quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

FIALHO DE ALMEIDA - A vida boémia de Lisboa, as patuscadas e a descoberta das Índias na Avenida da LIberdade

Fialho de Almeida quando jovem (por Columbano Bordalo Pinheiro)

Em Março de 1917, assinalando a passagem do 6.º aniversário da morte do escritor português Fialho de Almeida (1857-1911), amigos e admiradores seus produziram um conjunto de testemunhos sobre a sua vida e a sua obra e publicaram-nos em Fialho de Almeida, In Memoriam.
Homenageavam desse modo o talentoso autor de Os Gatos, Lisboa Galante, O País das Uvas, Galiza, Aves Migradoras, etc.
Transcreve-se o contributo de Álvaro Cabral (com actualização ortográfica):


"O saudoso Fialho de Almeida, escritor de requintado estilo, merecidamente respeitado pelos encantos das suas obras, não foi só o autor de tanta coisa bela da literatura moderna. Não. O nosso querido amigo foi também - sem desfazer em quem está presente — um pitoresco boémio, se não incorrigível, pelo menos admirável.

Assim o juro pelo grau da minha vida alegre de outrora.

E, justamente por me ter cabido a subida honra de haver confraternizado com o brilhante autor da Vida Irónica em diversas estúrdias algo turbulentas e sacudidas de todo o recato e de toda a pacatez, me apraz descrever in memoriam um dos muitos episódios ratões passados com ele em altas noites, que Deus tenha em sua santa glória.

Foi pelo Centenário da Índia, durante as festas em Lisboa.

Eram três da madrugada. Tínhamos acabado de cear no Conde de Almada, ele – Fialho -, D. João da Câmara, Figueiredo «Pintorinhos», Óscar da Silva, Augusto Pina, Henrique Alves, Chaby Pinheiro, Teixeira Marques, Luís Galhardo, Manuel Penteado o este vosso muito criado e respeitador sincero.

A suculenta refeição, que constou de dobrada com vidrilhos — especialidade da casa - pescadinhas de Sesimbra, queijinhos de Tomar, azeitonas de Elvas, laranjas de Setúbal, bananas da Ilha, muito vinho do Cartaxo, pão de farinha de trigo e seis quartos de marmelada de Odivelas para o Chabyzinho, que os mamou a todos com a mesma alegria com que as criancinhas chucham os bombons de chocolate, custou, recordo-me como se fosse ontem, a módica quantia de três mil quatrocentos e quarenta réis da «monarquia», que foram repartidos pelos onze comensais, cabendo, ou a matemática é uma batata, dezassete vinténs por cabeça, com sifão, gorjeta e tudo. (…)


Vasco da Gama perante o Samorim, na Índia (por Veloso Salgado)
 
Mas vamos ao episódio.
Tínhamos acabado de cear, como lhes disse, e partimos, Portas de Santo Antão acima, metemos à rua do Jardim do Regedor, tomámos a Avenida da Liberdade e fomos até à frente do teatro. Aí parámos e sentámo-nos; uns no assento do banco, outros nas costas e alguns no chão.
E o que imaginam os meus amigos que divertimento nos acudiu à lembrança, para moer a dobrada com vidrilhos, as pescadinhas marmotas, os queijinhos de Tomar e o muito vinho do Cartaxo?
Não imaginam com certeza. Mas eu lhes digo. Preparámo-nos todos para representar!
Mas para representar o quê – perguntarão –, naquele sítio e àquela hora?
Nada mais nada menos do que A chegada de Vasco da Gama à índia, reproduzindo quanto possível o célebre quadro de Veloso Salgado exposto na sala da Sociedade de Geografia!

Arregaçámos as calças até aos joelhos a fingir calções, pusemos os chapéus de pernas para o ar, isto é, de copa para baixo, e dispusemo-nos heroicamente à exibição do drama histórico.
A D. João da Câmara distribuímos o papel de Samorim; aos actores, os escravos; aos amadores, os marinheiros da nau; e a Fialho de Almeida o grande protagonista, D. Vasco da Gama, por saber de cor as estrofes.
A mise-en-scène de Augusto Pina, estava um primor. (…)
Já se tinha dado o terceiro sinal para subir o pano, quando subitamente nos surge por detrás duma atarracada palmeira um vulto negro que não constava da marcação da peça.
Demorou-se um pouco o começo do espectáculo esperando o vulto que entrava pela cena dentro sem licença do contra-regra.

