava para matar a sede provocada por uma dura marcha.
O soldado, um tal Jacinto Canelones, desferiu-lhe no pescoço, pelas costas, um terrível golpe de machete (espécie de catana) que o decapitou.
Uma das versões do episódio refere que o "Tigre de Guaitó" teve ainda oportunidade de disparar sobre o seu assassino, matando-o. Mas é impossível confirmar tal facto.
Entrada do povoado de Guaitó (Venezuela)
Nas horas que se seguiram, milhares de pessoas, em esmagadora maioria camponeses, convergiram para o pequeno povoado de Guaitó a fim de homenagearem o falecido no seu velório.
Vieram de Guárico, Trujillo, Portuguesa e outros estados da parte ocidental da Venezuela. Uma enorme procissão de gente humilde acompanhou o féretro do general até ao cemitério.
Muitos entoavam canções que enalteciam as proezas do seu defensor, e diz-se que foi nessa altura que nasceu a peça musical "Montilla", canção que viria a conhecer diversas versões.
As três que se apresentam seguidamente são, talvez, as mais conhecidas, contribuindo para a lenda em que se transformou a turbulenta carreira do "Tigre de Guaitó". A primeira é a de Lilia Vera, famosa cantora e activista venezuelana.
A segunda pertence a Illapu, conhecida banda chilena de folclore andino.
A terceira é cantada pela mezzo-soprano Luciana Mancini (descendente de chilenos, nascida na Suécia), magistralmente acompanhada pelo grupo L'Arpeggiata (dirigido pela austríaca Christina Pluhar). No final, apresenta-se a letra mais divulgada nas várias versões de "Montilla" (a ordem das quadras é por vezes trocada em diferentes interpretações).