O velho Fialho de Almeida (por António Carneiro)

Quem era o inoportuno?
Ora quem havia de ser? – o polícia de serviço!
Acercou-se do grupo, e vendo que aquela mascarada transitava sem licença do Governo Civil, inquiriu:
Que vem a ser isto, meus senhores?
Isto!, respondeu Fialho, isto! Dobre a língua…
Isto, quer dizer, este ajuntamento…
Ah, agora sim! — E, com voz de pregoeiro, declamou: A chegada de Vasco da Gama à índia. Peça de Marcelino de Mesquita com música de Óscar da Silva e desempenhada pelo Beijinho da Arte de Representar em Portugal.
—Ah!!!
Vai daí, perguntei eu: — O senhor guarda não estava avisado deste ensaio geral?
Eu não senhor!
O quê? Não estava prevenido?
Juro por alma de minha mãe que não estava.
Pois amanhã — acrescentou o Chaby, de modo colérico — vamos ao sr. major Dias... E você terá como castigo o enfileirar-se de novo no seu regimento de infantaria.
Mas, meus senhores — balbuciou o guarda, deveras atarantado — eu não vou contra as ordens do sr. Major. Se ele autorizou, manda quem pode. Podem começar. O que lhes peço é licença para presidir ao espectáculo no meu lugar de autoridade, e o favor de me apresentarem ao sr. Samorim. Pode ser?

Ora essa, com todo o gosto — disse-lhe o Chaby, muito satisfeito.
Ou quer o senhor entrar na peça? — perguntou-lhe o Teixeira Marques, arregalando risonho os seus grandes olhos negros.
Entrar na peça? Eu? Mas a fazer de quê?
De quê? De escravo — replicou o Fialho.
De escravo?!
Pois que papel quer você fazer sem ter ensaiado nada?
Tem razão, tem razão. Pois muito bem, vamos a isso.
Aqui. Coloque-se aqui — ordenou o Fialho ao guarda, metendo-lhe na mão um guarda-chuva. — Faça de conta que isto é uma umbela. Cubra-me.
O guarda abriu o chapéu.
Pode começar? — perguntou o Óscar.
Pode - respondeu-se em coro.
Então o Fialho, armado em D. Vasco da Gama, desenhou-se em frente de D. João da Câmara, que estava sentado a fazer de Samorim, mas que naquele momento mais nos dava a impressão de um médico alienista do que dum Vice-rei, e começou:

E se queres com pactos, e lianças
De paz, e de amizade sacra e nua (…)

Findas as estrofes do imortal cantor das nossas glórias, os aplausos ecoaram por toda aquela imensidade.
O polícia atirou com a umbela ao meio do palco, caiu nos braços do famoso intérprete e qual não foi o nosso espanto quando ele se declarou também amador dramático e nos pediu que o ouvíssemos recitar O Escravo!
Abraçámos a ideia e Galhardo gritou:
- É para já! Rapazes, atenção.
O polícia, então, colocou o boné sobre o banco, tomou atitudes grotescas e desatou a recitar com voz de estentor:

Tremes, escravo, branqueias
Entre os muros da prisão!

Mas o desventurado guarda e furioso dramático não logrou fazer-se ouvir pela assistência, porque ainda bem não tinha acabado o segundo verso, apareceu-lhe por detrás da mesma palmeira o cabo da ronda, que lhe disse:
Amanhã, amanhã te darei as grades da prisão, meu idiota. Tudo já daqui p'ra fora e . . . tableau! Pano abaixo!

No dia seguinte fomos em comissão pedir o perdão do Escravo, e o nosso pedido foi deferido."

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Melodias Eternas



Canção -  Hymne à l'Amour (Hino ao Amor)
Intérprete - Edith Piaf. Nasceu em Paris, a 19 de Dezembro de 1915. Faleceu em Plascassier, em 10 de Outubro de 1963 (47 anos).
Autores - Música: Marguerite Monnot; Letra: Edith Piaf.
Vídeo de - ced
Pesquisa e apresentação - Albina de Castro.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

PENSÃO FAMILIAR



Jardim da pensãozinha burguesa.
Gatos espapaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros chatos.
O sol acaba de crestar as boninas
que murcharam.
Os girassóis
amarelo!
resistem.
E as dálias,
rechonchudas,
plebéias,
dominicais.
Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom de restaurant-Palace
encobre cuidadosamente a mijadinha.
Sai vibrando com elegância a patinha direita: —
É a única criatura fina
na pensãozinha burguesa.
 
Autor : Manuel Bandeira - Brasil (n. 1886 - f. 1968)
Nota: Tiririca – planta herbácea do Brasil

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O SONO DO ALUNO


O professor disserta sobre ponto difícil do programa.
Um aluno dorme,
Cansado das canseiras desta vida.
O professor vai sacudi-lo?
Vai repreendê-lo?
Não.
O professor baixa a voz,
Com medo de acordá-lo.

(Carlos Drummond de Andrade - Brasil)

sábado, 12 de janeiro de 2019

MARI SAMUELSEN (Vivaldi - As Quatro Estações - "Verão")

Violinista Mari Samuelsen - Nasceu na Noruega em 21 de Dezembro de 1984.
Toca um violino Guadagnini de 1773. Tecnicamente brilhante. E empolgante.

(Vídeo publicado por Tor Melgalvis)